pelo espírito Eugênia.
Nem sempre é fácil articular a existência. Complexidades imensas apresentam-se ao indivíduo, como contínuo desafio à sua argúcia. A Teoria do Caos, todavia, tem um conceito interessante e muito sugestivo que nos propele a bons insights, um fenômeno denominado “borda”. A borda, na Ciência da Complexidade, constitui a linha limítrofe entre a ordem e a desordem. Neste ponto, em que tudo parece dissolver-se em nada, em que todo sistema entra em colapso e em que o pandemônio da confusão substitui a organização, é justamente onde mais existe criatividade. Como no vácuo quântico, em que o vazio favorece o surgimento de tudo, em que as probabilidades estão em aberto e tudo pode acontecer, o mesmo acontece na “borda”: a indefinição absoluta confere à consciência um poder decisório fabuloso de criar e fazer acontecer.
Atualmente, na civilização humana, extremamente intrincada, num caldeirão de culturas, de correntes ideológicas díspares, de vetores socioeconômicos, religiosos e políticos ricamente diferenciados, nunca foi tão comum nos sentirmos na borda. Você, provavelmente, deve ter se sentido inúmeras vezes assim… Ver tantas alternativas, que fica sem conseguir fazer uma escolha. Saber tanto a respeito de alguma coisa, a ponto de perder a capacidade de coordenar o próprio conhecimento. Sofrer tantas pressões por excelência, que chega a se perder nas funções mais elementares, consumido de estresse e paranóia.
Mas tudo isso tem solução, prezado amigo. Quando o medo está sufocante, quando não se sabe mais para onde ir, quando a dúvida bloqueia os processos mentais primários, quando a angústia, o desespero e o pânico se aproximam, é hora de lançar o coração para as Alturas da Transcendência.
Afora a mente intelectual, o ser humano é dotado, a grosso modo, do que poderíamos chamar de mente emocional e de uma outra, que diríamos: mente espiritual. Esses três níveis de inteligência, ou dimensões da psique, constituem, numa simplificação rudimentar, propedêutica, a totalidade da alma, em suas diversas expressões cognitivo-perceptivas. Desde os primórdios da Humanidade que se sabia ser insignificante o indivíduo, ante a grandeza e multiplicidade ciclópicas da realidade com que ele interage. Sendo assim, atribuía-se a um xamã, um ser dotado de poderes e faculdades psíquicas especiais, a função de intermediário entre o mundo superior, celeste, onde o caos adquiria significado, sentido e fim, e o mundo físico, humano, limitado, conferindo-se alguma ordem à desordem da imensa massa de dados incompreensíveis com que eram, os partícipes da comunidade, coagidos a lidar. Essa realidade antropológica fundamental, presente em todas as culturas primitivas, é desprezada nas sociedades modernas, como se a Ciência, a Tecnologia e o Sistema de Consumo tivessem derrogado do homem a condição de ser humano. Atualmente, porém, a situação está chegando a um limite de tensões, do qual não se poderá passar. A capacidade humana de suportar as contradições, o vazio, a falta de significado da cultura materialista, está atingindo as fronteiras máximas de saturação. Diversos sinais já surgem, principalmente nos agrupamentos sociais mais desenvolvidos, como o alastramento incontrolável do uso de drogas, admitidas ou não legalmente.
Como coletividade, um resgate do xamanismo, numa repaginação do primitivo, em uma versão sofisticada na modernidade, terá que acontecer, ou desapareceremos como civilização e espécie humanas. Essa recontextualização do primevo no avançado seria algo do que a dialética apresenta como a síntese contraposta à tese primária – primeiramente, tudo se aceitava, em um mar indefinido de superstição e misticismo vulgar, sem raciocínio (tese); depois, tudo se negava em nome da razão, na constituição das versões recentes de materialismo (antítese); agora, deve-se retornar à consideração inexorável do místico, do imponderável, do transpessoal, do arquetípico, do parapsicológico (que, a não ser que se queira fugir à realidade, sabe-se que compõe o conjunto dos fenômenos perceptíveis à mente humana), só que, desta vez, de uma forma pensada, sistemática, fundamentada em fatos, lógica e observação científica. A natureza humana não pode ser sufocada por tanto tempo, sem graves seqüelas para a consciência e suas conseqüências no comportamento patologizado de multidões de aflitos, desesperados e dementes, produzidos em linha pela sociedade de consumo. Chegou a hora de cada um de nós dar o seu contributo, no sentido de acelerar o processo de solução desse impasse civilizacional. Um caldeirão perigosíssimo de tensões internacionais fervilha, com riscos graves, genocidas, como o uso disseminado da tecnologia bélico-nuclear e o ataque de efeitos irreversíveis ao patrimônio ecossistêmico.
E o que se pode fazer, de modo prático? Aí é onde está o busílis da questão. Você, como indivíduo, pode fazer muito. Será por meio do alcance de um patamar mínimo de gente transformada, convertida ao novo paradigma de mundividência e comportamento, voltado ao prisma holístico de compreensão das coisas – patamar esse denominado por alguns autores de “massa crítica” –, que a sociedade global, como um todo, poderá catapultar-se ao novo padrão de consciência. Você, então, deve se conscientizar de sua responsabilidade pessoal nesse drama planetário de sobrevivência da espécie. Você pode se fazer um vértice de salvação do planeta, um agente multiplicador da conscientização em massa dos povos, a começar pelas pessoas que lhe são mais próximas, e ainda que alcance tão somente elas. Compenetre-se da sua condição de embaixador das Alturas para esse grande mister: salvar o planeta.
Comece com sua alma, com seus objetivos internos de harmonização íntima. Você não vai contribuir na salvação do mundo, se não salvar, primeiramente, a si mesmo, coordenando o caos interno em que está mergulhado, por conta do processo de construção contínuo do eu – na concatenação de partes fragmentadas (a individuação) –, que constitui toda consciência humana. Oração, meditação, exercícios caritativos, autorreflexão, estudo dos sonhos, terapia, consulta a homens e mulheres santos, que possam ajudá-lo a encaminhar-se em direção à sua integração psicológica completa. Mas, enquanto faz isso, nenhum desânimo com relação a iniciativas de auxílio externo, de interação com outras pessoas, de facilitar, de catalisar o processo de autodescoberta e de autotranscendência delas. Agindo assim, estará se tornando canal da Luz, das Potestades Celestes que dirigem os destinos do Globo, da Providência Divina, em última análise. Quanto você faz ou fará, pouco importa, mas sim a qualidade de suas intenções, porque, diante do infinito e da eternidade, as diferenças numéricas humanas se fazem insignificantes. Somente a alma com que se empenha em dar de si o melhor é que vale.
E, como agente da ordem, lato sensu, entenderá que a ordem, segundo afirma a Ciência do Caos, surge em nível mais alto de complexidade, a partir da desordem encontradiça em determinado momento. Dessarte, não se impressione com o turbilhão em que se vê inserido. Ele também passará. E, se corretamente aproveitado, como efeito turbo, poderá catapultá-lo a patamares d’antes impensáveis de felicidade e paz.
(Texto recebido em 16 de setembro de 2000. Revisão de Delano Mothé.)