(Quando os psicofármacos são dispensáveis; a importância nuclear, em certas categorias profissionais, do contado com a dor, tanto do outro como de si mesmo; combustão para o trabalho de artistas e médiuns.)
Benjamin Teixeira
pelo espírito Eugênia
Minha cara (…) me perguntou hoje se não estaria carecendo de tratamento psiquiátrico, nem que fosse uma dosezinha módica de antidepressivos. Se procurar psiquiatras da nova “linha dura”, em vigor, no uso de psicofármacos, imediatamente concordarão com você, ou, ao menos, não lhe será difícil encontrar quem se disponha a prescrever-lhe uns “remedinhos”.
Entretanto, é isto que realmente quer, minha filha? Viver medicada o resto de sua vida, e improdutiva?
A tristeza profunda que, por vezes, assoma-se do seu psiquismo é decorrente da natureza mais sensível de que é portadora, em contínua interação com uma civilização notadamente fria, calculista e voltada às questões do consumo e do prazer (meramente material). O entrechoque com energias disfuncionais de desencarnados sofredores acaba por lhe dar o coroamento infortunado desta miscelânea de causas perturbadoras sobre seu bem-estar. O uso de medicamentos neutralizaria o trabalho de socorro aos nossos irmãos menos felizes do plano extrafísico de vida a que você se devota, na condição de aplicada e educada médium espírita. E, estou certa, você não deseja a interrupção de suas tarefas mediúnicas.
Há categorias de profissionais que laboram, direta ou indiretamente, com a dor física ou psíquica (sua ou de terceiros), de tal modo que, isolando-os de tal intercurso com a dor, anula-se-lhes, completamente, a utilidade e a produtividade de seus esforços. Entre estes ofícios, justamente os mais humanitários, estão as diversas escolas de saúde, além das psicoterápicas, pedagógicas e religiosas. É impossível ajudar a minimizar a dor do corpo ou da alma; da enfermidade, da neurose ou da ignorância; do vício, da maldade ou da falta de propósito, sem ter direto contato com tais afecções do espírito (ainda que apenas manifestadas no soma).
Por fim, existem duas alas profissionais, entre estes a operarem com o sofrimento humano, que preferi deixar à parte: a dos artistas e a dos médiuns. Fi-lo porque estes dois ramos de atividade propelem seus operários a lidar com a dor intrapsíquica, com o sofrimento dentro deles mesmos, e não fora, nos outros. Nestes trabalhadores do bem, a dor funciona como um motor-criativo, que lhes galvaniza as mentes, para os partos psíquicos da beleza, do bem e da cultura. Filósofos talvez pudessem ser também inclusos neste segundo grupo, mas muitos pensadores profissionais realizam suas obras por diletantismo, o que muito raramente acontece com artistas, e menos ainda comumente entre médiuns. Médiuns e artistas, com a experiência e a maturidade, podem e até devem, para lograr maior equilíbrio interior e mesmo galgar a excelência no exercício de suas tarefas, desenvolver um certo padrão de prazer, de satisfação íntima, em sua lavoura criativa. Mas, ainda assim, como o trabalhador do campo, terão sempre que lidar com a canícula e a invernia, com a tempestade e as pragas episódicas, a arrasarem-lhes a fertilidade do solo d’alma, bem como a safra periódica de seus longos e laboriosos esforços.
Conhece-se a essência de alguma coisa, por suas conseqüências a médio e longo prazo. Não se pode “tratar” alguém, por conta de uma característica que, ao reverso de desligá-lo da realidade, fomenta-lhe um potencial maior de inteligência e percepção da própria realidade, propiciando-lhe um nível de criatividade e serviço ao próximo acima dos níveis médios. Vê-se, destarte, numa análise mui perfunctória, ser o caso de maior grau de lucidez (que muitas vezes dói no psiquismo), em vez de se tratar, propriamente, de distúrbio mental, que desconecta o indivíduo de si mesmo, dos outros, do mundo como um todo.
É tudo que gostaria de dizer hoje, neste ensaio sobre psiquismo e vida espiritual, dor e glória de sua superação, ciclos de vida e morte, e, principalmente, sobre respeito aos Desígnios de Deus, nas grandes como nas pequenas coisas; tanto nos lances dramáticos do destino, quanto nas particularidades enfadonhas da rotina.
(Revisão de Delano Mothé.)
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