Crônicas de Gustavo Henrique
Benjamin Teixeira pelo espírito Gustavo Henrique.
Rogério era um grande divulgador do Evangelho, em Igreja Reformada, e seguia sempre acompanhado, em seus cultos, pela presença amorosa e encantadora de sua mãe, anciã de cãs veneráveis, por todos querida.
Certo dia, após pregação particularmente inspirada, sobre a prática do amor em família, com parentes-problema, o pastor foi abordado gentilmente por amigo do grupo, que lhe disse, sem rodeios:
– Rogério, suas palavras foram magníficas e quisera todos pudéssemos aplicá-las em nosso dia a dia. A grande questão, todavia, é que a maioria esmagadora de todos nós segue atada a doloroso catre de conflitos domésticos, em que se torna literalmente impossível investir ternura e devotamento, sob condição mesmo de não se sobreviver psicologicamente.
– As aparências enganam, Felisberto. Nem sempre os lares harmônicos são como se afiguram, quando observados de fora, ou, se já são, exigiram largas doses de sacrifício de alguém que, na forja do silêncio, constituiu as bases de harmonia e bem-querer entre todos os elementos do instituto do lar.
– Com toda escusa, Irmão Rogério, mas creio – sorriu Hermano, com um certo ar de desdém – que é muito fácil dizer-se isso quando se tem uma família e, em particular, uma mãe como a que você tem. É fácil dar-se amor quando se recebeu amor a vida inteira…
Nesse momento, o sorriso de Rogério esmaeceu e seu olhar se perdeu no infinito… Fração de segundos mais tarde, estava de volta, desta vez porém com um sorriso sem graça, esforçando-se por ocultar o aluvião de lembranças e angústias que lhe assomaram à mente.
– É, irmão Felisberto, recebi do amor de Nosso Senhor Jesus, grandes mestres dentro de casa…
Rogério chegou em casa cabisbaixo. As cenas corriam rápidas em sua tela mental, vívidas. Que pena não poder fazer uso de suas memórias livremente – pensava consigo – a fim que pudesse pregar com mais persuasão a força transformadora do amor. A fuga à responsabilidade de encher a própria vida de amor era ponto básico de equívoco entre os seus pupilos, aliás como em toda parte notava na Terra.
A família de Rogério, hoje um encanto de família, invejada por todos, fora, e ainda em muitos aspectos era, extremamente disfuncional. Inúmeras vezes crescera entre espancamentos que lhe faziam cheio de contusões e ferimentos expostos, e sua mãe, infinitamente doce e voz melíflua com os estranhos, ainda ameaçava-o dizendo que, se alguém perguntasse do que se tratavam os ferimentos, deveria dizer que tropeçou e se machucara, ou apanharia mais. Outras tantas, tentando-se se evadir das surras quase diárias que a mãe lhe aplicava, tentava fugir dos golpes com fivela de cinto e era literalmente agarrado com as unhas longas da mãe, que lhe deixavam um rastro de sangue sobre a pele.
– Vou lhe arrancar a pele e depois lançá-lo numa banheira de água com sal… – dizia a mãe, entre gritos horrendos, para Rogério, com cinco anos de idade, após já ter-lhe dado uma sova.
– Para que, mamãe? Perguntava Rogério, entre soluços, supondo tratar-se de uma técnica curativa, assim como o mercúrio que a mãe lhe punha nos ferimentos após as surras.
– Para arder mais – falava secamente Matilda, com os lábios contraídos num ricto de ódio.
– Mamãe, por que você quer que arda mais?… – indagava ainda Rogério, fazendo enorme esforço para entender.
– Porque você merece.
Rogério, deprimido com os mal-tratos constantes, culpava-se terrivelmente por tudo que acontecia. Sentia-se mau e indigno de todo amor, a ponto de a mãe, tão boa e dedicada, sofrer tanto por sua causa, sendo forçada a agredi-lo sistematicamente… (pensamento padrão de crianças mal-tratadas). Sim, porque, afora os espancamentos constantes, Matilda costumava passar os dias inteiros a gritar e blasfemar, em casa, descrevendo, melodramaticamente, o horror de vida que tinha e de como Rogério e as suas duas irmãs eram ingratos e de como eram a causa de toda a desgraça de sua vida… Essa era a parte pior, a ponto de Rogério se sentir aliviado, de certa forma, quando apanhava, por se sentir, assim, carpindo um pouco a culpa imensa por ser tão ruim.
