Benjamin Teixeira
pelo espírito Eugênia.
Uma das grandes síndromes sociais modernas, se é que assim podemos dizer, por associar uma série de patologias psicológicas, sociológicas e culturais simultaneamente, as rupturas conjugais surgem como uma forma, paradoxalmente, de libertação das criaturas, no sentido de propiciar uma existência mais efetiva e feliz.
Obviamente, não podemos negar a recorrência, nos últimos tempos, de abusos nesse setor dos acontecimentos sociais, com lamentável freqüência, de modo que faz-se necessário a devida contextualização do divórcio, para que haja equilíbrio na decisão e não fuga a compromissos e responsabilidades sérios ante a espiritualidade, diante de Deus, do próximo e perante si mesmo.
Primeiramente, não se devem criar expectativas ilusórias sobre o outro. Quem cria fantasias utópicas sobre felicidade afetiva, facilmente se desilude e é tentado a fugir do vínculo de obrigações morais gerado, de laços afetivos convertidos em grilhões de prisão. Casamento não é fonte de solução de problemas, mas campo de aprendizado adicional, que pode, por conseguinte, intensificar conflitos, pelo confronto com as próprias limitações que a intimidade favorece.
Segundo, não se deve esperar um mar de facilidades. Todo relacionamento implica um conjunto próprio de desafios, de atritos, de dilemas, de incompatibilidades. Somente por meio do debate fraterno, diplomático e psicológico, será possível auferirem-se os melhores resultados de crescimento das crises que serão ensejadas, para evolução de todos.
Considerado isso, cabe a cada contendor das lides românticas, chegar à conclusão fria, racional, de que, realmente, sem escapismos infantis ou racionalizações de caprichos egóicos, de que, realmente, a relação se tornou inviável.
Alguns indícios serão claros disso:
Angústia sistemática.
Total ausência de diálogo, respeito e carinho.
Revolta, tristeza e medo, ao se pensar em se aproximar de casa.
Algumas táticas devem ser utilizadas para ver se a situação pode ser revertida, como:
a busca de ouvir o outro com sinceridade e atenção, fazendo todo esforço por lhe tomar a perspectiva, saindo da defensiva quanto às próprias questões;
procurar ajuda psicoterapêutica ou de aconselhamento espiritual, para a arbitragem isenta da crise;
tirarem férias um do outro, fazendo viagens, tanto sozinhos, para que o distanciamento acalme as turbulências emocionais e oportunize uma percepção clara quanto às problemáticas vividas pelo casal, quanto viagens a dois, para, em reversa metodologia terapêutica, a intimidade permitir a troca mais profunda de experiências emocionais, longe da rotina estafante que, amiúde, pressiona e enlouquece.
Mas, se feito isso, nada der resultado, após genuínos esforços por reeducar a própria natureza, extrair lições da experiência conflitiva e procurar ajuda profissional, é o momento de, até mesmo quando houver crianças envolvidas – em certos casos, por isso mesmo, para poupá-las da psicosfera pestilencial estabelecida no lar – partir-se para a separação efetiva do casal, a fim de que a urbanidade, os princípios mínimos de civilidade, respeito e dignidade sejam preservados entre ambos, principalmente visando à sociedade indissolúvel da responsabilidade conjunta pela criação dos filhos, caso haja.
Jesus disse que Moisés permitiu nos déssemos carta de desquite, “pela dureza dos nossos corações”, já que, no princípio, não teria sido assim. Ou seja: em princípio, claro, ninguém vai almejar o desgaste tremendo de uma ruptura conjugal, com todas as suas decorrências psicológicas, espirituais e financeiras. Mas o Mestre próprio previu, portanto, que pela limitação de nossas consciências, dadas a escolhas equivocadas e atitudes disparatadas, “a dureza de nossos corações”, imprescindível se fazia a existência da possibilidade de afastamento entre os componentes de uniões fracassadas.
Todo contrato implica distrato, reza o brocardo jurídico. E todo compromisso de responsabilidade exige a possibilidade de dissolução, sempre que suas premissas mantenedoras deixem de existir. Ninguém é obrigado a sustentar erros da juventude, ou pagar por enganos em que não sabia estar incorrendo. Nem tampouco a suportar abusos ou descaminhos da outra parte da relação. Aliás, muito pelo contrário: determina o espírito de responsabilidade, bom senso e justiça, que se corrijam erros, quando percebidos. Portanto, o bem estar, o crescimento mútuo e a produtividade, em todos os sentidos, do casal devem ser termômetros a definir sua validade de uma relação matrimonial de qualquer ordem, seja oficializada ou não. E quando a dor, o inferno e o desespero se esbatem entre dois seres humanos, não há ninguém sobre a Terra ou das Alturas do Céu, que esteja suficientemente abalizado ou devidamente autorizado a dizer ser ou não certo manter esse vínculo.
Considerando, por fim, a idéia de carma e de programação existencial, ninguém poderá dizer ao certo o que a Divina Providência quer de um casal, em dada circunstância. O carma está na manutenção de um elo conflitivo mas útil ao progresso de ambos, ou na coragem de enfrentar o novo, o medo da incompreensão alheia e dos problemas financeiros e do estresse de uma separação, bem como da possibilidade da solidão? Se as criaturas mudam de parceiros afetivos de uma encarnação para outra, quem disse que isso não pode, em caráter de aceleração evolutiva ou de contingências particulares de um programa de aprendizado, alguém haver decidido viver mais de uma existência numa mesma vida? O que, realmente, é o carma, o desafio evolutivo para uma pessoa, em dado ponto de sua existência? Por isso, só mesmo ela, na câmara sagrada de seu coração, terá condições de enxergar com clareza o melhor para si, segundo a vontade de Deus impressa em sua consciência. Há quem fuja de problemas, de modo infantil e irresponsável, complicando o próprio destino, mas há quem, por outro lado, corajosamente disponha-se a começar vida nova, para, heroicamente, transformar tragédias em grandes oportunidades de ser e fazer outras pessoas felizes.
Que cada um, destarte, ausculte sua consciência, que ore com fervor, pedindo inspiração a Deus para a melhor decisão a tomar e, sem pressa, mas também sem medo de procrastinar o inevitável – a fim de que os problemas relacionais não se avultem, gerando conseqüências mais graves – ponderando todos os elementos em jogo e verificando o que pode ou não ser feito, decida-se com segurança e paz, sem culpa, medo ou desânimo, ante a empreitada de recomeçar a vida, seja sozinho ou com outro parceiro, seja com o mesmo cônjuge, num novo padrão de consciência.
(Texto recebido em 30 de julho de 2002.)