por Benjamin Teixeira.


Aracaju, 1998. Estávamos numa reunião mediúnica fechada, eu e pequeno grupo de confrades. Um homem jovem, convidado excepcionalmente a participar do trabalho de intercâmbio interdimensões de Vida, sentou-se ao meu lado, com autorização da grande mestra da sabedoria e da felicidade, nossa adorável Eugênia.

– Posso fazer perguntas a ela?

Eugênia aquiesceu. Mantendo-me consciente, vendo-a à distância, passei a traduzir o pensamento da orientadora desencarnada ao companheiro do plano físico.

– Minha esposa vai voltar para mim?

“Não acredito que ele me fez esta pergunta!…” – exclamei, de mim para comigo mesmo, na intimidade do coração. “Mas era bem natural que o condiscípulo me provocasse o assunto, porque é só nisso que ele pensa” – continuei em meu solilóquio de segundos. “O pobrezinho nem sabe que a Espiritualidade Superior se recusa a antecipar ocorrências humanas como esta, que envolvem o livre-arbítrio… Por outro lado, ingênuo, parece que não conhece a mulher… É claro que ela não vai voltar para ele… Para que ainda precisa de confirmação das Faixas Sublimes de Consciência para algo tão óbvio?…”

Comecei a ensaiar uma resposta, articulando-a de imediato, dizendo que este tipo de interrogação redundava quase sempre improdutiva, que a mentora se recusaria, naturalmente, a responder-lhe, etc. E o rapaz, impassível, na minha primeira pausa para tomar ar e continuar em meu “discurso pronto” (eram típicas provocações daquela natureza, e eu logo declinava de passar o assunto a Eugênia), no lusco-fusco da sala de reuniões mediúnicas, tornou a dizer, à meia-voz-quase-sussurro que utilizamos para confabular nestas ocasiões:

– Mas eu queria que você perguntasse a ela mesmo assim…

“Ai, meu Deus!…” – disse para dentro – “Que sujeitinho teimoso… Mas, coitado… a dor enceguece a gente…”

Concentrei-me, então, e lá estava Eugênia, radiosa, sorridente. A partir de então, entabulei, internamente, um diálogo com a mestra desencarnada:

– Querida mestra, desculpe-me incomodá-la com ninharias humanas, mas… já sabe o que o amigo deseja aqui, não?

Majestosa e serena, com um ar de piedade típica de mãe que atende a um capricho infantil, sem conseqüências, de um filhinho amado, verbalizou, lacônica:

– Diga ao seu companheiro de ideal que a esposa vai voltar para ele.

– O quê???… Eugênia, desculpe-me insistir. Devo estar padecendo de interferências do meu inconsciente ou mesmo das emanações mentais do irmão em Cristo ao meu lado. Não posso dizer-lhe isso… Bem… não é certo dar esperanças numa situação como esta… seria crueldade demais… e… é claro que ela não vai voltar para ele… Certamente estou captando errado seu pensamento.

Inalterável, ouvindo-me todas as interpelações com um sorriso tranqüilo, a sábia do Plano Sublime se restringiu a reiterar:

– Diga ao seu companheiro de ideal que a esposa vai voltar para ele.

Fiquei assustado. Resolvi entrar em estado de prece. Pedi licença ao amigo que fazia a interrogação, elucidando que precisaria ficar isolado em oração por alguns instantes, para melhorar a qualidade do sinal mediúnico, já que notava estar sofrendo distorções indesejáveis na comunicação psíquica. Para mim, sem dizer ao interlocutor, temia estar sofrendo intromissões mentais de agentes tenebrosos, que pretendiam intensificar a dor do consulente e levá-lo, em última análise, quiçá, a desacreditar do Espiritismo – porque me parecia muito evidente que a informação estava truncada. Minutos depois, quando me certifiquei de que havia melhorado o diapasão de minha freqüência espiritual, e de que não estava mais acessível à faixa psíquica de inteligências perturbadoras do outro domínio de vida, tornei ao guia espiritual:

– Eugênia, estou pronto para ouvi-la de novo.

Exatamente na mesma posição, com o mesmo sorriso, a diva da sabedoria, monossilábica, ratificou:

– Comunique o que lhe passei.

– Como??? Eugênia, não posso fazer isso. Tenho que ter responsabilidade com o que vou dizer. Com todo respeito à sua sabedoria e elevação. Mas está claro que, neste momento, não estou captando apropriadamente a sua onda mental. A esposa do rapaz largou-o por um homem mais rico e influente – é só. O perfil psicológico dela não comporta esperarmos algo diferente de sua conduta – é uma “alpinista social”. Foi por isso que ela o deixou, e sei que você tem conhecimento disso. Não há como ela voltar para o confrade, porque este não é mais quem foi, quando eles se conheceram, nem tornará a ser; ao passo que o sujeito com quem ela está é um vulto com expressivo destaque social…

– Transmita o meu recado.

