Crônicas de Gustavo Henrique

(Ela chegou a ter um show de teatro interditado, na ultravanguardista Nova York do início do século passado, considerada, pelas autoridades, uma corruptora da juventude, apenas por explicitar sua sensualidade nos palcos, como o fez mais tarde no cinema: Mae West.)

Benjamin Teixeira
pelo
Espírito Gustavo Henrique.

A jovem soluçava no colo de seu paizinho. Não haveria chance de ela se reparar, ante a sociedade, após o escândalo promovido pelo noivo que a descobrira no que ele considerou ato de adultério. O rapazola de moral frouxa havia viajado a plagas distantes e se metido em aventuras moralmente reprováveis, e, após envolver-se com problemas sérios, que lhe punham em risco de morte, retornou ao rincão natal.

Por aqueles dias, a mulher que assumisse compromisso com o noivo sumido mantinha-se a ele atado – por mais absurdo que isso soe atualmente –, e não poderia ser colocada em outra relação, ainda que não fosse consumada. Era este o caso. Joanita apenas começara novo vínculo de namoro, à moda daquela época, recebendo o pretendente em casa, na presença dos pais, a conversarem assuntos graves, diante dos “velhos” vigilantes, e só se dera a esta liberdade após 18 meses sem notícias do antigo noivo, que foi tido como morto, inclusive, por quase todos os conhecidos de infância, além dos próprios familiares.

[Graças a ela, principalmente, o uso de calças generalizou-se entre as mulheres. Katharine Hepburn sustentou, outrossim, com seu colega das telas Spencer Trace, uma relação extraconjugal (Trace era casado), com conhecimento do grande público, por um quarto de século.]

Mas tão-só o fato de, após 27 meses de sua ausência, ter reencontrado a noiva nos primeiros movimentos de aproximação com outro candidato ao casório já fora o bastante para merecer o opróbrio público do indignado comprometido, porque, mesmo cansado de suas estroinices de adolescente perpétuo, o noivo fujão retornou às responsabilidades abandonadas, sem aceitar a pecha de desertor, isso fazendo a despeito de não apresentar uma explicação plausível e respeitável para seu desaparecimento por dois anos.

– Felizmente, estamos próximos de pôr fim a despautérios deste gênero. Não faz sentido algum a moça ficar com a reputação manchada e ter seu futuro comprometido, pelo desmazelo do antigo noivo, que, por sinal, ainda deixou claro não amá-la – disse respeitável mentor espiritual, indignado, para um pequeno grupo de preceptores desencarnados em processo de conclusão de curso para a condição de guias espirituais, assistindo a tudo, distante dali.

(Ela tentou ocultar, mas, além de referencial ímpar de beleza, Greta Garbo era gay, e sua forma estranha, mas estilosa, de andar, lançando os ombros e os quadris para a frente, enquanto encurvava o dorso e encolhia as nádegas, fez-se referencial de elegância feminina, durante praticamente todo o século XX, sobremaneira nas passarelas da moda, ainda hoje sendo vista com frequência, quase 90 anos depois de a grande diva aparecer, pela primeira vez, nas telas do cinema mudo – em 1924 –, em que fez sucesso, tanto quanto no cinema falado, em seu nascedouro.)

Prosseguiu ele:

– Um consórcio com outras entidades do Plano Sublime estuda e planeja, para a pátria brasileira, uma série de providências, em conjunção com os condutores de outras nações da Terra, como a norte-americana, muito padecente, igualmente, dos descalabros do puritanismo hipócrita, no sentido de eliminar injustiças crassas, como esta, do tecido social no domínio físico de vida. Londres e Nova York receberão grande influxo de personalidades corajosas, que espocarão como celebridades do mundo artístico – para mais intensamente influenciarem seus contemporâneos –, algumas delas dadas a licenciosidades e indisciplinas (o que será necessário, por ora, nos primeiros momentos de maior ruptura com as convenções estabelecidas), a fim de que encerremos esta era de obscurantismo inaceitável. Nosso estimado professor Freud já se encontra nos anos iniciais de sua adultidade, e seus trabalhos, quando publicados, causarão frisson nos meios científicos.

