(Eugênia-Aspásia)
– Ouçamos a voz do coração, em todas as questões do Espírito, a fim de que, apartando-nos de emoções de ordem inferior, não venhamos a tomar rumos equivocados, de que depois nos arrependamos amargamente, sofrendo as consequências de nossa ingrata escolha.

Mas – perguntar-nos-iam – como fazer a distinção entre emoções grosseiras e intuições superiores, entre o palpite vulgar e a inspiração divina?

Responderíamos: pelo padrão dos estados psicológicos. Quando uma pessoa se conhece a fundo, ela natural e facilmente diferencia a origem desses estados: se primitiva e indigna, ou elevada e nobre. Logo, pela profundidade e leveza dos sentimentos ou pela baixeza e brutalidade das impressões íntimas, será possível discernir uma doutra experiência.

(Benjamin Teixeira de Aguiar) – Mas e quando a intuição do Plano Sublime trata de evento ou situação inferior, em caráter de alerta? Não poderia o(a) neófito(a) em assuntos mediúnicos e espirituais se confundir, Eugênia?

(EA) – Sim. Por isso, o indivíduo deve buscar conhecer-se mais profundamente, para não se embaralhar em circunstâncias fenomenológicas intrincadas como a que você apresentou. Para favorecer uma compreensão aproximada do que queremos dizer, visualizemos a cena de um corpo ensanguentado e mutilado: a imagem despertará, num(a) pervertido(a), o açulamento de seus instintos degradados no franco sadismo; num médico cirurgião em sala de emergência hospitalar, todavia, insuflará os mais subidos ímpetos e providências de solução salvacionista e curativa, no intuito de reparar a conjunção orgânica do(a) paciente, quiçá resgatando uma vida da iminência do decesso carnal.

(BTA) – E quanto à necessidade de agir ou não? Há momentos em que precisamos tão somente aguardar, em vez de procurar respostas para um dilema. Como distinguir negligência de confiança irrestrita em Deus?

(EA) – Existe o princípio da previdência e o da Providência. Pelo primeiro, o ser humano age em seu próprio favor ou em prol das realizações que pretende empreender, fazendo uso de suas faculdades de razão, livre-arbítrio, discernimento. Pelo segundo, Deus opera, expressando-Se incessantemente no mundo, de inúmeras formas, desde ocorrências prosaicas, como coincidências aparentemente fortuitas no encadeamento de eventos, até fenômenos extraordinários, quais as manifestações paranormais, mediúnicas ou místicas. Pelo entrelaçamento desses dois princípios, os destinos humanos são entretecidos.

Cabe-nos galgar níveis progressivamente mais altos de consciência e sabedoria, que nos capacitem não só a agir corretamente, no instante de atuar no drama da vida, mas também a suspender nossa interferência, de qualquer natureza que seja, no momento reservado à Divina Providência. Nesse capítulo existencial, temos o célebre conceito oriental da “não ação”, que deve se casar ao exacerbado e sufocante impulso ocidental à ação, de modo que, desbastando-se reciprocamente em seus excessos, possa haver equilíbrio, felicidade e paz no viver humano.

(BTA) – E quando a pessoa decide agir, mas as coisas não se dão como ela esperava?

(EA) – O caos não deve gerar perturbação. Como substrato básico da criatividade e elemento fomentador de processos de renovação, o caos tem o condão de instigar a inteligência a atingir patamares mais avançados de entendimento da realidade. Há períodos em que não acontece quase nada do que prevíamos, e nem por isso precisamos necessariamente nos cobrar mais produtividade ou nos consumir em angústia. Existem, outrossim, fases de incubação, de transformação subliminar, que somente a posteriori evidenciarão sua utilidade. E tais quadras evolutivas, não raro, são ricas em desordem e crise, justamente os fatores que mais propiciam a transcendência de um dado status quo.

Com essas ponderações, entrementes, de forma alguma desmerecemos a necessidade de planejamento, que tem relevância estratégica na configuração da trajetória humana e consiste em uma das maiores responsabilidades de toda criatura em estágio hominal de consciência. Em diversas outras ocasiões, já deixamos bem clara nossa opinião sobre esse tópico essencial.

A propósito, no início desta resposta, empregamos o verbo “prever”, no lugar de “planejar”, para darmos o enfoque apropriado à temática, abolindo qualquer reforço aos reclamos dessa era civilizacional de ansiedade e desejo de controle exagerados. Façamos nossos planejamentos e, na medida do possível, sem paranoias ou perfeccionismos, tentemos aplicar o planificado. Mas que, em contrapartida, nos lembremos de levar sempre em conta os princípios da imprevisibilidade da vida, da impermanência de todas as coisas e da impotência do ser humano para controlar, em termos absolutos, o que se passa dentro e fora de sua mente. Essa política existencial, que, em uma análise desatenta, pode soar displicência ou irresponsabilidade, constitui, de reversa maneira, corolário direto de maior maturidade psicológica e mais aguçada lucidez espiritual.

(BTA) – E se alguém conclui que deve agir, mas simplesmente não encontra forças para tanto?

(EA) – Há caracteres que se condenam pelo fato de uma iniciativa previamente programada não chegar a se concretizar, considerando de imediato que seu projeto malogrou por descaso ou preguiça pessoais. Melhor, porém, renunciarem a uma estipulação disciplinar ou mesmo a uma decisão isolada, quando não se sentirem em condições de cumpri-las, do que se exporem ao risco de romper o equilíbrio da própria psique.

Nem sempre se pode saber o que leva alguém a se paralisar ante uma determinada tarefa a ser desdobrada. Dessarte, algo que parece sinalizar uma fuga ou uma traição à própria consciência, à primeira vista, pode representar, em verdade, um ato de suprema inteligência intuicional, no sentido de preservar a sanidade mental da pessoa, impedindo-a, assim, de enveredar por erros maiores do que aqueles que, forçando-se a agir, pugnava por evitar.

(BTA) – E quando o indivíduo está completamente confuso sobre um caminho a tomar e se vê oscilando entre duas ou mais possibilidades de escolha, por tempo indefinido?

(EA) – Reconsiderar hipóteses anteriormente descartadas pode indicar, igualmente, uma intuição afiada ou uma perspicácia mais acentuada, que veem além das aparências ou do arranjo conjuntural do momento. Alternativas em torno de que se volta a conjecturar não estavam nem nunca poderiam estar de todo suspensas. Como bem revela o campo das probabilidades quânticas, em que tudo é possível, há sempre caminhos opcionais para nossas escolhas centrais ou prevalentes, ou para as que julgamos mais de acordo com os recursos à nossa disposição e com a circunstância em que estejamos inseridos(as).

Neste universo complexo, com múltiplos fatores-geratrizes de linhas de eventos, o quadro de um instante pode ser inteiramente revolucionado no seguinte. Cumpre-nos, portanto, manter a mente aberta: eis uma lição precípua – e amplamente propalada – para que se alcance a legítima sabedoria.

Obviamente, nada do que elucubramos nestas linhas teve o propósito de excitar o vício da procrastinação ou a covardia da indecisão, mas sim de combater a tendência, generalizada no Ocidente, à linearidade, arraigada de tal modo em algumas personalidades, que dificilmente teriam elas como vislumbrar quão determinantemente foram a isso induzidas pelos vetores de influência da cultura.

Benjamin Teixeira de Aguiar (médium)
em diálogo com Eugênia-Aspásia (Espírito)
12 de março de 2007