Benjamin Teixeira
pelo espírito
Eugênia.

A lendária Helena, conforme a narrativa clássica de Ulisses, teria sido responsável indireta pela ocorrência metafórica que aqui nos servirá de reflexão: o “presente de grego”, expressão presente em diversos idiomas modernos, aludindo ao “Cavalo de Tróia”, maravilhoso, honorífico e fascinante por fora, mas cheio de perigo mortal por dentro, a milícia oculta que poria abaixo a cidade famosa. O grande símbolo das tentações terrenas bem retrata como costumam ser os favores do mundo: magníficos num primeiro momento; perigosíssimos, em suas implicações a médio e longo prazos.

Os favores da Divindade, porém, amiúde se revestem de dificuldade e aspereza. Tudo que há de mais importante na vida tem aspectos amargos de que se não pode evadir a criatura, sob pena de comprometer severamente seu destino. A disciplina, o esforço pessoal, o sacrifício do provisório em função do permanente, a responsabilidade e a lealdade a compromissos assumidos, a dedicação a entes queridos ou aos semelhantes de uma forma geral, o devotamento contínuo ao aprimoramento do desempenho profissional e do próprio acervo de conhecimentos, o denodo em causas espirituais, o exercício-desafio da fé. Nada de importante e de fato valioso conquista-se sem labuta, empenho continuado e grandes doses de sofrimento, inclusive, apesar dos arrepios que tais assertivas possam causar a incautos hedonistas – muito comuns, lamentável e desgraçadamente (para eles mesmos) – nos tempos atuais.

Não se deve, evidentemente, fazer apologia à dor, mas seria tolo demais propugnar por uma filosofia de vida do menor esforço. Numa era de competitividade exacerbada nos mercados de trabalho, e mesmo no “mercado afetivo” (em que se perde o cônjuge amado, para alguém mais gentil e afetuoso, caso não haja bom tratamento oferecido, na intimidade, ao parceiro de destino) bem revela que não há espaço, na vida moderna, e, em tese, em nenhuma época da humanidade, para relaxamentos indébitos. Determinação, coragem, perseverança e mesmo heroísmo são indispensáveis, para a excelência e a felicidade, a paz e até para a fé (porque ninguém imagine que se consolide a conquista fundamental da fé, sem estudo, meditação e oração continuados e profundos).

Vem-lhe a limitação financeira, para que você não se renda à fascinação do poder ou das posses.
Advém-lhe a doença regeneradora que o põe a meditar e mudar de rumos, para sua felicidade.
Sobrevém-lhe a dor inesperada, a frear impulsos e exigir-lhe cautela, ante o risco iminente de queda moral.
A solidão macera seu coração e dá-lhe profundidade e sentimentos nobres, como a gratidão por gestos singelos de fraternidade ou a atenção maior para os padecimentos alheios.
A tristeza o faz menos vibrátil e expansivo, mas favorece-lhe a sabedoria, proveniente da reflexão.
A feiúra física ou a deformidade do sobre-peso lhe conferem proteção aos abutres dos sentidos, resguardando-o afetivamente para os que realmente o amam.
O ataque de um inimigo gratuito convida-o a orar e refletir sobre suas fraquezas, dando-lhe ainda ensejo ao perdão e à humildade.
A morte de ente querido pede-lhe introjete os valores que via no amado, no âmago da própria personalidade.
A perda de fortuna ou posição social higieniza-lhe as relações viciosas com falsos amigos e põe-no em perspectiva sobre o que realmente importa.
A proximidade da morte, por fim, liberta-o da maior parte das ilusões e lhe propicia o vislumbre do essencial na vida, nas relações interpessoais e em si mesmo.

Talvez você aguarde facilidades afetivas, no mercado infantil de expectativas inoperantes.
Talvez você pense que o Plano Superior deva presenteá-lo com mensagens pessoais de entes queridos alojados em outras dimensões de vida.
Talvez você espere fortuna, status ou poder, para dar vazão a seus instintos e paixões.
Talvez você até ache que tudo isso, em lhe sendo entregue, constituiria presente do Alto.

Não sabe, você, porém, que o que lhe parece tão obviamente bom, perdê-lo-ia facilmente.

Pessoas afáveis demais viciam caracteres imaturos e egocêntricos.
Dádiva mediúnicas e místicas excepcionais, como aparições dos mortos amados, costumam deslumbrar os que ficam na retaguarda da vida física, afastando-os do cumprimento de seus deveres na Terra.
A riqueza e o prestígio normalmente corrompem os mais diamantinos caracteres, quando o indivíduo que os possui não é severamente vigilante consigo mesmo e dotado de madura espiritualidade.

Não pretenda ser ad infinitum a criancinha que exige da professora, o cuidado especial de segurar-lhe a mãozinha, para o traço firme a grafite.
Não almeje permanecer ad aeternum na condição do bebê que só caminha, com o recurso do andador.
Não se acomode à condição do jovem que não se sustenta, nem enfrenta o mundo externo, para perpetuar as regalias e comodidades da casa paterna.

Aprofunde suas reflexões, e conclua com mais cuidado.
Deveria Deus, o Ser Supremo do Universo, Inteligência Infinita, submeter-se aos caprichos e ao prisma de avaliação e desejo de Suas criaturas imperfeitas, no longo processo de auto-construção que constitui a evolução?
Por você não entender, em determinado momento, os desígnios divinos, segue-se que eles estão errados? Ou que Ele não exista?

Percebe que tomar tais caminhos de raciocínio é, simplesmente, denotar grande superficialidade de inteligência e, principalmente, déficit de maturidade psicológica?

Procure acertar, prosperar e ser feliz. Mas não imagine que haja um comércio de favores celestes ou um sistema de adulações ritualísticas, para reverter pretensas arbitrariedades divinas. Não procure Deus para fugir de seus problemas, ou encontrar atalhos para seus deveres, ou moratória para seus compromissos. Busque a Espiritualidade para aprofundar seus sentimentos, alargar sua perspectiva de vida, expandir sua consciência, descobrir valores, metas, propósitos maiores para viver.

Se você se mostra desiludido porque Deus não se submete ao talante de sua vontade, revela, com isso, tão-somente, a precariedade de seu estágio evolutivo, e o deplorável nível de auto-consciência que atingiu, preso ao nível narcísico de identidade psicológica (própria a bebês recém-nascidos), que faz a criatura supor que tudo que não gravite em torno de si ou está errado ou não existe.

(Texto recebido em 30 de setembro de 2004.)

(*) Esta mensagem, inicialmente, esteve no ar às primeiras horas da sexta-feira, dia primeiro de outubro, até que, às 3:30 da madrugada, foi substituída pelo texto autobiográfico: “Encontro com a Sombra”, que você pode acessar, clicando em “Mensagens Anteriores”, na esquerda de seu monitor.