Certo dia, quando de modo particular Matilda deixara marcas profundas de suas unhas na epiderme de Rogério, o preferido de todos os mal-tratos, talvez por ser mais velho ou por ser o único filho homem, Rogério, envergonhado de existir, foi assomado de um pensamento nobre e preocupado com a mãe ser vista como má, perguntou, provocando, de sua parte, o assunto que a mãe tomava a iniciativa, normalmente, de abordar:
– Mamãe, e se me perguntarem o que foi isso?
– Diga que escorregou sobre o roseiral…
– O que foi isso, Rogério? – Perguntavam as pessoas ao verem as marcas nos bracinhos do menino de nove anos.
E o menino respondia, desconcertado, segundo a orientação materna. Certo dia, porém, ante o olhar de incredulidade de alguns adultos, não resistiu sentir-me mentiroso, escrupuloso como era, e desabafou… disse tudo…, tentando fazer um tom de brincadeira, estranhando porque as pessoas se escandalizavam tanto. Aquilo não era nada, afinal de contas. Sua mãe era tão boa… Mas como se sentiu mau em seguida… Teve que dizer à mãe depois. Oh… que horror… Matilda ficou horrorizada… Ninguém poderia saber daquilo… Nessa época, pegava-se todos os dias chorando, de manhã cedo, observando a mãe contra a luz do alvorecer e chorava de remorsos, por ser tão mau filho. Corria, então, e abraçava-se a ela, e, em lágrimas, pedia a Matilda que, nesses momentos, enternecia-se:
– Mamãe, você me desculpa?
– Pelo quê, meu filho?
O coração de Rogério doía ainda mais de culpa, com a ternura e a nobreza que intuía na resposta da mãe.
– Por tudo, mamãe, por tudo!… Você me perdoa?
E os anos se passaram. Rogério apanhava se ria alto, se brigava com as irmãzinhas, por tudo e por nada, mas apesar de tudo, gostava de estar em casa, para estar com as duas irmãzinhas, um oásis de alegria em sua vida. E por isso ficava em casa a maior parte do tempo livre, enquanto os pais viviam a dizer que lugar de homem é na rua, entre os moleques que brigavam, se batiam e jogavam futebol. Lembremos que este homem de quem falamos tinha nove anos de idade.
Certa vez, todavia, Rogério ficou particularmente aturdido com o comportamento da mãe. Já estava com dez anos. Um certo dia, fazendo banca com a mãe, Matilda, vendo-o coçar a cabeça, começou a esfolar-lhe as coxas nuas com uma chinela de couro (Rogério vestia um short), dizendo que o menino estava a coçar-se para dar a má impressão aos outros de que não recebia educação higiênica em casa, já que certamente repetiria o ato fora de casa. Por nervosismo ou medo, o fato é que Rogério, durante as horas seguintes, por várias vezes sentiu um prurido irresistível de coçar a cabeça, e, proibido de se levantar da cadeira, naquele dia, as pernas do menino ficaram gravadas com várias manchas avermelhadas com pontas arrocheadas, no formato da sola da chinela. Não faria muita diferença apanhar nas coxas: o uniforme escolar ocultaria as marcas.
Rogério, todavia, sentia-se merecedor de tudo aquilo, apesar de tudo. Não entendera, porém um episódio. No dia das mães anterior, em que estava com nove anos, roído de remorsos, mas também cheio de gratidão por ter uma mãe tão dedicada, que passava todo o tempo com ele e as irmãzinhas em casa, enquanto outras mães trabalhavam fora, foi a um floricultura, sozinho, em sua bicicleta, e gastou toda as economias de sua mesada num lindo buquê de flores. Junto, uma longa carta que escrevera de próprio punho, de várias páginas.
Rogério foi para casa cheio de alegria, antegozando ver a mãe tão sacrificada na forja do lar sorrir com a surpresa das flores, que tanto dizia gostar de receber, mas que nunca recebera de seu esposo. Mal podia esperar.
Matilda, como de costume, estava aos berros, em casa, com suas irmãzinhas menores, numa daquelas sessões que duravam horas seguidas de desequilíbrio, enfurecida por suas crianças não serem perfeitas e melhores que as de todas as mães do mundo. Rogério, entretanto, embora receoso da reação materna, achava que poderia romper-lhe o padrão de tristeza e dar-lhe uma grande alegria, com os presentes.
– Mamãe… – chegou, de surpresa, com enorme sorriso, segurando o buquê de flores e a carta.
