Benjamin de Aguiar,
pelo
Espírito Roberto Daniel.

Algumas pessoas estão dispostas a qualquer pacto com as trevas (sem se darem conta de que estão fazendo isso), para manterem amizades desgastadas e inviáveis (pela falta de interesse recíproco ou comum), casamentos destruídos (pela ausência de respeito e até de afeto) e contatos com a parentela consanguínea (sem metas e moral partilhadas). Então, renunciam a seus princípios (eis o “pacto com as trevas” a que aludi acima), para parecerem “boazinhas” (o que significa, em psicologia, “falsinhas”), e permanecem em encontros de juventude, com gente que lhes alfineta (a dizer o mínimo), porque prosperaram na vida ou por qualquer outra justificativa infundada, aceitando-lhe os maus-tratos de sempre, em verdade, embora, no passado, não possuíssem maturidade e percepção suficientes para perceberem, com clareza, o perfil psicológico menos camarada desses “mui amigos”.

É muito frequente essa tragédia acontecer – a da disparidade evolutiva entre queridos. Digo “tragédia”, porque ninguém deseja, de sã consciência, afastar-se dos antigos afetos, tanto que alguns conseguem manter sintonia com entes queridos dos primeiros anos até o fim de suas existências materiais, porque caminham evolutivamente em ressonância com eles; mas também não se podem cometer, por ninguém, crimes de lesa-consciência, afastando-se de vocações ou novas formas de conduta e sentimentos que se têm como verdadeiros, justos e conforme a Vontade do Altíssimo – o próprio Cristo asseverou: “Buscai primeiramente o Reino dos Céus e Sua Justiça e as demais coisas se vos acrescentarão”. Essa lamentável dissonância de padrões psicomorais se dá quando continuamos a nos desenvolver, enquanto nossas amizades de infantojuventude ou familiares biológicos não se tornam pessoas mais lúcidas e maduras. Nessas infelizmente comuns ocorrências, avançamos para novos paradigmas de realização pessoal profunda e completa, ao passo que eles permanecem comprometidos com as mesmas neuroses, paixões e vícios – isso quando não apresentam outros distúrbios, que não haviam mostrado seu potencial pleno, em anos pregressos.

E por que e em nome de quem se deveria continuar a intimidade com essas criaturas? Jesus nos pediu que perdoássemos uns aos outros, irrestritamente, mas isso significa não guardar mágoas de ninguém e desejar o bem a todos. Ele Mesmo não convivia com maus-caracteres, preocupados com as aparências e incoerentes com sua essência, embora não se incomodasse em andar com prostitutas, funcionários públicos romanos corruptos e indivíduos de má fama de toda espécie – alguns, como os publicanos, israelitas cooptados pelo Poderio do Império dos Césares, eram considerados mesmo traidores da pátria.

“Se você não continuar bebendo e farreando conosco, é um ‘maricas controlado pela mulher’”, ou “Enriqueceu e não dá mais atenção aos pobres”, ou, ainda, “Depois que se tornou famoso e importante, ignorou os antigos amigos”…

Que argumentos pobres, não é, amigos? Mas tem muita gente que cai nessa rede… E, cá entre nós, francamente: quem se seduz por essa ordem de raciocínios e protestos deve realmente continuar com as mesmas amizades e familiares – os reclamadores, ao menos, se mostram coerentes com suas escolhas, ou seja: podem estar, aos olhos de Deus, em melhores condições morais do que aquele que se trai e à própria consciência, para não parecer “egoísta” ou “desleal” com os “velhos amigos” – a história do hipócrita que quer parecer bom, mais uma vez…

Por outro lado, quem avança mesmo, ouve os ataques com tristeza (é claro), mas não se demove, em um milímetro sequer, de sua posição assumida, porque sabe que as manobras lamurientas constituem um disfarce para o controle, através da manipulação de culpa; um retrato, na maioria dos casos, da inveja mascarada de condição de vítima dos parentes e “amigos” que se sentem “abandonados”, que não admitem ser tratados como o que são: moralmente inferiores e dignos de ser rejeitados. E essa assertiva, que soa chocante num primeiro exame (e que é apenas duramente honesta), pode ser melhor compreendida, espiritualmente, quando traduzimos o pano de fundo de seu funcionamento: a questão é que não se trata de rejeitar pessoas, mas sim de lhes dar a legítima liberdade de prosseguirem, como elas mesmas desejam, casadas e fieis a seus defeitos e perversidades socialmente aceitas, tanto quanto nos autorizamos conquistar novo nível de compromisso com metas, prioridades e valores mais altos. Para quem ascende, verdadeiramente, o que digam, a seu respeito, os que ficaram nas baixadas vibratórias é tão importante quanto o que os anfíbios no pântano andam falando da águia altaneira, em seus voos distantes: ela sequer os ouve, mesmo porque, com o tempo, os canais de comunicação, por onde poderia saber das “fofocas” dos velhos conhecidos, sequer são mantidos. A gritaria pode se fazer mesmo ensurdecedora, na superfície da Terra, mas para quem segue na cabina de um boeing, em viagem transatlântica, não há o menor perigo de ser incomodado. É o que acontece com quantos se põem em frequências mais altas de sentimento e propósito de vida. Os que preservam suas máscaras de hipocrisia social e seus objetivos egoicos rasteiros podem seguir seu curso, que em nada conseguirão afetar a jornada do viajor das Alturas, rumo a seus destinos elevados…

