Benjamin Teixeira pelo espírito Anacleto.

Nota do Médium:

Prezado internauta:

Hoje o Espiritismo faz anos – 144. Se pensarmos que o Cristianismo tem 2000 anos de História, que o Budismo já ultrapassou os 2500 e que o Hinduísmo já conta com mais de 5000 incríveis anos, podemos dizer que é apenas o início de uma Nova Era para a Humanidade, com o campo de idéias que o Espiritismo constitui, que é capaz de sintetizar áreas epistemológicas tão díspares como filosofias orientais, ciência ocidental e manifestações artísticas num mesmo conjunto harmônico e integrado, coerente e progressivo. Nada até hoje se criou no campo do saber que se lhe equipare, o que posso afirmar com meu pequeno conhecimento de filosofia e ciência. E, muito embora a extraordinária profundidade de algumas doutrinas do oriente, são doutrinas. Somente o Espiritismo, entre todas as religio-filosofias conhecidas, realmente está assentado na Ciência, o que lhe dá um aval de verdade, justamente por não se propor dono de verdades, mas em busca, continuamente, de novas formas de descobrir, entender e avaliar verdades.

No dia 18 de abril de 1857, veio a lume, em Paris, a primeira edição do clássico O Livro dos Espíritos, o primeiro tomo do Grande Sistema de Síntese publicado por Allan Kardec e confeccionado por ele, com constante supervisão e colaboração das Altas Inteligências que o assessoravam do plano extra-físico. Modesto, Allan Kardec preferiu se auto-denominar um mero codificador do pensamento dos espíritos. Na verdade, um homem de conhecimento enciclopédico e dotado de uma psique de poder de abrangência e penetração ímpares, ele mesmo um grande espírito reencarnado para cumprir tão especial mandato divino. Tão vanguardista era Kardec em sua forma de pensar e ver o mundo que, muito embora seja um princípio espírita incorporar todas as novas descobertas e introvisões que a Humanidade acumule com o correr do tempo, ainda hoje os escritos do grande francês são prenhes de atualidade, quase sem necessidade de retoques, a despeito de terem se passado, desde então, um século e meio dos mais fantásticos progressos científicos e culturais de toda a História Humana.

Não haveria data mais adequada para que Anacleto nos convidasse a entabular o diálogo sobre a verdade que se segue. O grande sábio do Além, com sua lucidez invulgar, prova, realmente, ter sido um dos famosos filósofos da Grécia Antiga, muito embora prefira continuar no anonimato. Numa era de tanta indefinição e confusão de valores e idéias, o pensamento de Anacleto – creio que o prezado internauta concordará – serve-nos de refrigério tranqüilizador. Um norte de equilíbrio e verdade, numa era de desajustes e desorientação.


Muita paz e felicidade,


Benjamin Teixeira,
Aracaju, 18 de abril de 2001.

Estudo sobre a Verdade.

Benjamin Teixeira
Pelo espírito Anacleto.

Vivemos numa era de grande perspectivismo. Tudo é relativo, a moral, o bem e a verdade parecem se diluir em todos os sentidos. Os gurus parecem ter desaparecido, assim como os líderes. Ou os que existem não parecem suficientemente aptos ou a cativar as multidões ou a lhes apresentar caminhos e soluções plausíveis. O que você nos diria sobre isso?

Trata-se de um dos períodos mais importantes da evolução da consciência humana no planeta. As verdades sólidas desapareceram e deram lugar à liberdade plena de pensar, conjecturar e questionar. Em lugar de um universo de verdades imutáveis, o ser humano agora tem, como pano de fundo de suas reflexões, o caldo indefinido da sopa quântica de possibilidades e probabilidades de possibilidades, onde tudo pode ser e nada é, ao mesmo tempo. É um exercício supremo do juízo de valor humano, a fim de que o ser humano encontre autonomia de circunstâncias, eventos e vetores de influência.

Mas… nossa!… tem sido um desafio e tanto! Muita gente tem se perdido nesse processo. Ademais, muita gente douta tem suposto exatamente o contrário do que diz: que estaríamos numa era de degradação de valores, e não de aprendizado.

Essa é uma visão superficial. Não se pode avaliar um fenômeno social, cultural e histórico pelas suas conseqüências imediatas. A longo prazo os efeitos positivos far-se-ão claros. Somente quando é posto contra o vazio da indefinição, o indivíduo pode, com clareza, expressar os conteúdos que lhe vão na psique. Não encontrar uma realidade pré-estabelecida, esquemas pré-montados de conceitos e princípios considerados eternos faz com que a consciência se esforce no seu limite, com o fito de confeccionar seu próprio plano subliminar de pressuposições básicas, sobre o qual possa rabiscar seus conceitos, projeções e percepções de realidade.

