por Benjamin Teixeira.
Soube de um caso curioso, acontecido recentemente. Um homem de inteligência e cultura medianas, estatura baixa, acima do peso, totalmente fora dos padrões estéticos, longe do que se pode chamar de sucesso profissional e financeiro e, para completar a lista de elementos negativos, para a sociedade preconceituosa em que vivemos, também homossexual, declarou amor a outro homem, só que este ostentando sucesso profissional e financeiro, alto, bonito e de inteligência e cultura brilhantes, nestes termos:
– “Por que Deus não manda alguém especial como você para mim?”
Se prestarmos atenção, além do aspecto imaturo da espera da solução vindo de fora, alguém determina que é especial, exigindo, portanto, soluções igualmente especiais para sua vida. À preguiça, casa-se a presunção, em tragicômico ballet. Quem rasteja no pântano, como um réptil, não pode ficar simplesmente chorando sua sina, sonhando ser uma andorinha no céu ou ter andorinhas como companheiras de jornada. Deve desenvolver asas e voar, ou, se não tem asas, não pode exigir da natureza o que sua natureza não comporta.
Lamúrias como essa lembram-nos também a criança fazendo biquinho por dizer que mamãe não a ama porque a obriga a ir à escola. São, todavia, das mais comuns que tenho ouvido, em dezesseis anos trabalhando no aconselhamento de pessoas. – “Por que Deus não atende aos meus pedidos, realiza os meus sonhos e me faz feliz?”
Por uma razão fundamental: o Criador almeja, para suas criaturas, evolução e não atendimento a caprichos mesquinhos e fúteis da primeira infância espiritual, muito embora, paradoxalmente, reconheça necessidades psicológicas elementares, para cada estágio evolutivo em que cada criatura se encontra.
Somos nós, criaturas em processo de aprendizado e auto-construção, em trânsito para níveis mais complexos de organização consciencial, que temos que modificar nossos conceitos e torná-los mais realistas, mais coerentes com o mundo, fora e dentro de nós. A Divina Providência fornece-nos o essencial, para atendermos a nossas necessidades básicas, das psicológicas e espirituais até as físicas, mas não viola jamais a atribuição inalienável por ele outorgada a todos nós: o livre-arbítrio, a partir do pleno gozo que façamos de nosso discernimento e bom senso. Deus nos quer em processo contínuo de auto-poiese (auto-criação), como afirmam os chilenos, ou em processo constante de auto-transcendência, como costumam dizer os biólogos evolucionistas da Universidade de Harvard. Precisamos amadurecer nossa leitura da realidade, para que não alimentemos expectativas pueris, narcísicas, completamente desconectadas de nossa natureza e reais condições evolutivas. Podemos ser otimistas e ousados, mas isso não implica renunciar à razão e à percepção de fatos concretos (permitam o pleonasmo).
No caso acima aventado, o reclamante não percebeu que, em matéria de relacionamentos afetivos, diferentemente do que deve (ou pelo menos pode) acontecer no entrelaçamento de boas amizades, aspectos como aparência física, estado financeiro e afinidade intelecto-moral entre o abordado e o postulante à intimidade devem existir. E se até para tecermos relacionamentos amicais o peso das afinidades profundas é importante, o que poderíamos dizer de pessoas desniveladas psíquica e culturalmente (não fosse bastante o desnível físico) tentarem um romance? Muito embora possamos ser muito abertos na interpretação de certos conceitos, há verdades duras que não podem deixar de ser consideradas. Por mais que uma relação conjugal muito espiritual, profunda e cheia de cumplicidade possa se dar além dos apetrechos físicos de um ou de dois elementos do casal, a ausência deles indubitavelmente faz com que a probabilidade de sucesso, ao menos de atração inicial para o começo da relação simplesmente aproxime-se do zero. Os semelhantes, via de regra, dizem os especialistas, se procuram. Só se candidata para aproximar-se de outrem, para relacionamento íntimo, quem se sinta com cacife suficiente para tanto. Essa é uma questão não de destino ou de espiritualidade, mas de lógica. O rapaz feio, mas inteligente pode casar-se com a moça bonita, apesar de estúpida, tanto quanto o homem rico pode casar com uma desmiolada moral, apenas pelo porte do corpo, embora, obviamente, tais combinações quase nunca dêem certo. O que não é sensato (apesar de muitos julgarem que com umas rezas fortes e umas boas simpatias seja possível) é Zé-que-se-acha-o-bom abordar Maria-deusa-do-corpo-da-inteligência-e-da-alma, supondo-se com chances de ser bem sucedido em sua iniciativa. Mulheres obesas podem se sentir magoadas por não terem namorados, esquecendo-se de que a aparência é importante, sobremaneira para homens, quando o assunto é uma ligação íntima (não importando se isso é justo e nobre ou não). Por fim, homossexuais devem compreender que para obterem algum nível de êxito, num relacionamento afetivo duradouro, terão que contar com um número suficientemente grande de vantagens compensatórias, para toda a ordem de ataques gratuitos e prejuízos pessoais que os casais gays sofrem, além da ausência de modelos construtivos e viáveis que dêem lastro para sua relação.