Claro que, então, as criaturas infortunadas que se deixam presas às baixadas (da emoção e dos valores de vida) conversam entre si, alimentam-se reciprocamente em suas ilusões de que foram vitimadas, enredando-se nas teias de perfídia que entretecem contra si próprias, afundando, agrilhoadas sinistramente umas às outras, sob pesados tentáculos de influências tenebrosas da dimensão extrafísica de existência, engolfando-se mais ainda no oceano da desconexão com a realidade última sobre si mesmas, amarguradas, revoltadas e infelizes…

Com esse tipo de gente, não adianta ser humilde, pedir desculpas ou tentar esclarecer – como muitos dos que se adiantam, de boa vontade e coração aberto, procuram fazer, por um tempo, desejosos de compartilhar seus progressos íntimos (sendo, como não poderia ser diferente, interpretados da pior forma possível, com variantes de vernáculo, mas identidade de injustiça). Os enganados querem continuar se sentindo vítimas e rejeitados, porque é o vício a que se entregaram, no correr de longos anos, e, obviamente, para não se sentirem culpados, desenvolvem toda sorte de racionalização, para justificarem sua postura insustentável. O ego é brilhante, nesse sentido, criando suas defesas suicidas. De fora, porém, é evidente como aqueles que se confiam aos conselhos deste senhor macabro – o ego – entram em decadência. Alguns, no sentido material e profissional; outros, no âmbito afetivo-relacional; e, por fim, o mais trágico de tudo: muitos, além de todas as consequências nefastas (psicológicas, profissionais e relacionais) da “desonestidade psicológica” (como se diz em psicologia: o mentir-se para si mesmo), ainda soçobram espiritualmente, desviando-se da rota que lhes assinalaria uma existência em alinhamento com os ditames do(a) Criador(a), consoantes com suas necessidades evolutivas. Não vivem pela consciência; vivem em função de seus impulsos, inclusive os mais escancaradamente autodestrutivos.

Os apegos familiar-biológicos estão entre essas mais terríveis ilusões e hipnoses culturais – porque travestidas de um moralismo falso extremamente enraizado na civilização terrena. Jesus, como Verbo da Verdade Divina para a Terra, foi muito claro nesse particular: “Quem é minha Mãe e quem são meus irmãos?” – indagou, severo, quando Lhe avisaram que O procuravam, fora da roda dos Seus, para voltar a casa, e parar com aquelas pregações que lhes causavam vergonha e embaraços… (Maria Santíssima, naturalmente, estava sendo política em acompanhar os demais: tanto que continuou com Ele até o fim, mesmo quando os próprios Apóstolos O abandonaram, no momento da Cruz). E concluiu: “Estes, em torno de mim, são Meus irmãos e Minha mãe, porque fazem a Vontade de Meu Pai, que está nos Céus”, ou seja, nas decisões e princípios mais nobres, altruístas e beneméritos, ainda que firam convenções e preconceitos, ainda que custem mesmo a constância dos laços afetivos mais preciosos do coração. O apego a entes queridos, rezam todas as tradições religiosas, é dos mais difíceis de se notarem (porque recebe outros nomes que o embelezam moralmente, sem o tornarem outra coisa), quanto mais de se desfazerem… Somos todos irmãos, em humanidade (e não só de nossos parentes “de sangue” – quão primitivo, não?), e mesmo fora dela, para cima ou para baixo, na escala evolutiva dos seres. Os apegos consanguíneos nada mais são do que reflexos do egoísmo contumaz, que se traveste de outros conceitos e terminologia, para continuar ludibriando e enredando os incautos em suas teias mefistofélicas… Quem vive em função de obedecer a impulsos animais de proteção da prole e dos que carregam carga genética similar estão, como é fácil inferir, mais próximos dos brutos e mais distanciados da Realidade pujante e última (quanto primeira) do Espírito.