Você fala de percepção como uma construção humana. Isso não seria a distorção da percepção e não a percepção?

É impossível perceber sem projetar a própria consciência perceptiva, seus pressupostos de verdade, suas introvisões. Até a física quântica já tem demonstrado que consciência interfere na realidade observada. A busca da imparcialidade absoluta é uma utopia ultrapassada. O ideal, agora, é considerar a inexorável interferência da mente, para que haja um mínimo de controle sobre o processo de assimilação cognitiva, para que se possa filtrar, ao menos em parte, suas inevitáveis distorções perceptivas.

O ser humano vive em busca de referenciais de verdade, ainda que reconhecendo não ser possível divisar uma verdade absoluta. Parece mesmo tão importante esse piso fundamental de pressupostos essenciais que se não são descobertos ou definidos conscientemente, surgem inconscientemente. O que podemos fazer para descobrir um alicerce seguro dessa verdade relativa, nessa era de tanta confusão?

Que cada um procure vivenciar a lucidez, minuto a minuto. Preguiçosa, a mente do ser humano médio da Terra de hoje quer realidades prontas, seguras, contínuas. E isso simplesmente não condiz com a realidade. De fato, nunca condisse. Antes, tão-somente, o baixo grau de complexidade civilizacional permitia a manutenção da ilusão de um universo simples, óbvio, eterno. Como atualmente isso é impossível, com a celeridade dos meios de comunicação e com a quantidade sem precedentes de gente pensante e treinada produzindo conhecimentos, idéias e raciocínios novos a cada dia, o indivíduo que queira manter-se afinado com a modernidade terá que se esforçar constantemente no empenho de reavaliar paradigmas, criar novos arcabouços conceituais, descortinar universos de elucubração inteiramente novos, ininterruptamente. Poderíamos, para entender o homem do século XXI em comparação ao homem de Ciência do século XIX, por exemplo, usar a analogia do veículo de transporte mais avançado na época, a locomotiva, e o que atualmente se faz uso, para viagens longas: os grandes jatos para percursos intercontinentais. Enquanto as locomotivas estavam sempre presas ao chão, e nunca fugiam dos trilhos, a não ser em caso de acidentes, a mente do homem daqueles dias, mesmo os mais informados, funcionava sempre dentro dos mesmos quadros cognitivos, sem grandes possibilidades de especulação ou criação. O ser humano de hoje, todavia, como o jato que não só tem liberdade de movimento em relação a latitude e longitude, mas também no que tange a altura, está sempre sujeito às correntes de ar das diversas correntes de pensamentos, saturados de questionamentos e contradições, forçando-o a monitorar, constantemente, seu curso de vôo, sob pena de se chocar contra uma montanha, ou despencar sobre o oceano… do caos e do total fracasso. Não há possibilidade mais para o descanso da mente, no plator de idéias acabadas e seguras. A mente humana, nos dias que correm, deve fazer uso de todos os seus instrumentais: a razão, a intuição, a coleta contínua de informações, a discussão inteligente de temas, para manter-se relativamente em dia com suas necessidades de referencial, solidez e sentido. Mas essa imagem não deve ser compreendida como aterradora – o que constituiria uma declaração de imaturidade psicológica. Seria uma nova versão do sonho do Peter Pan, de se preservar perpetuamente criança, porque somente uma psique psicologicamente infantil pode se sentir bem sem desafios, num universo pronto e parado. A mutabilidade constante do universo civilizacional humano deve ser interpretada como um magnífico estímulo à argúcia, ao engenho e à criatividade humanos.

Mas essa falta quase completa de parâmetros não pode conduzir as pessoas – aliás como parece já vir acontecendo – ao cinismo e a toda forma de concentração no ego e seus interesses mesquinhos?

Pode, como um efeito colateral das primeiras iniciativas no sentido de descobrir uma lógica completa para o universo por conta própria. De início, sentindo-se sem supervisores, o ser humano pode se arrogar à condição de Deus, criando verdades ao alvedrio de seus instintos e caprichos. Mas isso não pode perdurar por muito tempo, nem individual, nem coletivamente, já que o caos, o mal estar, a desarmonia entre os âmbitos existenciais, como por exemplo: o profissional, o afetivo e o familiar, sem contar o espiritual, força o indivíduo a rever suas atitudes, para uma visão mais sistêmica e profunda, que necessariamente incluem o outro, a coletividade, o respeito pela natureza e a consideração de uma Força Maior que tudo coordena de um plano de consciência inacessível à mente humana.