– Céus!… Jesus, ajude-me.

– Meu filho, diga o que pedi – respondeu, firme quão doce, a mentora espiritual –, em nome de Jesus.

Olhei fundo nos olhos de Eugênia: a energia pura, a vibração elevadíssima… Era ela… inequivocamente… Mas como eu estava ouvindo algo tão implausível… dela? Respirei fundo. Abri os olhos e falei para o amigo ao lado:

– Fulano, estou profundamente embaraçado em lhe transmitir este informe… Mas é que Eugênia está, já há alguns minutos, corroborando inúmeras vezes a mesma resposta à sua indagação… Supus, primeiramente, ser um problema de sinal mediúnico. Resolvi-me por orar, a fim de me resguardar num padrão psíquico alto, longe do alcance de agentes do mal. E ela continua confirmando o que asseverou, desde o princípio…

O rapaz era todo ouvidos, sem piscar… Deu-me um frio no estômago só em ver a “carinha” dele, faminta pelo que lhe iria dizer. “Coitado… como vou dizer isso?…” – cogitei, intimamente. Mas eu não tinha mais saída… Abaixei os olhos, tirando-os dos dele, e falei, entre os dentes, como por efeito de uma sentença inapelável:

– Ela mandou lhe dizer que Beltrana vai voltar para você…

Alguns segundos de terrível e “eterno” silêncio…

– Disse mesmo? – ouvi-o falar, com olhos fechados ainda.

Suspirei fundo…

– Sim – disse, secamente, sem abrir os olhos.

– Mas… Benjamin… Não sei se estou sendo inconveniente…

Morto de vergonha, permaneci de olhos cerrados. O Fulano continuou:

– Daria para perguntar a Eugênia se Beltrana vai voltar para mim como marido? e não, me vendo como amigo ou um pai espiritual?

“Ai… graças a Deus…” – ele também se apercebia do absurdo da interrogação… Mas, Céus(!), por outro lado, o companheiro afunilava o sentido da pergunta, para não dar espaço a interpretações vagas… “Inteligente da parte dele” – pensei comigo. “Agora, até eu quero saber a resposta de Eugênia… Ela realmente pode ter feito a assertiva num tom genérico, metafórico… voltar… mas como um irmão da alma, etc. – pois é… boa pergunta”. Fitei-o, novamente, na semiluz do ambiente, e disparei para o colega de mesa mediúnica:

– Sim, Fulano. Vou perguntar a ela. Este seu questionamento parece mais justo que o primeiro.

Fechei os olhos novamente. Lá estava a gloriosa Eugênia.

– E aí, mamãe? – já num tom mais íntimo e psicologicamente regredido, aterrorizado com a saia justa moral em que me haviam metido.

– Vai retornar a ele, vendo-o como um esposo.

– Está certa disso, mamãe?

Eugênia alargou o sorriso, silenciosa, num gesto que denunciava infinita paciência e amor sem-fim. Vencido, apenas tentei mais uma vez, por desencargo de consciência:

– Não vou mais discutir. A informação não está deturpada por fenômenos anímicos?

A mestra me premiou com sua fala por uma última vez, sobre o tópico:

– Não. Passe-a a ele.

Resignado, de fato passei a fala de Eugênia para um ouvinte boquiaberto e com olhar desconfiado. Não o culpei: eu mesmo achei disparatadíssima a afirmativa da mestra. A reunião teve continuidade. O amigo quis saber se poderia continuar consultando a ínclita professora do Além, ao que ela, novamente, anuiu – a esta altura, a meu profundo contragosto. E o rapaz passou a dirigir à mentora uma série de questões sobre o Mundo Espiritual, querendo saber como eram suas organizações, sua hierarquia de poder, etc. Para meu pasmo, Eugênia simplesmente se recusou a fornecer respostas ou mesmo comentários evasivos, reiterando, para cada uma das indagações, tão-somente:

– Não posso falar sobre isso. Meu pedido de escusas.

A um certo ponto, o condiscípulo se impacientou, perplexo com a seqüência de tergiversações da sábia-santa, e lançou uma interjeição, que não sei definir se para mim ou para ela:

– Mas por que ela está saindo pela tangente de todas as perguntas!?

– Pois é, Fulano… Eu também estou estranhando – apoiei-o, empático.

Pedi, então, licença ao colega de lides espirituais, para tornar a uma conversação íntima (silenciosa) com a preceptora desencarnada, e, em breve, retornaria, quando descobrisse algo mais sobre o que estava se passando. Sentindo-me altamente constrangido e confuso como um menino, ante a complexidade do momento, disse, logo a percebi, pela psicovidência:

– Mamãe, o que está acontecendo? Há, entre os questionamentos que o rapaz lhe apresentou, alguns até elementares. Muitos deles têm o conteúdo procurado ínsito em obras clássicas de Chico Xavier/André Luís (*). Quer que eu responda por você, em função do que já li sobre o assunto?

