Benjamin Teixeira
pelos
Espíritos Eugênia e Temístocles.

Existir dói. Esta é a primeira lição da felicidade. O estado do ser é um ser incompleto, uma busca por uma completude inalcançável – seja no frêmito-premência pelo parceiro perfeito (que não existe), na perseguição da sabedoria (que é, por inerência, infinita), no anseio de iluminação (inatingível, em suas últimas consequências).

A condição humana é portadora de uma angústia imanente e inarredável, que deve ser faceada, ou, simplesmente, avoluma-se e pode, em última análise, destruir seu “portador” ou “padecedor”. Toxicômanos e criminosos, de um modo geral, são ases na demonstração da validade deste princípio: geram voltagens muito maiores de sofrimento para si mesmos e para quem esteja em seu raio de influência, por muito pretenderem fugir dela (a dor intrínseca existencial) e vivenciar, em caráter contínuo e pleno, o prazer, que se lhes esvai entre os dedos d’alma… para precipitá-los nos abismos do inferno, em plena vida física… um pesadelo contínuo e terrificante, que se alonga e é potencializado, exponencialmente, no além-túmulo que os espreita e aguarda, para padecimentos muito maiores, na Divina Esperança de que se modifiquem, antes do decesso carnal… que avidamente buscam acelerar…

A criança de tenra idade padece pela perda do peito e da própria saída do útero materno – como reza a psicanálise freudiana –, o menino se angustia com a potência e extensão do seu falo (meninos de todas as idades). As outras escolas de psicanálise e psicologia não deixam por menos: o ego se incomoda com as posses e o nível de poder que porte, pelo receio de perdê-los, pela ânsia sôfrega em ampliá-los e pela comparação que faça entre tudo isso e aquilo que carreiam outros egos. E as Correntes de Pensamento espiritual de todas as culturas e épocas dão o acabamento final deste bem acabado modelo de tragédia grega, porque, segundo elas, o espírito humano aflige-se na busca de uma transcendência inalcançável, em termos humanos, em sua maior parte postulando ser rara tal conquista: apenas numa outra dimensão de consciência ou de vida, para alguns pouquíssimos e preciosos felizardos…

Pandemia de obesidade em nações ricas. Promiscuidade nos meios mais ilustrados. Síndrome do pânico, transtorno bipolar, insatisfação em todas as plagas e classes sociais…

Sonhos que se frustram. A imprevisibilidade de eventos a atrapalhar expectativas consideradas essenciais ou mesmo as assassinando sumariamente.

A mídia com seus modelos inatingíveis de ventura cria infernos particulares. Famílias e entes queridos pressionam componentes do seio doméstico, com exigências não raro tirânicas, desrespeitando a índole inata dos indivíduos.

E, em meio a tudo isso, um circo de horrores e ridículos: modelos de beleza anoréxicas, sorrindo maquiadas; velhotes inflados de músculos, esquecendo do conteúdo de seu crânio; sexagenárias vestindo-se como suas netas, tentando rivalizá-las em poder de sedução… o patético a casar-se com o trágico, elevando ainda mais a voltagem de frustração e amargura, em massas imensas de criaturas… aos milhões… que se sentem, quase todas, excluídas de quase tudo… como se houvesse incluídos nesses esquemas ultraperfeitos de metaperfeições inalcançáveis!…

Por toda parte: aflição, carência, desilusão e morte. A imagem sinistra e medieval do “vale de lágrimas” parece bem vívida e realista; e, em contrapartida, tola, romântica, impraticável ou absurda se afigura toda proposição de felicidade e realização humanas.

De nossa parte, podemos asseverar que isso será verdadeiro (a total inexequibilidade da felicidade humana) se pensarmos em termos de saciedade e materialidade. Igualmente, se cogitarmos de facilidade e rapidez de resultados. Se (para aditarmos o pior) associamos a busca da felicidade a irresponsabilidade e falta de consciência, insensibilidade para com o próximo e perda do senso de função social, podemos ter como completamente certo que se descobrirá a rota para a desgraça, mais cedo ou mais tarde, provavelmente tanto cedo, quanto tarde! Lembrar que portamos sentimentos, valores e propósitos para viver, que somos partícipes de um tecido social, e que nele estamos ínsitos para servir e ser úteis – esta a chave para a verdadeira felicidade e talvez única via para ela.