Anacleto, e se lhe pedisse para dar um conceito de verdade, poderia nos dar um?

A verdade é a perspectiva exata do bem, do belo e da vida, para um dado indivíduo, em um dado momento de seu histórico evolutivo.

Nossa… Então…

Cada um deve aprender a buscar a verdade dentro de si, sempre. Não só existem tantas verdades quantas consciências existirem, como uma mesma consciência, em amadurecendo, terá uma compreensão diversa de verdade. Ou seja: a cada segundo, em última análise, tudo muda. Em adotando essa ótica, nota-se que a maior perversão é submeter o mundo interior a regras impostas de fora. Eis o princípio da hipocrisia, que tanto Jesus condenou. E foi a autenticidade, essa coerência da pessoa com o que realmente vai dentro de si, foi a razão que fez o Messias aproximar-se de párias sociais da época, como prostitutas e cobradores de impostos, que não se preocupavam em preservar aparências, em sacrifício de sua essência. Ser honesto é fundamental, mas deve-se procurar primeiramente ser honesto consigo mesmo, ou não se será com ninguém mais. Há muita gente que toma ares de decência, para ser aceito em certos grupos sociais e não porque naturalmente seja o que demonstra. Isso não é decência: é uma completa prostituição da consciência. Por isso disse Jesus que muitas prostitutas e ladrões (isto é: os obviamente indignos, conforme um contexto específico de cultura) entrariam no Reino dos Céus (ou seja: a consciência unida ao padrão de Totalidade que subjaz a todo o cosmos) antes dos que se julgavam justos.

Você está dizendo, então, que devemos ignorar completamente o que vem de fora, e seguir apenas os ditames da consciência? Isso não seria a anarquia, no pleno sentido da palavra?

Não. A vida em sociedade exige regras, que devem ser seguidas, a bem do interesse comum, da segurança, da harmonia, da ordem. Mas queremos relativizar conceitos divinizados na cultura tais como o legal, o moral, e o justo, pelos abusos que se tem perpetrado em seu nome. Nem sempre o que é certo está instituído em leis, em costumes sociais ou nos conceitos que se fazem de equanimidade e justiça em determinado tempo e lugar. A Desobediência Civil proposta por Gandhi foi um exemplo perfeito disso. O brocardo latino do Direito que manda tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais sustenta a mesma lógica do bom senso. A afirmativa, por exemplo, de que todos são iguais perante a Lei pode redundar demagógica, uma terrível falácia, se um milionário e um mendigo se batem em juízo: o primeiro tem muito melhores recursos de defender seus direitos. Se algo faz mal ao ser humano, de uma forma geral e a longo prazo, não pode ser para o bem. Se algo leva ao bem, não só do interessado direto, mas de toda a coletividade, de uma e de todas as gerações que se seguirem, é indiscutível que se trata de um princípio de bem. A lei, a moral e os costumes são circunstanciais. Para servirem ao bem real, ao bem comum, devem ser adequadamente relativizados, ou servirão de instrumento de dominação e destruição em mãos indevidas, como tanto a História tem demonstrado ser possível e freqüente. Mais do que se perguntar se alguém está sendo legal ou não, deve-se perguntar se está sendo espiritual, se está sendo ético, justo e bem intencionado, fazendo tudo que está em seu alcance pelo bem geral. Há criminosos protegidos por capciosos recursos legais, e revolucionários subversivos, como o próprio Cristo o foi. Note-se, todavia, que Jesus não sugeriu que as pessoas se sublevassem contra a lei, o que ficou belissimamente exarado na passagem da moeda com a esfígie de César e o tributo que se lhe devia: Dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus. Queria o Mestre chamar a atenção – e é o que aqui propomos – que se priorize o essencial, para que não se perca o sentido de propósito, como o jato que não corrigisse, continuamente, sua rota, em meio às múltiplas turbulências e correntes aéreas a que está submetido. Lei, moral, justiça, costumes, bem como cultura, ciência, inteligência devem estar a serviço do homem e não o contrário. Buscai, primeiramente, o Reino dos Céus e Sua Justiça, e o demais se vos acrescentará. Se algo não engrandece, não torna mais feliz, mais digno, mais humano, mais útil e completo um indivíduo, não pode ser de Deus. Isso é verdade, em qualquer tempo, cultura ou lugar. E quem disser algo em contrário está dando um inequívoco atestado de estar mal-intencionado ou francamente fora de senso, ou, o que é mais comum, provavelmente sofra de uma pérfida, malévola e sofismática conjugação das duas possibilidades.

(Diálogo entabulado entre o médium e o espírito, em 17 de abril de 2001.)