Esperar que Deus mande alguém, para resolver nossa vida financeira, profissional ou afetiva; esperar que o Ser Supremo faça nosso dever de casa existencial e evolutivo é, no mínimo, falta de inteligência. Foi nesse sentido que Karl Marx, coberto de razão, lançou sobre a religião institucionalizada o rótulo de: “ópio do povo”. Não podemos entender a vivência do numinoso, como um escape para o desenvolvimento integral de nossa personalidade e caráter, como um atalho para os indispensáveis esforços para que se galguem conquistas. A transcendência surge como resultado natural do máximo desdobramento da imanência. Ou seja: é um processo de cúpula e não de base. É o acabamento final de uma edificação e não uma alternativa para se esquivar do trabalho de construí-la.
Maturidade psicológica, sucesso profissional e financeiro, felicidade afetiva e espiritual, cultura e inteligência desdobram-se com muito trabalho, disciplina e persistência. Nestes termos, Deus nos ajuda, potencializando o ganho de nosso empenho.
Nossa visão de felicidade deve incluir todas as contradições e incertezas que concernem à existência. Desde a ambigüidade que percebemos em nossos sentimentos e nos dos com quem convivemos, até as perdas, decepções, rupturas, traições, fracassos, carências, limitações e quedas, momentos de tédio, raiva e medo (que devem ser transmutados em sentimentos e condutas construtivas) entre outras surpresas negativas, que compõem, inarredavelmente, o contexto da existência humana. Temos, assim, que encontrar o prazer do desafio em meio ao caos, de administrar nossas vidas no limite, de gerir a insensatez – tanto dos outros, como a nossa própria – , de nos permitir brincar e relaxar, em meio à crise, de aprender com a dor, de extrair poesia do desastre, de encontrar a glória e a transcendência na tragédia…
Quem não está apto para fazer isso, não está apto a viver, muito menos para ser feliz, pleno e estar em paz. Somente buscando significado e propósito em tudo, enxergando um mundo ético e um cosmo cheio de amor, apesar de todas as desgraças ou descompassos entre a realidade e nossas expectativas, encontraremos sentido para viver, e felicidade, sempre.
Você pode achar uma tarefa difícil encarar a vida em toda a sua complexidade, e esforçar-se por fazer trabalho duro e, paradoxalmente, viver em fluxo, simultaneamente. Contudo, é isso que implica o viver e acolher a vida em sua complexidade, e não de forma simplista, forçando uma realidade polidimensional a enquadra-se em esquemas unifocais. Não aceitar essas intrincações e ambigüidades é pretender passar toda a vida desenhando pessoas como um circulozinho espetado num palito, com mais quatro ganchinhos saindo dele, representando os quatro membros. Ou passar toda a vida dizendo “plato” em vez de prato, porque é mais difícil dobrar a lingüinha. Muita gente não nota quão idiotizada permanece, em seus padrões infantis de resolução e elaboração psicológica de questões existenciais, sobretudo no plano emocional. Acham que viver sempre reclamando dos outros ou de fatores externos, vitimizando-se e apassivando-se, por um lado, ou estressando-se e vivendo continuamente tensas, preocupadas, ansiosas e apavoradas, por outro, são as atitudes certas diante dos dilemas da vida, ambos sistemas paralisantes, entrementes, ao neutralizar a criatividade, a alegria de viver e, por conseqüência, a capacidade de ser resolutivo e produtivo e de estar em sintonia com os fluxos da vida.
Por que Deus, às vezes, não nos atende os reclamos? Por duas grandes razões possíveis: ou porque Ele pretende que descubramos as respostas por nós mesmos, crescendo nesse processo; ou porque Ela sabe que o que estamos buscando é venenoso, contra-producente ou constitui um total descalabro, contradizendo nossas necessidades e desejos mais profundos, o que só o futuro nos mostrará quanto, quando tivermos suficiente perspicácia e experiência para notar.
Talvez, porém, você prefira ficar choramingando no maternal ou continuar escrevendo sobre pontinhos… no eterno exercício da caligrafia espiritual. A escolha é sua; e as conseqüências, meu(minha) caro(a), principalmente se você já chegou ao ginástico ou adentrou a faculdade da evolução, pesam igualmente sobre os ombros de sua responsabilidade, sob forma de tédio, tristeza e frustração crescentes e acachapantes, senão destroçantes, como infelicidade, divórcio, falência, desemprego, perdas dramáticas de entes queridos, ou doença debilitante em si mesmo. E isso porque a Vida, prezado(a) amigo(a), não tem pena de relapsos, assim como as instituições escolares não o têm de alunos negligentes, aplicando-lhes todas as penas cabíveis, por sua irresponsabilidade: todos estamos na Terra para aprender, por bem ou por mal.
(Texto redigido em 3 de março de 2004.)