Matilda, sem mover um músculo do rosto e sem sequer fitar os olhos de Rogério, disse, secamente, num tom metálico, e voltou aos gritos com as menininhas:
– Ponha em cima daquele móvel, Rogério.
Rogério sentiu como se um trator houvesse passado por sobre sua alma.
– Mamãe, eu também escrevi essa carta. A senhora não quer ler?
– Ponha tudo ali em cima, Rogério, já lhe disse – estou ocupada.
E Matilda continuou aos gritos, extensivos agora à empregada doméstica do mês (ninguém conseguia passar muito tempo além disso naquela casa), fazendo uma terrível cena de humilhação com a funcionária – também habitual.
Rogério ficou profundamente deprimido. Sentado, próximo ao móvel indicado pela mãe, contemplando o fruto de todas as suas economias, convertido em entulho inútil. Mas a mesada não era o que mais doía e sim a carta, que escrevera com tanto carinho, completamente ignorada. Era como se seu coração valesse apenas pó.
Inconformado, esperou vários minutos até que a mãe se acalmasse e mais uma vez procurou-a para pedir que lesse a carta.
– Mamãe, leia a carta… – pediu, num tom súplice.
Matilda tomou o envelope nas mãos, sentou-se esbaforida, leu. Rogério, com os olhos cravados em seu rosto, sequioso por uma única expressão de alegria. Nenhuma. As faces de Matilda continuavam impassíveis. Nenhum músculo se movia.
– Está bem, meu filho – disse Matilda, ao terminar, sem dirigir os olhos a Rogério – obrigada. E continuou, ainda sem descer os olhos aos olhos decepcionados do menino – mas não é isso que quero de vocês. Eu só quero paz.
Rogério nunca mais se esqueceu daquele dia. A fase pior da sua vida, entrementes, ainda estava por vir. No início da adolescência perderia o controle várias vezes, em acessos de fúria, com as agressões constantes de que era vítima. Agora, Matilda mudara de tática. Aos doze anos de Rogério, começou a colocar as irmãzinhas contra ele, dizendo que ele estaria endemoniado, simulando piedade cristã, enquanto o menino enlouquecia de revolta, após ela mesma ter provocado seu surto de raiva. Àquela altura, felizmente, Matilda não podia mais espancá-lo. Ele não permitia. Ficara mais forte fisicamente, e toda vez que ela ameaçava bater-lhe ele sustentava-lhe a mão perversa.
Realmente o pior estava por vir, porque o pai de Rogério, sempre ausente e distante, agora se fizera mais próximo nos fins de semana, substituindo Matilda no posto de torturador de Rogério, em almoços intermináveis em que exigia a presença do menino, mas dispensava a das meninas, e começava a discursar sobre sua terrível incompetência, sua baixeza e relaxamento e de como, repetia metodicamente: era um fracassado. Por que não era como os outros meninos de sua idade, que jogavam bola e namoravam? Por que, nas horas de lazer, ficava sempre em casa, entre divagações e desenhos?… Por que preferia a companhia das irmãs e não de outros meninos? O que havia de errado com ele? Louco, marginal, doente, anormal…
– Papai, já ouvi isso. Posso ir? – dizia Rogério, em tom humilde
– Não. Cale-se. Não terminei – esbravejava Norberto.
E a ladainha continuava, por horas seguidas. Normalmente era bem mais tarde, o sol já se pondo, quando, sem aguentar mais, Rogério explodia em lágrimas. Acontecendo isso, Norberto apresentava um diabólico sorriso de tranquilidade no rosto e dizia que ele podia se retirar. Numa das poucas vezes que se atrevera, porém, a defender-se dos ataques paternos, foi esmurrado até os esfíncteres se relaxarem e ele ficar num canto do recinto, agachado, humilhado, em lágrimas, em cima de um poça de urina.
Rogério começou a ter terríveis pesadelos. Ficou hipocondríaco, desenvolveu compulsões, e, entrou num pavor tremendo da morte. As crises de ansiedade davam-lhe surtos terríveis de asma, tosses e pigarros, alternadamente, durante quase todo o dia, mas, estranhamente, principalmente quando estava na presença dos pais. Um pedido de socorro se esgueirava, antes da total vertigem da loucura.
– Pare de querer se exibir, Rogério! Que deprimente! – dizia Matilda, olhando-o com desdém.
E Rogério, sufocando, dizia, aterrorizado, enquanto lutava para respirar:
– Mamãe, me ajude, me leve a um hospital…
– Você não está doente. Controle-se! Que ridículo!
Norberto, venha ver isso.
