Benjamin Teixeira
pelo espírito Eugênia.
Há alguns anos atrás, Bernadete, uma de nossas irmãs mais queridas, alma nobre e de bom coração, precisou descer ao plano físico. Estava preocupada com alguns de seus amigos e familiares de longos milênios, que teimavam em repetir antigos vícios e desvios da rota do bem. Pediu então para nascer como filha daqueles que, em verdade, eram seus filhos pelo espírito. Sua presença facilitaria seu progresso e poderiam dar grandes saltos evolutivos em uma única reencarnação, poupando-os de mais séculos de sofrimento desnecessário.
Bernadete nasceu como a última filha, de um casal que tinha três filhos, dois homenzinhos mais velhos que ela. Desde cedo, apresentou tendências que a destacavam das crianças normais. Não só no sentido intelectual, com estupenda facilidade para aprender, mas, principalmente, nas qualidades do coração, pura e bondosa como era. Enquanto outras crianças viviam o natural período de egoísmo que tolda as melhores tendências do espírito, quando crianças de tenra idade, Bernadete as expressava de modo luminoso, tão sólidas que já eram tais conquistas em seu espírito, amadurecido no carreiro dos milênios…
Na adolescência, embora seu coração se enternecesse por um ou outro jovem, não se confiou a arroubos maiores, desvencilhando-se com cuidados diplomáticos e gentis, de todos os pretendentes de sua beleza em verdor.
Chegou o termo de sua educação secundária, e Bernadete decidiu-se por pleitear espaço em uma cadeira universitária. Os pais, em primeiro momento, tentaram demovê-la de tal intento. Moças não nasciam para estudar, e sim para casar e ter filhos. Mas Bernadete, apesar da grandeza de sentimentos que lhe era apanágio óbvio, tinha uma inteligência arguta, e sabia que não abraçaria uma vida de anulação do seu ideal, em função de atender aos reclamos de uma sociedade preconceituosa. Escolheu graduar-se em Letras, para ministrar aulas de Português e Literatura, para adolescentes e jovens, conduzindo-os às reflexões mais fundas da alma, a partir das inspirações e sugestões da pena inspirada de grandes inteligências do passado e do presente. Seu paizinho (desta vez só ele, sem participação de sua mãe), tentou persuadi-la, ao menos, a candidatar-se a uma cadeira de Medicina, já que o status ser-lhe-ia maior. Boa estudante como era, não lhe seria nem um pouco difícil ser aprovada. Sabia de muitas damas da sociedade, argumentou ele, que se esquivavam de freqüentar o consultório médico, por pudores naturais ao coração feminino, e ela, como médica do mesmo sexo que suas pacientes, poderia ter vasta clientela nesta categoria. Mas Bernadete, atenta, intuitivamente, ao objetivo de tocar o coração dos pais para os interesses da alma, fixados que eram às posses materiais e convenções sociais, há tempo além do necessário, em seu processo evolutivo, respondia, com vigor, embora respeitosamente, que nunca prostituiria sua consciência pelas conveniências do prestígio e das riquezas materiais, mas atenderia sempre aos chamados de sua consciência, realizando sua vocação, que indicava a Vontade de Deus para ela.
Os anos se converteram em décadas. Bernadete não só se tornou grande mestra do curso secundário, como ainda veio a ser conceituada escritora de livros didáticos, adotados nacionalmente. Com considerável patrimônio evolutivo, para os padrões da Terra, a Divina Providência aproveitava-lhe a bagagem espiritual para servir-se dela ao bem comum, atingindo mais jovens do que, pessoalmente, poderia. Seus pais, reduzidos à miséria, após um colapso financeiro dos negócios da família, foram morar com ela, enquanto os dois filhos mais velhos praticamente romperam as relações com os genitores e a irmã, tão raramente davam mostras de vida aos três.
Envolvida com o trabalho, completamente denodada ao ideal de servir a crianças e jovens, em medidas máximas, na causa da educação integral, e não apenas em termos de instrução acadêmica, Bernadete esqueceu-se de dedicar tempo à sua vida pessoal, terminando seus dias só, sem companheiro ou filhos. Desencarnados seus pais, apiedamo-nos de sua alma sensível, mordida de uma solidão mortal, e, estando ainda com apenas 55 anos de vida, promovemos seu retorno ao nosso plano de vida.
Bernadete está entre nós, hoje, mas continua inspirando professores idealistas em todo o país, mas principalmente no Nordeste brasileiro. Seus livros, hoje, são considerados ultrapassados, não sendo mais adotados em nenhuma instituição de ensino no país. Mas seu ideal e sua atuação permanecem vivos, como nunca. Age, assim, no coração de todo mestre sinceramente devotado ao sacerdócio do magistério, cônscia de que, se os anos da sua última reencarnação foram difíceis e dolorosos, ajudou, com seu sacrifício de amor, centenas de milhares, direta ou indiretamente, na sala de aula ou pelos livros.
Ainda agora, todavia, há “Bernadetes” e “Bernardos” entre os encarnados. Passam desapercebidos, normalmente, porque não se encaixam nem desejam encaixar-se, no estereótipo das almas sacrificadas, que inspiram a compaixão e a idolatria das multidões. E, ironicamente, por essa sua naturalidade no idealismo, tornam-se ainda mais sozinhos e cansados, por não provocarem ou pedirem socorro de quase ninguém. Grandes mestres de nosso plano de ação, calam dores pessoais, para servir, sem recompensa, massas de anônimos. Às vezes, desencarnamo-los, antes do tempo previsto, pelo merecimento que têm de não sofrerem tanto como normalmente padecem, dando demasiadamente de si, sem receberem compensações que lhes confortem os corações nobres e sensíveis. Outras vezes, porém, quando lidamos com alguns deles mais resistentes e heróicos, deixamo-los reencarnados, pelo tempo que é possível, para que mais corações sejam tocados, pela sua luz ainda incomum, na Terra, ainda que não seja tão elevada como a dos Anjos que dirigem nossos destinos. Assim acontece às almas santas que permanecem ergastuladas no corpo físico até idade provecta, semeando amor e esclarecimento, sem fronteiras. Dia virá, entretanto, quando o nível de evolução coletiva for um pouco melhor, em que poderão estar no plano físico, sem serem submetidos a tanto esforço e sacrifício, já que muitos os identificarão, compreenderão e auxiliarão, fazendo com que tenham um trajeto existencial menos angustiante e possam – eles que são os que mais merecem – ter uma vida relativamente feliz.
(Texto recebido em 4 de julho de 2004.)