Com a sabedoria inaudita dos egrégios filósofos da Grécia Antiga, disse a mestra, em tom despretensioso, mas sem dar espaço a contraditas:

– Se ele pode encontrar o que me pergunta em textos clássicos, acessíveis ao grande público, deve estudá-los, em vez de esperar de Nosso Plano a cobertura à sua negligência como discípulo do Espiritismo. Estou respondendo negativamente, em virtude da implicada oportunidade de apresentar mais dados, além dos que já foram publicados alhures, o que não estamos ainda autorizados a fazer.

Embora pasmo com a reação magistral de Eugênia, consegui retorquir:

– Todavia, algumas das perguntas dele não têm, que eu me recorde, revelação contida na literatura confiável disponível. E, sinceramente, me interessei pela eventual resposta que você pudesse dar a elas. Outrossim, pareceram-me, apesar de justas, inocentes, sem qualquer motivo que justificasse uma esquiva sua a nos saciar a sede de conhecimento, mas você declinou da ocasião de nos esclarecer a respeito. Por quê?

Foi a vez de Eugênia aspirar fundo o ar… desviar os olhos dos meus e fitar o infinito, esmaecer um pouco o sorriso e dar uma expressão de desencanto no entorno do olhar – como um gênio cansado de, século sobre século, esperar ser compreendido por uma turba ignara e primitiva –, para então dizer, em tom profético, desaparecendo, em seguida, qual uma musa inatingível e etérea:

– Meu filho, se vocês tivessem uma pálida noção da quantidade e profundidade de preconceitos que portam, compreenderiam por que nós, encarregados de ilustrar os seres humanos, por meio dos canais mediúnicos, não podemos falar quase nada, a respeito de quase tudo…

A reunião chegava ao fim…

Meses depois, o figurão que “roubara” a esposa do companheiro da mediúnica adentrou um período de tremendo imbróglio pessoal – completamente imprevisível – que o fez, num espaço de poucas semanas, perder a fortuna e o prestígio; e, com isso, a mulher que abandonara o Fulano, por causa dele, retornou ao lar, mantendo-se casados até a presente data…

Respostas complexas, que eles fornecem, sem escrúpulos maiores… perguntas aparentemente simples, que eles se recusam a responder… Como compreender o Plano Superior de Consciência, a não ser reconhecendo que Eles, realmente, estão acima de nós, e que seus valores e paradigmas são bem diferentes dos nossos, o que nos leva a inferir que deliberam fazer e dizer de modo bem diverso do que supomos apropriado?

Tomando a perspectiva elucidativa da História, elucubrando sobre como avançamos em costumes e sobre como verdades consideradas inquestionáveis passaram, um sem-número de vezes, a ser discutidas ou simplesmente descartadas como impróprias, desde o campo científico ao dos valores morais, fico a conjecturar: o que hoje julgamos imutável, definitivo e certo, mas que, daqui a mais duas ou três gerações, será visto como inadequado ou mesmo absurdo?

Mulheres decentes não trabalhavam fora de casa, nem tinham direito a voto, há poucos decênios. Gays eram vistos como aberrações da natureza e abominações diante de Deus (como se o Criador pudesse abominar o que Ele mesmo criou), e a prática sexual, considerada um mero meio para a procriação (ainda hoje, uma verdade para muitos, por mais anacrônico que isto pareça aos mais instruídos). O que veremos como chocante, completamente ultrapassado, em mais algumas décadas, e que hoje temos como princípio irretorquível de justiça e decência?

Até a presente data, passados quase dez anos do episódio narrado, a frase final de Eugênia, naquela noite inolvidável de estudos e reflexões espirituais, ecoa-me na alma, como uma profecia incomparável, a nos dizer que, em virtude de nossos enormes e variados preconceitos, os Espíritos Superiores não nos podem falar quase nada, a respeito de quase tudo!…

(Texto redigido em 21 de novembro de 2007. Revisão de Delano Mothé.)

(*) Coleção “Nosso Lar”.


Palestra em São Paulo:

Nesta segunda-feira, 26 de novembro, às 20h, Benjamin Teixeira estará proferindo palestra no centro espírita Perseverança, em São Paulo capital. Espera-se um público estimado em 5 mil pessoas. Caso se interesse e lhe esteja ao alcance, a grande instituição espírita se localiza na Rua Padre Maurício, 350, Vila  Invernada. No dia seguinte, terça-feira 27, nosso líder estará embarcando para os Estados Unidos, a fim de realizar o circuito anual de conferências que ele desdobra por lá, desde 1996, desta vez em cobertura a quatros estados da mais tradicional e próspera região da América, New England: New York, New Jersey, Massachusetts e Connecticut.