Rogério asfixiava, e se assustava cada vez mais, pensando em qual seria a reação do pai. Tentou conter a sensação horrível de sufocação. Norberto chegou à sala já com uma carantonha de desprezo.
– Vá já para a cama!
Outras tantas, em meio a surtos de tosse ou pigarro, ouvia, inclusive em público, humilhando-o na frente de todas as pessoas, do pai (já que a mãe era sempre doce entre estranhos):
– Pare com essa tosse de cachorro!
Infecções, por fim, começaram a surgir, e a pele, principalmente das pernas eclodiu em estranhas erupções purulentas. Aquilo não poderia ser, certamente, uma encenação. Matilda encarava tudo aquilo com indiferença, e Norberto, chamado à situação, disse:
– Já está podre – e saiu sem mais palavra, como a confirmar o que pensava: pus e lixo eram compatíveis. Rogério se sentia um nada.
Levaram-no a uma médica.
– Esse menino está precisando ir a um psicólogo, foi o diagnóstico, após uma bateria de exames que revelaram que nada havia de errado no corpo do garoto.
– Aqui ninguém está doido! – explodiu o pai, enfurecido, em casa, ao receber a notícia – A médica ter dito isso é só uma prova de como você está inventando tudo isso. É frescura, e aqui frescura se acaba na pancada.
Matilda anuía a tudo, com um meneio de cabeça, olhar gélido de indiferença e desprezo.
Após três anos de inclemente declínio de sua saúde emocional, começou a curtir quase irrefreáveis tendências suicidas. Procurou a mãe:
– Você é como seu pai – pensa demais. Pense menos. Ensaiou Matilda, com alguma doçura, ao ver o filho falar em suicídio com sinceridade nos olhos.
Como fazer para pensar menos? Horrorizava-se o rapaz. Em certa madrugada, aos 16 anos, acordou-se sobressaltado com terrível e quase irresistível tentação suicida. Eram 4 horas da manhã. Em pânico, Rogério suplicou auxílio a qualquer força que o pudesse ouvir, e, sentindo um impulso inusitado, lançou a mão na gaveta da cabeceira e tirou-a de lá com um terço entrelaçado aos dedos. Orou, orou e orou, suplicando à Mãe da Humanidade o socorro para sua angústia inominável, implorando-lhe contivesse-lhe o gesto suicida. Somente isso.
Um torpor misericordioso tomou-o, por ação direta de Agentes Abnegados de nossa dimensão. Com o correr dos meses, a tentação suicida foi completamente debelada, enquanto Rogério entregava-se ao ritmo de três rosários por dia (nove terços), além de uma missa diária.
Mas o tormento ainda não tinha chegado ao fim. Norberto chama Rogério para uma conversa séria e lhe diz que estava extremamente desapontado com ele. Que o comportamento religioso dele era-lhe tão deplorável quanto se estivesse ele viciado em drogas, e que estava, portanto, terminantemente proibido de andar rezando todos os dias e frequentar a igreja.
– Jogue essa peste no lixo, está me ouvindo? Jogue essa peste no lixo!!! – urrava, fazendo referência ao terço, nas mãos do menino.
Rogério chorou como nunca naquele dia…
Um ano mais se passaria e Rogério encontraria refúgio para todas as suas dores em uma nova Igreja, Reformada, dedicando-se integralmente a Deus.
As reclamações dos pais, por seu devotamento à religião, e as cobranças quanto à vida afetiva e profissional continuariam, por muitos anos ainda, mas Rogério agora não dava lhes mais a importância de antes, nem se afetava com os ataques descabidos de que era objeto. Estava já adulto, e, agora, passou a, em casa, espalhar alegria e afeto com suas irmãzinhas menores. As meninas, logo logo estavam completamente ligadas a ele. A autoridade moral do afeto legítimo fez com que Rogério se tornasse um intermediário entre os pais e as meninas, e agora Rogério, com sua postura madura e serena, era ouvido pelos pais também, que cada vez menos se sentiam em condições de lhe chamar a atenção e muito menos de torturá-lo psicologicamente como sempre fizeram.
Mas Rogério não guardava mágoas. Esquecera tudo, até mesmo das coisas mais horrendas que seu pai lhe fizera, como devolver um carro que Rogério ganhara de presente de um tio, ao passar no Vestibular, ou o fato de ter tentado partir, por duas vezes, uma cadeira de madeira sem suas costas, a última já com quase trinta anos, mesmo sabendo que aquilo poderia redundar numa paraplegia ou quiçá sua morte.
