(Benjamin Teixeira de Aguiar) – Surgiu, no recém-concluso ano de 2006, uma cruzada de militância ateísta em meio à comunidade científica, liderada pelo filósofo norte-americano Daniel Dennett e pelo zoólogo britânico Richard Dawkins. Você teria algo a dizer sobre isso, Eugênia?
(Eugênia-Aspásia) – Numa época em que se perpetram abusos crassos e injustificáveis, em Nome de Deus, e em que até conquistas elementares da civilização, como os direitos à pluralidade de pensamento e mesmo à vida, são ameaçadas pelo fanatismo de moles gigantes de milhões de pessoas, sem dúvida é válida e respeitável tal iniciativa, não devendo, de modo algum, ser encarada com maus olhos.
Trata-se de homens bem-intencionados, embora estejam obviamente enganados sobre o tópico basilar de sua postulação, qual seja: a inexistência de Deus. Em verdade, combatem, de maneira indireta, os horrores sustentados por facções religiosas radicais, da mesma forma que cientistas ateus dos séculos XVIII e XIX contestavam, fundamentalmente, os abusos levados a cabo pelo dogmatismo católico da época.
(BTA) – Não seria perigoso questionar valores fundamentais como fé, esperança e moralidade, tão atreitamente associados à religião, inclusive para a manutenção do equilíbrio e da ordem sociais?
(EA) – Sim, é muito perigoso, assim como todos os avanços da ciência, da tecnologia e dos costumes, que trazem suas contrapartes negativas, amiúde tão destrutivas quanto os benefícios que carreiam em seu bojo. Devemos entender essa campanha, todavia, como um processo natural de reação ideológica aos excessos claramente genocidas de alguns segmentos de religiões institucionalizadas – o fundamentalismo cristão do atual1 governo da Casa Branca não fica tão atrás do extremismo de determinadas seitas do Islã.
De futuro, como em toda onda de evolução de conceitos e de movimentos sociopolíticos, as hipérboles de parte a parte reciprocamente se neutralizarão, no mecanismo filosófico conhecido como dialética, engendrando-se, dessarte, uma síntese construtiva, a partir do embate entre a tese e a antítese que lhe provocaram o surgimento.
(BTA) – Para nós, teístas convictos(as), o que pode ser retirado de útil e bom desse movimento?
(EA) – Que não se pode deixar para “outra vida” o que deve ser solucionado agora. Há muita transferência de responsabilidade no campo da fé. Não são poucos(as) os(as) que se utilizam da religião como um meio de escapar de compromissos com a vida presente e com a adultidade (com a maturidade psicológica), esquivando-se de assumir o leme do próprio destino. A existência na dimensão espiritual deve ser compreendida como uma continuação da que se vem desenvolvendo no momento atual. Assim, tanto encarnados(as), ao desencarnarem, quanto desencarnados(as), ao reencarnarem, darão prosseguimento aos desafios, aprendizados e dilemas que ora enfrentam.
O exercício da espiritualidade genuína tem como propósito essencial aumentar o nível de lucidez do indivíduo, e não obnubilá-lo. Não por acaso, “iluminado(a)” significa “aquele(a) que despertou”. Quem faz uso da religião como um vício que lhe empana o raciocínio e lhe eclipsa o senso de dever e de responsabilidade, para consigo e com o próximo, está pervertendo a finalidade precípua da devoção a Deus. Em certa medida, Karl Marx acertou ao asseverar que a religião – em sua feição mais comum: sectária, igrejeira, dogmática e proselitista – é “o ópio do povo”.
(BTA) – Você quer dizer que devemos estimular essa campanha política de engajamento ao ateísmo, e não combatê-la com a contra-argumentação?
(EA) – Nem de longe dissemos isso. Apenas destrinchamos as causas profundas e os porvindouros desdobramentos históricos desse fato social dos dias que correm. A sabedoria não está em negar fenômenos, mas em reconhecê-los, procurando-lhes as lições implicadas. Desse modo, poderemos recolher-lhes os benefícios subjacentes e passar então, de fato, à fase de amadurecimento cultural coletiva subsequente. A ausência de semelhante atitude, inclusive, é um dos elementos desencadeadores de toda ordem de fanatismo e de “caça às bruxas”.
(BTA) – Mais algo deseja falar sobre essa nova onda civilizacional, Eugênia?
(EA) – A Espiritualidade deve oferecer respostas que atendam às aspirações da atualidade, respeitando o raciocínio lógico e a ciência, primando por abordagens pragmáticas, psicológicas, universalistas e ecumênicas, sem ferir, portanto, os brios políticos de outros partidos de crença ou filosofias de vida.
Crer por crer pode ser tão perigoso quanto um narcótico. Melhor, realmente, a razão lúcida do que a fé irresponsável. Não obstante, quando a busca espiritual se alicerça em convicções bem constituídas, unindo conceitualmente razão e fé, logra-se o mais apropriado sistema de pensamento, em termos de possibilidade de propiciar felicidade à criatura, descortinando-lhe caminhos de solução para os mais complexos e aparentemente inextricáveis enigmas da existência humana.
Benjamin Teixeira de Aguiar (médium)
em diálogo com Eugênia-Aspásia (Espírito)
2 de janeiro de 2007
1. Janeiro de 2007.
(Nota da equipe editorial)