Nesta era de ambigüidades e incertezas, surgiu a necessidade cultural e psicológica de lidar com a fluidez, a subjetividade e a imponderabilidade. A era da ciência pura, ou, melhor dizendo: do mito da certeza na ciência, está ruindo e se encerrando definitivamente. A ciência continuará importante, para a história humana, suas contribuições serão cada vez maiores, mas ela não se arrogará à onipresença e onipotência que lhe eram características no período 1850-1950 (Obviamente que enormes facções da ciência apresentaram tal pretensão antes e depois desse período. Apenas houve o pico deste vício, digamos: epistemológico, nesta fase). Atualmente, a ciência evoluiu o bastante para compreender que, sozinha, é inapta para abordar questões complexas e sutis demais para que sejam tratadas em estudos estatísticos ou laboratoriais. As artes, a religião e a filosofia voltam a ter peso no campo do conhecimento humano (embora não de forma organizada, nem assim nominadas, principalmente no que tange à filosofia), e o ser humano é devolvido à sua inteireza de ser profundo, complexo e, em muitos sentidos, indevassável, para ser reduzido (por sinal o “reducionismo” é um dos apanágios fundamentais da ciência positivista do século XIX, totalmente anacrônica) a cálculos de probabilidade matemática ou a experimentos bio-químicos, na retorta de um laboratório.
Dentro dessa temática vastíssima, o que nos cabe aqui ventilar é que, para que atinjamos uma era de aceitação e convivência com o difuso e o intrincado, teremos que ter modelos de leitura e de assimilação da realidade que sejam igualmente “complicados”, para que, por conseguinte, o ser humano seja capaz de interagir com a realidade e a cultura mais complexas da modernidade, sem colapsar mental, emocional ou espiritualmente.
O paradigma da certeza científica, do domínio e usufruto absolutos da natureza, em função dos ideais de progresso material, tecnológico e científico da espécie (progresso este no sentido de expansão sem limites, e, amiúde, sem escrúpulos), está fundamentado em um outro pressuposto, mais profundo, de ordem inconsciente – nem por isso menos ativo, ou muito pelo contrário, dado que, pela sua perigosa invisibilidade, age livremente – o padrão cultural do patriarcalismo, do império do masculino sobre o feminino, da razão sobre o sentimento, do ser humano sobre a natureza, do científico sobre o religio-filosófico, do objetivo sobre o subjetivo, engendrando uma lamentável cisão e desequilíbrio no mundo íntimo das criaturas humanas e em suas sociedades, além das naturais conseqüências desastrosas sobre a natureza.
Muito já se falou sobre isso, nos últimos decênios, sobremaneira de 1980 para cá, por diversos autores respeitáveis, de diversas nacionalidades. Entrementes, já não podemos apenas especular. A “ascensão do feminino” não é mais uma tendência visível: converteu-se em necessidade gritante de sobrevivência planetária. Os abusos impostos aos ecossistemas chegaram a um ponto de quase genocídio. E os demais distúrbios sócio-culturais entre povos, com o desejo de supremacia e “invasão do espaço do outro” (uma metáfora do estupro, como fica claro) bem denotam como o masculino ainda impera nas relações internacionais, como também entre indivíduos e organizações. O distanciamento vergonhoso e crescente, entre ricos e pobres, atualmente sem perspectivas de solução, com o avanço da era da informação, entre a riqueza extrema dos países ditos desenvolvidos e a miséria sem fronteiras da África, bem como nos bolsões de miséria dentro dos países “em desenvolvimento” da América Latina e da Ásia. A competitividade exacerbada no mercado de trabalho, a agressividade extrema nos relacionamentos humanos, o desrespeito pelos sentimentos no seio dos lares, pelos princípios estéticos e éticos nas políticas da mídia, pelos valores morais de indivíduos, instituições e governos, bem atestam o nível perigoso de “externalização” do ser humano, de embrutecimento de sua natureza, por conta de uma excessiva preocupação com o objetivo, o racional, o material, o lógico, com negligência de todos os demais elementos que compõem o quadro da realidade humana, como: a abstração, a imaginação, o sentimento, a moralidade, a religiosidade, a intuição. Curioso observar como, a título de endossarmos concretamente nossa tese, uma visão pragmática do tema denota o acerto de nossas colocações já que, por exemplo, no duro e cruel (e altamente masculino) mundo do mercado de trabalho, têm assombrosas chances a mais de ascender e obter êxito, e, de fato, destacam-se, os que têm, em dose expressiva, habilidades nitidamente femininas, como aptidões relacionais, de trabalho em equipe, de resolução de conflitos, de empatia, de liderança, de poder motivador e auto-motivador, assim como capacidades intuitivas diversas, tais como criatividade, poder de antever tendências de mercado e “sacar” necessidades e demandas novas a serem atendidas.
Em contrapartida, eis a grave problemática da atualidade: expressiva parcela (a maioria, podemos dizer sem receios) de cientistas, bem como de estadistas, formadores de opinião e segmentos sociais inteiros têm o paradigma da masculinidade regendo todas as suas formas de pensar, sentir e agir. De modo algum diríamos que a masculinidade é ruim ou destrutiva. A questão está no desequilíbrio, na descompensação, na unilateralidade, e, portanto, na perda da visão de conjunto que uma perspectiva onipolar favorece.
Que fazer para reverter esse quadro apocalíptico por que enveredamos?
