1. Leis naturais que funcionam em um certo nível de organização da matéria e do domínio biológico amiúde não têm validade em outro. É assim que, por exemplo, no que tange ao plano meramente físico, impera a segunda lei da termodinâmica, denominada entropia, que afirma que tudo tende à desordem progressiva. Quando se avança para o campo dos seres vivos, acontece o inverso: tudo se encaminha para níveis progressivos de maior complexidade, de mais intrincada organização, como a evolução dos seres vivos atesta, conforme a própria civilização humana o demonstra. Este princípio, diametralmente oposto ao da entropia, podemos denominar de sintropia ou neguentropia. E se tal relativismo existe no campo das leis naturais que regem os fenômenos físicos, o que poderemos esperar exista e de fato encontrar de perspectivismo e de ambigüidades na complexíssima e altamente subjetiva esfera das experiências, valores e princípios morais humanos?
2. Cada época e lugar têm suas características próprias de interpretação do que seja ético, justo e bom. A moral é muito mais circunstancial do que gostariam de admitir os dogmáticos e moralistas, conservadores e reacionários de todas as sociedades. O que é visto como bom e nobre numa certa situação civilizacional pode ser considerado como vil e indecente em outro contexto cultural. Assim, a castração da sexualidade em certas épocas da humanidade – e em determinados grupos humanos ainda hoje – era entendida como uma expressão elevada de educação da alma, enquanto a maior parte das comunidades humanas atualmente entende que a educação da sexualidade começa por incluir uma atitude respeitosa aos direitos alheios, mas, de qualquer forma, envolve, normalmente, uma prática sexual.
3. Jesus, para apresentar outro exemplo, relativizou a questão da indissolubilidade do casamento, dizendo que, em princípio, o consórcio deveria ser permanente, mas que a “dureza” do coração humano exigia a existência da possibilidade do divórcio, o que foi enfaticamente endossado por Allan Kardec, como uma necessidade humana indiscutível, com a publicação desta obra basilar do aspecto religioso do espiritismo: “O Evangelho segundo o Espiritismo”, em 1864 (no capítulo 22, item 5). Curiosamente, uma onda refratária ao pensamento kardequiano, no próprio meio espírita, no Brasil do século XX, postulou ser o divórcio uma fuga a compromissos cármicos assumidos antes da “descida” ao plano físico de vida, esquecendo-se o elemento fundamental de que, amiúde, a experiência do divórcio pode, em si, constituir uma provação, um teste à coragem, à superação das vaidades pessoais e ao comodismo de se permanecer numa situação conveniente ao ego e à vida financeira do indivíduo, quando não representa um heróico enfrentamento da condenação social – em se tratando de grupos mais reacionários. Nos últimos tempos, por outro lado, ressurge a necessidade de valorização do matrimônio, dado o caráter descartável que certos segmentos sociais mais “modernos” estão conferindo ao vínculo esponsalício, subestimando a importância de relacionamentos duradouros para o amadurecimento dos caracteres, indispensáveis, inclusive, para a felicidade humana.
4. Outros dois campos de exemplificação da relatividade profunda das leis morais, conforme época e lugar, são também atinentes à prática sexual. Há pouco tempo, entendia-se que mulheres decentes precisavam casar-se sexualmente intocadas por seus noivos – prática naturalmente vista como absurda nos dias que correm, já que a virgindade literal indica ignorância e imaturidade para que se assuma a seriíssima responsabilidade de um matrimônio. Ainda hoje, expressivas fatias da população compreende a homossexualidade como uma aberração moral ou como uma doença psicológica, e, mesmo em certos setores do meio espírita, entendem-se gays tão-somente como almas em expiação por desvios sexuais cometidos em pretéritas existências – ao que parece, esquecidos do que asseveraram os espíritos superiores a Kardec, na questão 202 de “O Livro dos Espíritos”, esclarecendo que não importa ao espírito o sexo do corpo que utilizará, mas sim a experiência. Há severa negligência quanto ao princípio propugnado pelo codificador e sua plêiade de assistentes espirituais, segundo o qual, sempre que a “doutrina” entrar em conflito com informações da Ciência, deve-se seguir a Ciência e se abandonar o corpo de conceitos do Espiritismo no tal particular. Eis que a “Associação Psiquiátrica Norte-Americana” – provavelmente a mais séria e respeitável instituição científica no estudo da mente humana – já retirou a homossexualidade do código de diagnósticos psicopatológicos, desde 1973.
