(Eugênia se dirige, enternecida e tocante, a uma de suas filhas encarnadas.)
Benjamin Teixeira
pelo espírito Eugênia.
Alma boa e terna, por que pensas que te permitimos passar por tamanho martírio? Porque sabíamos que tua dor seria revertida em alegria imensa para muitos. Aliás, sempre soubeste, por forte intuição, que pediste isso antes de reencarnar: que tua imensa cruz fosse instalada por dentro de teu coração, para que teus amigos não a vissem e pudessem ser felizes, no estímulo que darias à felicidade de todos, sagrando por dentro, secretamente.
Não demonstras tua tristeza em público, nem mesmo entre os amigos, em particular (desabafando-te muito menos do que poderias fazê-lo), porque te acostumaste a teus padecimentos, e não queres desanimar ninguém, mas tua cruz colossal está sempre contigo, transformada em Luz para os que seguem nas trevas da retaguarda. Renunciaste às alegrias mais comezinhas da existência humana, como ser digna do olhar de admiração dos afetos que te motivaram, vendo-os sempre subtraídos de teu convívio por aventureiras que demonstravam por fora a beleza que tinhas por dentro. E, preterida, uma vez empós outra, segues, ainda assim, ofertando o estímulo a todos que te buscam o aconchego do coração, parecendo nunca te faltar a linfa do carinho e do desejo sincero de servir, sem qualquer nota de retribuição.
Imaginam-te feliz, sem perceberem que nem sequer o corpo que ostentas diz respeito ao que és por dentro; que até na intimidade do conúbio sexual te ocultas, para não seres vista no que não te sentes ser; que os elogios que te fazem te ferem os ouvidos d’alma, e, mais que isso, ofendem-te a própria identidade.
Uma de nós tinha que descer oculta, invertida no sexo e na aparência, para que pudesse pregar a felicidade de viver a fraternidade sem fronteiras. Uma das mães de nossa comunidade precisava se portar como um homem no plano físico, para ensinar os homens a serem homens, primeiramente pelos padrões fundamentais da humanidade: o sentimento; para incitar as mulheres a serem mães pelo coração, ainda que não fossem ou não pudessem vir a ser pelo corpo; para lecionar a todos como ser digno, mesmo havendo perdido todos os motivos de dignidade, conforme as convenções do mundo; como encontrar respeitabilidade, admiração, afeto, paz e mesmo felicidade, ainda quando lançada ao estigma mais abjeto dos preconceitos humanos: o da homossexualidade. Por isso, amiga, não te escondes, como quase todos de tua geração ainda o fazem, principalmente os que estão em tua posição. Não posas de alma santa, nem te fazes adorar, pelas aparências de sacrifício que a muitos agrada, para despertar, morbidamente, a piedade alheia.
Segue adiante, brava guerreira da fé, que nós, os que te guardamos, do Plano Sublime de Vida, sustentamos-te o ânimo combalido e te dizemos, com a plena convicção d’alma: vencerás! Deixa que blasfemem os que não conhecem nem nunca terão notícia das dores horrendas que tiveste que suportar, ano sobre ano, desde a tenra infância, sendo que, por reação, em vez de te posicionares – como faz quase todo ser humano muito acuado e atacado desde cedo – em postura distante e evasiva, quando não cruel e invasiva, expões a alma diante de todos e rasgas o coração em público; e dele, até nos piores momentos, é sempre uma cascata de amor que se tem ocasião de presenciar acontecer, em forma de sinceridade, coragem e generosidade em partilhar quem és, não importando a dimensão das consequências que sofras a posteriori, nem mesmo antes o tamanho das mágoas que já portas no peito, com a indiferença e ingratidão dos próprios que serão beneficiados, com teus gestos de sacrifício pessoal.
Tu, escondida do mundo, conhecida nossa, serás aqui recebida com festa. E, embora isso não te conforte o coração despido em público, lacerado no pudor e achincalhado nos brios da própria dignidade – qual se te dissessem: “Não chores no frio, pois que, dentro de alguns meses, te arranjaremos um agasalho” –, ainda assim te recordamos a fala de Nosso Senhor: “Bem-aventurados os aflitos, porque serão consolados” (*1). E, tu, amiga, que em vez de te identificares com a posição da aflita, que te seria de pleno direito, saltas, bem mais além, na escala do mérito e da virtude, no espectro de valor moral do Sermão da Montanha, para a categoria de pacificadora, por levares a paz, o conforto, o esclarecimento, a cura e a transformação para muitos, estando tu mesma carente de tudo que ofertas. Por isso é que, para ti, prezada amiga, que cobres todos os patamares de consideração do famigerado discurso do Cristo (*2), calando teus sofrimentos, para que os tristes sorriam e os fracos se fortaleçam, bradamos, comovidas, de todos os quadrantes de nossa comunidade de mães extremosas, parafraseando Nosso Senhor Jesus:
“Bem-aventurada tu, pacificadora, porque herdarás a Terra.” (*3)
(Texto recebido em 27 de maio de 2009. Revisão de Delano Mothé.)
(*1) Mateus, 5:4.
(*2) Mateus, 5:1-14.
(*3) Mateus, 5:5.