Nada das lembranças do passado atrapalhava o amor que Rogério sentia pelos pais, embora no início, de fato, houvesse sido muito difícil. Para ele, com a visão clara de quem amadureceu com a dor, em vez de endurecer, não se tratava de um ato de bondade amá-los, mas de lucidez. A mãe não era uma bruxa, como poderia parecer de fora, nem o pai um carrasco. Eram almas imaturas e doentes, que sofreram abusos, como ele, na infância, que certamente passavam adiante por não poderem processar o que receberam. Eram bons e tinham suas virtudes, e era nisso que Rogério preferia concentrar sua atenção. Mesmo porque era mais prático, agradável e construtivo na relação. Rogério tinha plena consciência de que cada um só dá o que pode e que cada pai e mãe dá o seu melhor, ainda que, em alguns momentos, esse melhor pareça um inferno inominável. Rogério soube, porém, transformar o inferno em paraíso. Deu de si, sustentou o coração da mãe e se tornou seu maior aliado e apoiador, fazendo-a voltar à atividade profissional que tanto a frustrara por ter abandonado na juventude, para casar-se, e, quanto ao pai, aprendeu a tornar-se seu amigo e a exigir o mesmo padrão de respeito, sem os atritos de antes.
Rogério descobriu que o amor é bom principalmente para quem dá. E passou a ser fonte de consolação e estímulo para todas as pessoas, por onde passava, primeiro em casa, depois indistintamente. E a família, é claro, foi logo compreendida como especial, por ter sido a origem daquele homem diferente, que dedicara toda a juventude a espargir amor e esperança com todas as pessoas. E Rogério se comprazia com que todos vissem sua mãe, em particular, como alguém muito especial. E quanto ao pai, que nunca fora muito bem comportado em público, dizia ter sido seu excelente mestre na arte da disciplina.
Mas as pessoas que o ouviam e colhiam seu enorme carinho, lamentavam-se de não poder serem amorosas, já que não haviam nascido em famílias amorosas. E Rogério, sinceramente desejoso de compartilhar sua experiência e de como é possível assumir o leme do próprio destino, o controle sobre si e a vida, gerando felicidade para si e para os outros, quando realmente se quer, quando realmente se busca a Deus e quando legitimamente se quer fazer o bem ao próximo, tinha que calar, para não constranger os familiares com a má fama, e seguia, e silenciava, passando ao mundo por um privilegiado… um abençoado por uma raro lar funcional e amoroso.
Agora, exposto no púlpito religioso, cercado de ingratidão, calúnia e perseguido pelo ataque gratuito e injusto e por exploradores sistemáticos de sua compreensão e de seu afeto, Rogério, mais amadurecido, seguia em sua missão de amor, certo de que é possível ser feliz, apesar de tudo, como tanto sabia e provara para si mesmo, divulgando tais ideias nas suas pregações cristãs.
Não é o ambiente que faz a índole, mas a índole do indivíduo que vence o ambiente e fá-lo, ao seu modo. Quem cede ao mal, tem o mal em si. Os fracos podem irremediavelmente resvalar para o vício, a loucura ou o crime, mas, para quem sabe combater o bom combate, como disse o apóstolo Paulo, a vitória do bem é inexorável. Como lecionou Jesus, aquele que perseverar até o fim, será salvo.
Rogério se salvou e salvou a muitos, escolhendo o amor e a felicidade. Preferiu lutar por construir um mundo novo do que se sentir arruinado e vitimado pelos escombros e as feridas em si de um mundo velho. Você, também, prezado(a) leitor(a), pode fazer o mesmo.
Essa história poderia ser fictícia, mas é não só real, como constitui uma pálida descrição das inúmeras dores que atravessou o pastor devotado, até se dedicar à pregação da felicidade, dando a todos o amor que nunca recebeu, bafejado pela inspiração que muitos invejavam, mas que lhe veio pela suportação de níveis de padecimento que aqueles que o seguiam e o viam sorridente e tranquilo, jamais poderiam dimensionar.
Aproveite a lição da história que Rogério nunca pôde partilhar e, assumindo inteira responsabilidade por sua existência, seu destino e sua felicidade, decrete alforria da dor, da impotência e do complexo de vítima e brigue, e esforce-se e torne a trabalhar, infatigavelmente, pela sua e a felicidade de quantos puderem partilhar de seu círculo de influência pessoal, direta ou indiretamente. O poder de decidir e fazer acontecer em sua vida, realmente, é todo seu.
(Texto recebido em 10 de julho de 2001.)