5. Como o Espiritismo é um conjunto principiológico e conceitual intemporal, mas sujeito, como dissemos acima, às naturais atualizações, de acordo com o avanço do conhecimento e da ciência humanos, é evidente que novas leis, não vistas como tais anteriormente, surgirão, bem como, em contrapartida, muitos equívocos de avaliação, tidos como leis imutáveis (a idéia de imutabilidade, em si, já é suspeita, sugerindo fanatismo e ignorância), serão elididos do seio do meio espírita e da sociedade como um todo.
6. Jesus foi o maior revolucionário de todos os tempos, desafiando a classe religiosa-política dominante de seu povo, arrostando tradições antiqüíssimas, como a do respeito à inação no sábado, cercando-se de prostitutas, adúlteras e homens tidos como inimigos do povo e traidores da pátria, de caráter no mínimo duvidoso (como era o caso dos publicanos, cobradores de impostos, em nome do Império Romano), e falando em amor, numa era de primitivismo e violência institucionalizados. Allan Kardec, por sua vez, foi um subversivo corajoso, igualmente, para sua época. Propôs o divórcio, num tempo em que tal conceito era altamente polêmico, tanto quanto relativizou o assunto sexual e racial, dizendo que as pessoas reencarnavam em corpos diferentes e que somente o espírito, por conseguinte, e não o corpo, poderia ser visto como a sede das qualidades essenciais da alma humana. Cabe, destarte, ao Espiritismo, como uma estrutura viva de idéias que funde ciência, religião, filosofia, artes e cultura, estar sempre na linha de vanguarda do progresso humano, assim conformando, em seu bojo, o que houver de mais avançado, combatendo preconceitos e toda ordem de discriminação de minorias ou de segmentos mais fracos da população, ainda que numerosos, como é o caso da causa feminina.
7. Ser espírita e cristão é estar na linha de frente da evolução humana.
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8. Recordemo-nos de Paulo, o Apóstolo, ao dizer a célebre máxima a respeito de exegese religiosa, quanto ao esforço delicado de interpretar a “lei mosaica” e os textos evangélicos: “A letra mata; o espírito vivifica”. Em qualquer questão mais delicada ou complexa, caro amigo, medite cuidadosamente, procurando ouvir a voz do bom senso e da boa vontade, e encontrará a sintonia excelente com o plano superior de consciência. Nenhum texto, por mais pretensamente elevado, pode ser lido como se constituísse, literalmente, a verdade absoluta. Isto é impossível, dada a limitação tremenda do vernáculo humano. Quanto mais complexo e abstrato um tema, mais difusa é sua forma de manifestação na expressão lingüística da condição hominal. Qualquer conceito exarado em linguagem humana precisa ser interpretado, sob pena de se cometerem as maiores injustiças com o próprio sentido do texto e de acontecerem enormes deturpações da intenção original do autor. Não nos esqueçamos dos horrores que foram perpetrados, historicamente, em nome de Deus, inclusive no seio da escola cristã, como no período das “Santas Cruzadas”, por exemplo. Essencial, sempre ouvir a própria consciência e o próprio discernimento. Somente sua consciência tem caráter de plena autoridade sobre seus próprios destinos.
9. Estando ainda imerso por dúvidas, não se deixe enredar em aturdimento atroz. Medite em torno do princípio crístico: “Conhece-se a árvore pelos frutos”. Desta forma, a boa conseqüência, a longo prazo, de alguma escolha, indica que do bem será ela. Não sendo assim, não poderá provir de Deus.
10. Por fim, ore, humildemente, pedindo auxílio do Alto para a compreensão mais apropriada dos textos ou do princípio ventilado pelo esforço de análise e avaliação, procure especialistas, ouça gente madura e confiável, estude o que os autores mais abalizados, do passado e do presente, tenham dito a respeito e, por fim, ponha todo o conteúdo assim auferido em processo de longa ibernação, incubando-o nos subterrâneos de seu inconsciente, a fim de dar tempo a que os mentores espirituais intervenham, filtrando os equívocos mais graves que porventura existam em seu feixe de pensamentos e sentimentos acerca das idéias e temáticas em torno das quais esteja reflexionando.
11. Leitura indicada: “Preconceito – o Flagelo Anti-Cristo”, neste mesmo site, em “Mensagens Anteriores” ou em “Destaque Salto Quântico”.
(Texto psicografado por Benjamin Teixeira, em 1º de agosto de 2006. Revisão de Delano Mothé.)
Fonte: http://www.saltoquantico.com.br