Benjamin Teixeira
pelo espírito Eugênia.
A mente humana é constituída de potências ativas, mas subliminares, que poucas criaturas na Terra acessam, em estado normal de consciência. Pesadelos, surtos emocionais de raiva ou de ciúme, o enamorar-se, o intrigar-se de alguém, o idolatrar uma figura pública, histórica ou mesmo doméstica etc. – todas são formas de projetar as forças, os estratos, os padrões mentais desconhecidos, mas não necessariamente adormecidos, que clamam por manifestação, embora o nível consciente da mente não lhes compreenda a razão de ser, quando sequer sabe de sua existência. Mitos, histórias, lendas, a busca da arte como meio de expressão e canalização dessas potências – é sobre isso que viemos aqui falar.
E o que teria a dizer sobre isso?
Gostaria que, por rápidos momentos, nosso leitor pensasse no quão bizarros e absurdos parecem os comportamentos dos fanáticos islâmicos, e de como ostentam suas armas, orgulhosa e alegremente, em vídeos gravados pouco antes de atentados terroristas suicidas. Parecem facear a morte com alegria, envaidecendo-se de seu ato de selvageria e estultícia, como se fizessem um bem à humanidade, na condição de mártires. Em que medida os nossos leitores podem se dizer tão superiores em autonomia de pensamento e de opinião, em relação àqueles jovens infelizes? Em que alguém pode garantir que, tendo nascido naquele ambiente, naquele dado contexto sócio-cultural, não assimilaria e desdobraria, senão naquela proporção, tendências similares de ideologia e posicionamento radical, ante as questões que vida propõe? Quem seria suficientemente ingênuo para se supor realmente auto-suficiente, intelectual, emocional e espiritualmente, para não estar sofrendo e não ser hoje uma resultante, em percentual talvez assustador, de vetores de influência cultural e genética? Existe o espírito eterno, livre, que se submete a contingências orgânicas e sociais específicas, para se desenvolver, seja absorvendo-lhe os fatores, seja reagindo a eles. Mas quanto existe de percentual de livre-arbítrio genuíno, de criação autêntica do indivíduo? Quantas vezes o que parece um impulso estritamente pessoal não passa do final de uma longa e complexa teia de causa-e-efeito, nas interações familiares, culturais do indivíduo com seu contexto histórico e mesmo biológico (o corpo também tem influências sobre o espírito, tanto quanto este sobre aquele)?
Na Terra, as pessoas não tecem – salvo honrosíssimas exceções – conscientemente, a narrativa de suas vidas. Não são donas de seus destinos; deixam-se arrastar, principalmente quando têm a ilusão de que algo “tem que ser” ou que “sempre foi assim” ou que “não há alternativas ou saída para isso”. É bem verdade que o bom senso, amiúde, chega a conclusões formuladas em enunciados semelhantes, mas, amiúde, o que se tem como voz do bom senso, não passa de voz introjetada do consenso, da opinião da maioria, da voz das tradições, da cultura local, familiar, nacional, dos padrões de expectativa a que alguém se sente na obrigação de corresponder, ainda que nunca tenha parado para se interrogar se correspondem a seus ideais mais altos, à sua natureza, a seu modo de ser, às suas necessidades mais elementares e até mesmo aos princípios mais rudimentares de lógica e observação direta dos fatos. Ou seja: é comum as pessoas viverem num universo de fantasia, esquecidas de observar a realidade, fascinadas pelo elaborado dessas falácias culturais, mitos construídos para fins específicos, sob circunstâncias históricas determinadas, quase nunca condizentes com os interesses, valores e necessidades do indivíduo.
Que fazer ante isso?
Lutar contra o “status quo”. Ninguém deve se submeter à tirania da comodidade, da normalidade, da rotina. Quebremos os hábitos, os medos e a necessidade de não contrariar figuras reais ou imaginárias de poder. O pai, o mentor, o ídolo, o amante não são figuras divinas. Aqui cabe, bem apropriada, a lembrança da condenação bíblica à idolatria. É comum pessoas aporem os símbolos de status e incorporação a uma comunidade acima de seus impulsos mais sagrados, profundos, verdadeiros. A autenticidade, assim, fica sacrificada em nome da integração ao grupo social, e o indivíduo segue como um autômato, sentindo-se pária de si mesmo, para não ser considerado pária da sociedade. Numa civilização pós-moderna, pós-industrial, em que muitas nações da atualidade já adentram, não faz mais sentido essa perversão de valores, porque, se sempre foi condenável dar mais valor ao externo que ao íntimo, hoje é simplesmente desnecessário (ao menos em sociedades mais organizadas), já que há espaço para toda ordem de subcultura, dentro da cultura dominante das maiorias. Portanto, com um esforço pequeno, de coragem e transparência, o indivíduo pode, tranqüilamente, manifestar sua originalidade ao mundo, dessa forma dando seu contributo singular à humanidade, como legado de uma existência bem vivida, sempre útil aos “viajores” existenciais dos tempos futuros, incluindo a si mesmo, numa próxima vilegiatura carnal, num nível mais alto de consciência, estruturado sobre a complexidade do nível anterior, num estágio de organização e significado ainda mais avançado e sutil.
Impressionantes seus conceitos.
Precisos, ao menos para o nível de entendimento da humanidade de hoje. Que cada um se esforce, assim, para dissecar as camadas mais profundas de si, fazendo um trabalho de garimpagem psicológica, semelhante a uma arqueologia ou mesmo uma paleontologia da alma, descobrindo, assim, relíquias de “culturas” passadas (outras reencarnações) ou mesmo indícios de raízes culturais profundas (de vícios, paradigmas e tendências ainda vigentes, mas fulcradas em experiências pretéritas), e, por fim, fósseis de grandes traumas e angústias dessa e de outras existências físicas ou extra-físicas (períodos intermissivos, entre existências carnais, nas dimensões astrais do planeta).
As pessoas costumam considerar esse tipo de raciocínio, no mínimo, místico e vago.
Que auscultem suas tendências e gostos. A ordem de filmes e livros que as agrada. O tipo de culturas por que se atraem. E, de reversa maneira, o que lhes causa repulsa, ódio ou aversão, de modo espontâneo ou compulsivo. Não num sentido literal de tais sugestões, mas, com toda segurança, num sentido figurativo, já que suas predileções e aversões constituem pistas da natureza profunda do ser. A terapia, o estudo dos sonhos, a leitura de autores abalizados e a consulta a peritos e consultores especializados, sem dúvida, serão ferramentas indispensáveis, a par da meditação e da oração: indispensáveis.
Não existe caminho curto para trabalho dessa envergadura…
De modo algum. Se o corpo consome vinte anos para atingir a adultidade, como alguém, de sã consciência e conhecimento de causa, suporá que, em alguns punhados de anos, resolverá todos os enigmas de sua alma? Entenda-se que esse trabalho é infinito, mas gradativamente compensatório, à medida que se avança em seu desdobramento.
(Diálogo travado em 2 de maio de 2004.)