Somente Paris nos dispensa esforços de abertura dos valores e dos costumes. Mas podemos dizer que todas as demais metrópoles europeias ou do Novo Mundo carecem deste movimento internacional de superação de tabus que engessam a vitalidade e espontaneidade de indivíduos e coletividades inteiras. O que importa dizer é que conseguimos autorização para colocar o Brasil na linha de frente da ruptura desses paradigmas, de modo que a capital da República recém-proclamada, a prazenteira e provinciana Rio de Janeiro, será comparável, em decênios futuros, apenas à futura Los Angeles (*1), que receberá o maior cuidado deste projeto global de quebra de preconceitos, porquanto se fará a dirigente deste movimento, por meio de um veículo de massificação da cultura que está para ser inventado pelo professor Edison e alguns outros auxiliares (*2).

(Mais corajosa – embora bissexual e não homossexual, como sua contemporânea Garbo –, Marlene Dietrich foi uma quebradora de estruturas do tradicionalismo fossilizado, asfixiante da originalidade e brilho de cada criatura humana, numa postura muito mais agressiva e efetiva, como Mae West.)

– Como vai o mapeamento existencial dos grandes líderes deste movimento? – indagou um dos atentos discípulos.

– Em excelente adiantamento – não se fez esperar o mestre. – Um general prussiano, uma grande cortesã romana, um chefe de organização criminosa italiana redimido e um príncipe mimado, mas inamovível em seus propósitos, estão em vias de reencarnar, respectivamente na Alemanha, Suécia e, os dois últimos, nos Estados Unidos – os quatro, em corpos de mulher (*3). Serão grandes estrelas da nova arte de teatro registrado e reproduzido para milhões de expectadores (e não só milhares), em toda parte, mesmo nos rincões mais longínquos (e não apenas nos grandes centros, onde há atividades artísticas de vanguarda).

– Que bom! Reencarnarão na mesma geração? – interrogou um outro aprendiz, empolgando-se.

– Sim, no espaço de um decênio e meio, aproximadamente, a partir de meados desta década (*4).

– E os efeitos?

– Lamentavelmente, somente nos grandes conglomerados humanos sinais claros poderão ser sentidos, ainda na primeira metade do próximo século. Mas, com a descida da última expressiva leva de líderes deste movimento, principalmente uma antiga fundadora de cabaré e uma princesa europeia com vultoso carma a cumprir no quesito sexual, explodirão, dos próprios Estados Unidos da América, dois grandes movimentos de libertação: o feminista e o homossexual (*5) – a primeira personalidade nascendo como mulher e vindo a trabalhar com o teatro eletromecânico de multidões; a segunda, em corpo masculino, para se destacar graças a outra invenção, planejada a ser disseminada nas nações mais desenvolvidas do orbe, a partir da metade do século, em que a visão à distância será precariamente viabilizada por meios radiofônicos (*6).

[Primeiro nu artístico da Playboy, a “segunda Eva” – como chegou a ser chamada – foi considerada a mais famosa e influente atriz de cinema de todos os tempos, eclipsando as divas dos “anos de ouro de Hollywood” (das décadas de 1930 e 1940), estourando no período mais crítico da história da “Indústria dos Sonhos” (a década de 1950), ameaçada e em constante sangria de público, com o surgimento da televisão comercial, em larga escala, nos Estados Unidos. Dizia-se, à época, que todas as mulheres queriam ser como Marilyn, enquanto todos os homens desejavam Marilyn.]

– Nossa! Quanto tempo de sofrimento em massa pela frente! – retorquiu o empolgado, que se desanimava…

– Sim, mas não há mudanças de vulto, em assuntos visceralmente cristalizados, quais os tabus sexuais, sem longo trabalho, que consome gerações inteiras. Esperamos que, até o raiar do próximo milênio, ao menos a temática feminina esteja relativamente resolvida, para nos concentrarmos na questão homossexual.

– Quê? – surpreendeu-se um terceiro aluno, que se mantivera calado até então. – Não teremos uma libertação paralela de mulheres e homossexuais? Pensei que os temas e a libertação dos dois grupos seriam correlatos!

– Parecem, mas não são – respondeu, com segurança, o ilustre professor. – Principalmente porque, no que tange à homossexualidade, a ideia de ser considerada antibíblica (que não é) e de dizer respeito a um contingente populacional menor (de 10% da população, e não 50,9%, como o das mulheres), tanto quanto a possibilidade de ser ocultada (ainda que parcialmente), favorecerão uma resistência longa ao preconceito.