Suporte, prezado amigo, esta dor do existir; e, em lugar de dela fugir, acostume-se a ela, não num sentido vulgar e simplista de conformação, mas de administração inteligente, sábia e, no mínimo, prática de sua inexorabilidade – a conformação seria abjeta e deplorável, amesquinhando-lhe a grandeza peculiar à condição de ser consciente, e subtraindo-lhe a oportunidade ímpar de vencer a própria circunstância, pois que nesta luta por minorar o sofrimento ou eliminá-lo de todo, engendrando o prazer e a satisfação, é que surgiram os gênios e líderes de todos os naipes e índoles, tempos e culturas: a partir de um diálogo ativo e resolutivo com a dor, e não de qualquer movimento de submissão a ela. Dessarte, discipline-se um tanto mais, conforme seus princípios, em função de suas metas fundamentais de espiritualidade e fé, não importando se de cunho religioso ou humanista.

Modere nesse processo, é claro. Não estamos aqui propugnando nenhum neoestoicismo, mas exatamente uma síntese entre a ingenuidade de um hedonismo consumista pós-industrial (que ilude com a velocidade-facilidade de parecer ter o mundo à distância de algumas tecladas ao computador) e uma austeridade ascética, castradora e retrógrada, de feições fundamentalistas (ui! – risos). Converse com amigos e interaja, com descontração e amor com seus familiares e correligionários de academia, artes, desporto, religião ou política. Dedique-se a atividades prazerosas; todavia, não se esqueça de que viver tem seu lado doloroso, e que esta parcela do existir, lamentavelmente, não é pequena, desimportante ou eliminável. Mais substancialmente ainda, somos compelidos a reconhecer sua natureza essencial nos arcabouços constitutivos da existência, por constituir tal elemento o polo negativo indispensável, para que a energia flua na direção do polo positivo. E esta energia em fluxo é a vida em si mesma, ou você pode entender como a motivação para fazer as coisas e seguir adiante – se preferir ser mais prático e menos filosófico.

Que fazer então? Não só suportar o que é inevitável, mas aprender a se disciplinar, para que, tolerando situações ou atividades desconfortáveis, atinja fins agradáveis, que realizem – não é esta uma das vigas mestras da denominada “Inteligência Emocional”: a capacidade de adiar gratificações, que caracteriza os vitoriosos de todos os matizes? Aprender, sim, a diminuir a dor, a procurar caminhos inteligentes, criativos e inovadores que nos façam sofrer menos – isso é óbvio! Mas jamais tentar, estúpida e ingloriamente, exterminar o fenômeno do sofrer, porque seria o equivalente a pretender eliminar a noite ou a morte na Natureza.

Experimente, sobremaneira, gerenciar seus processos dolorosos. A mensagem da crucificação de Jesus é esta: a suspensão da condição humana entre a Terra (com que não nos afinamos completamente, porque não somos mais animais ou não apenas animais) e o Céu das abstrações, conceitos e idealizações – que não podemos ainda concretizar, ou que nunca talvez venhamos a ter condições de tornar realidade, pelo menos não tão brevemente…

Mas a cruz foi passageira (durou por volta de três horas – e, se considerarmos toda a “Paixão de Cristo”, nesta categoria fenomenológica, desde o momento em que Ele começou a ser torturado no palácio de Pôncio Pilatos, até o período em que o Mestre jazeu sepultado, teremos um dia e meio, dois no máximo), em cotejo com uma eternidade de Ressurreição: a mística vitória sobre a morte, não importando como seja esta interpretada, literalmente ou não. A lição metafórica, por detrás deste símbolo espiritual, é que vencemos a dor, quando a aplicamos em nossos métodos de felicidade, quando a compreendemos como investimento para a aquisição de nossos projetos de vida, como ferramenta ou mesmo constructo para a edificação de nossas realizações – pessoais ou coletivas.

Jesus não foi o vencedor da morte, num sentido literal apenas; Ele nos legou um ensinamento-diretriz, para todos os dias, para os nossos dias inteiros: vencer a morte da dor, por meio da alegria de gerenciá-la, de maneira que ela se manifeste tão mais módica, construtiva e menos frequente quanto possível, a fim de que façamos, em consonância com este movimento, nossas conquistas internas ou externas, de foro íntimo ou de caráter social, espiritual, místico, o mais larga, profunda, duradoura e satisfatoriamente que pudermos.

(Texto recebido em 28 de abril de 2010.)


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