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A Estrutura da Mente Humana
Diversos autores modernos, entre eles Dr. Melvin Morse (na sua recente obra de 1997: “Where God Lives”) falam da existência do “The God’s Module” ou “The God’s Spot” (*1) – a sede da presença de Deus no cérebro humano. Em resumo, por diversas pesquisas recentes, mesmo a ciência humana (no caso: o seu nobilíssimo ramo das neurociências) chegaram à conclusão de que o pensar em Deus faz parte da constituição neurofisiológica humana, uma região do néo-cortex cerebral, o apêndice evolutivo mais avançado de nosso arcabouço encefálico, que alguns chamam de região “orbi-frontal direita do cérebro”, no lobo temporal direito. Ou seja, pensar e viver Deus ou alguma forma de contato com Ele é visceral, faz parte da estrutura biológica do ser humano considerar o Criador em suas cogitações, quer se dê conta disso ou não. Assim, quando não se faz a especulação de modo consciente, ela se tornará inconsciente, e, então, mais uma vez, como dissemos acima: perigosa, porque livre para atuar, sem nenhum controle ou supervisão do indivíduo, pelo uso de seu bom senso e de seu livre-arbítrio. E, estando no arcabouço bio-psíquico humano o “viver” Deus, quando não se canaliza tal experiência para o a que foi pré-projetado, ou seja: para o próprio Criador, far-se-á a idolatria, a divinização do que não é divino, uma doença das percepções e da inteligência, um câncer espiritual. E, por isso, vemos os fanáticos do dinheiro, do poder, do sexo, e até de valores considerados sérios, mas de uma perspectiva super-valorizada, e, portanto, sempre mórbida e destrutiva, como os que têm apegos e condutas viciosas para com a família, ou à vida conjugal, com gente semi-psicótica a tiranizar parceiros em surtos de ciúme e de controle exagerado, bem como de exercer império sobre filhos e outros entes queridos, solapando-lhes o sentido de identidade e de liberdade, como se tais surtos furiosos da alma constituíssem amor. Até mesmo entre cientistas e pessoas mais informadas, há o culto à “déesse raison”, pela hiper-valorização da “ratio” humana (*2), como propuseram os franceses do período iluminista – muita gente culta e instruída não se dá conta da perda do senso de proporções do que seja e do que possa oferecer a Ciência, já que, como se sabe, a ciência é campo gnosiológico extremamente inconstante e inseguro em suas postulações de verdade, já que, em última análise, busca fatos e não verdades, e, por conseguinte, muda de conclusões e sofre mesmo revoluções completas de pressupostos fundamentais a cada geração. E, não raro, vemos pessoas ditas lúcidas e pretensamente sábias que apõem toda o sentido de segurança em suas existências vida, em um alicerce de areia movediça como este.
Outra curiosa constatação das ciências da mente, sobremaneira da psicologia profunda, é que o psiquismo humano funciona à base de micro-estruturas imagéticas, que conduzem ou constituem, em muitos aspectos, o conteúdo de idéias, sentimentos e valores que lhe são implícitos. Pensamos por meio de imagens, e os símbolos, assim, como imagens significativas, possuem várias camadas de sentido justapostas, sendo por meio deles que, consciente ou, principalmente: inconscientemente, a mente humana funciona, produzindo raciocínios e engendrando sentimentos e valores. Para citar alguns clássicos, temos as “représentations collectives” de Levy-Brühl; os “pensamentos elementares” ou “primordiais”, de Adolf Bastian; as “categorias da imaginação” de Hubert e Mauss; e, é claro, os “arquétipos” de Carl Gustav Jung.
Em suma, precisamos, urgentemente, de uma imagem de Mulher, nestes momentos críticos da história humana, para amaciar, suavizar e reequilibrar o “machão furioso” em que se converteu a civilização ocidental, secundada de outro “machão” coletivo altamente perigoso: o universo xiita da cultura islâmica (que engloba a cifra assustadora de mais de 110 milhões de fanáticos espalhados por diversos países da Ásia e mesmo fora dela) (*3). E como não se podem impor mudanças a si mesmo e muito menos ao outro, e como percebemos que lá (no Oriente) a pendência se faz mais grave e perigosa para todos, e em considerando que o confronto sempre redunda em agravamento do problema, pela projeção recíproca da “sombra psicológica”, com toda a carga dos aspectos medonhos não aceitos em si, que são refletidos no “outro”, inflamando o ódio de parte a parte – como devemos proceder? Temos que começar de casa: exigindo-nos um aprofundamento e desenvolvimento dos nossos valores femininos, antes que o “armagedom” de fato aconteça.
Ela, de vários séculos (sobretudo a partir do século XII), vem sendo cultuada no Ocidente, com progressiva devoção das massas. A “Intercessora” começou a ser tratada, se não conceituada, como uma segunda divindade, ao lado daquela que foi concedida a Seu Filho, sobretudo com o dogma católico ( a Igreja Católica Romana, em muitos sentidos, representa o “inconsciente coletivo cristão”) de “concepção imaculada”, uma deferência que lê foi concedida em 1950.
(*1) Algo como: “o módulo de Deus” ou “o lugar de Deus (no cérebro)”.
(*2) “Deusa razão” e “razão”, respectivamente, em verbetes francês e latino.
(*3) Existem aproximadamente 1 bilhão e cem milhões de maometanos no mundo, sendo que 10% destes, aproximadamente, com veia fanática, radical, número este a que Eugênia alude em seu texto.
(Notas do médium)