– Algo é programado para lá? Digo: para o fim do próximo século?

– Sim, vários grupos de entidades reencarnação no correr de todo o próximo século XX, que está para ter início. Cabe-nos aqui, todavia, para fins de nosso estudo, destacar apenas um destes projetos encarnatórios, que não será o mais célebre, mas bem representa acabada amostra do que está por vir. Dar-se-á tão-só na segunda metade do século XX. Renascerá, em pátria brasileira, um filósofo de nosso Plano, que se consorciará a um movimento religioso de vanguarda e, dentro dele, nos primeiros anos do século XXI, declarar-se-á publicamente pertencente ao amor sexual entre iguais, fazendo barulhenta cerimônia religiosa auto-oficiada.

[Logo após o surgimento das grandes redes de televisão norte-americanas, as maiores do mundo até hoje, ele já conseguia reunir – isso mesmo: nos anos 1950(!) – um público de mais de 40 milhões de pessoas, assistindo, ao vivo, a suas impressionantes execuções ao piano, cheias de estilo, vigor e entusiasmo. Liberace foi a segunda celebridade internacional a falecer reconhecidamente vitimado pela AIDS, após Rock Hudson, causando comoção nas comunidades gays do mundo inteiro.]

– Auto-oficiada? – o silente se fazia mais falante…

– Sim. Como uma mensagem clara aos 10% de homossexuais na Humanidade, de que não devem esperar que nenhuma autoridade externa às suas próprias consciências venha endossar sua liberdade, seu direito de ser quem são e viverem felizes ao seu modo.

– 120 anos pela frente até isso… então… – disse o ex-entusiasmado, quase abatido.

– Não: muito mais – retornou, claro e firme, o mestre da Espiritualidade Sublime –, porque esta atitude do tal filósofo, futuro religioso, criará frisson neste particular. Para potencializar o efeito desencadeador da mudança, fá-lo-emos renascer na região mais conservadora do Brasil, ao lado de um outro grande jurisfilósofo, este de Roma Antiga, que reencarnará trinta anos aproximadamente antes, para, na condição de autoridade constituída do Direito, de perfil heterossexual, converter-se em grande agente de influência em todo o país, neste âmbito de “quebra de preconceitos”. Ambos nascerão na mesma província brasileira (*7), do Nordeste. Um na prática, outro na construção do endosso legal, serão grandes fomentadores da mudança.

– Sim… compreendo…

O professor continuou orientando seus alunos sequiosos de novos informes, a respeito da curiosa e palpitante temática, por longo tempo ainda, mas não nos compete aqui publicar o conteúdo posterior a este ponto.

(Texto recebido em 4 de janeiro de 2010).

(*1) A entidade de quem Gustavo Henrique reproduz a fala faz referência à área da região metropolitana da grande cidade do Oeste norte-americano, que se celebrizou como Hollywood.

(*2) O cinematógrafo.

(*3) Marlene Dietrich, Greta Garbo, Mae West e Katharine Hepburn – as duas primeiras, pela ousadia de insinuar, em várias situações públicas, sua bissexualidade; as duas últimas, pela postura libertadora em relação às mulheres heterossexuais – a primeira destas, na atitude sexual em si; a segunda, na forma de se vestir atrevida (as calças masculinas) e na influência que exerceu no movimento feminista como um todo.

(*4) Subentende-se, assim, que o diálogo ocorre no início dos anos 1890. Mary Jane West, a mais velha das quatro, renasceu em 1893; a mais nova, em 1907: Katharine Hepburn, cobrindo um espaço, portanto, de 14 anos – quase década e meia, conforme dito pelo Espírito.

(*5) O Espírito Eugênia – que supervisiona minhas atividades mediúnicas – esclareceu-me que a fala aqui reproduzida por Gustavo Henrique alude a Marilyn Monroe e Liberace, respectivamente.

(*6) Cinema e televisão.

(*7) Os Estados brasileiros, até o Império, denominavam-se “províncias”. Já era início da República. O Espírito pode ter se distraído, por força do hábito, ou ter usado a palavra “província” na acepção de ambiente provinciano ou de região.

(Notas do Médium)


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