Voltando a Nosso Mestre e Senhor Jesus: n’outra ocasião, um sujeito diz que pretende segui-l’O, mas pede licença para enterrar seu pai, algo muito esperável que soe digno e nobre para os ouvidos mais moralistas. E o Cristo, no mesmo tom, diz-lhe: “Aquele que pretende Me seguir e olha para trás, antes de fazê-lo, não é digno de Mim”. Vejam amigos: era a última homenagem a prestar ao homem que o pariu! Mas nenhum valor pode ser colocado acima da lealdade à própria consciência – embora frequentemente ela seja confundida com desejos e caprichos pessoais, justo por quem pretende perpetuar sua sanha de deserção dos reclamos do Alto. Depois, favorecendo os que fizeram a escolha pelo melhor, lecionou o Grande Rabi da Galileia: “Não há aquele que tenha abandonado mulher, pais, filhos, fazendas e negócios, por Minha Causa (o Ideal do Espírito, do Self), que não receba cem vezes nesta vida, e, na Outra, a Vida Eterna.”

Jung, o criador das linhas psicológicas de profundidade, endossa esta atitude, quando afirmou que os indivíduos mais jovens tendem a viver em função da parentela corporal e dos valores culturais de ambiente e lugar em que nasceram, por estarem movidos e envolvidos por instintos e condicionamentos recebidos desde o berço; mas que, quando logram amadurecer em compasso com a passagem dos anos (na Terra, ainda é uma honrosa minoria que amadurece psicologicamente, enquanto envelhece fisiologicamente) e, por isso, não ficam presos aos vínculos do pretérito, correm a novos laços afetivos, a ambientes com que se afinam pela alma, pelo espírito, pelo ideal, pelos conceitos que esposam, ainda que, para tanto, tenham que romper com toda uma rede de relacionamentos anteriores, que não mais condizem com a pessoa melhor e mais lúcida que se tornaram, o Espírito que elas realmente são. Isso se daria, segundo o egrégio psiquiatra, psicanalista e psicólogo suíço, por volta dos primeiros anos da maturidade, no início do que se entende como a segunda metade da vida física.

Quem ama liberta, não busca prender, não tenta seduzir, com argumentos falsamente religiosos, morais ou espirituais, tais como: “Deve-se obediência aos pais” ou “É preciso preservar lealdade aos antigos amigos”, quando os que os proclamam, em verdade, querem dizer: “Não siga sua consciência e se submeta a meus valores. Você não tem liberdade: deve atender a meus caprichos e conveniências, e não seguir seus projetos de vida, ainda que ao custo de sua felicidade, que, por sinal, me ofende e me faz sentir-me diminuído”.

Quanta falsa moral! Por isso Jesus denominava os que se enquadram na categoria de “boa gente”, rigorosos em seguir (ou ao menos manter a aparência de que seguem) as convenções de sua cultura e época, como “hipócritas, sepulcros caiados: brancos por fora e cheios de podridão e rapina por dentro”.

E, por fim – “data venia” à minha estimadíssima irreverência (estimadíssima por mim mesmo, graças a Deus!) –, para quem não tem conhecimento bastante do Evangelho para se recordar das Palavras do Cristo que enfeixei sobre o assunto e estiver chocado demais com meus apontamentos, não vou oferecer as passagens bíblicas que citei: existe a internet para essas pesquisas… A loucura é tanta, que há daqueles que chegam à petulância e arrogância espiritual ímpares de questionar até mesmo Jesus – a Maior de Todas as Autoridades Espirituais do orbe, em todos os tempos. Muitos se perguntam se o Mestre disse ou deixou de dizer alguma coisa, se fez ou deixou de fazer outras tantas (a exemplo do episódio em que Se deixou inflamar pela Ira Sagrada de Deus, com o chicote na mão, aos brados, no famigerado templo de Salomão), conforme os próprios interesses – isto é: contestam o Enviado Maior, para não terem que admitir estar errados e exigirem-se esforços de mudança. Que prossigam em seus acintes: pagarão caro por isso (conforme diz o Espírito Eugênia, nossa Mestra adorada:) tanto mais cedo como mais tarde, ou, se tardar muito, pior: porque o carma estará acumulado.

Há indivíduos que choram, presumindo-se atraiçoados, quanto existem os que supõem haver, num passado remoto, sido injustos ou ingratos com alguém que não o merecia (para os reencarnacionistas). Esquecem-se, porém, de que as pessoas traidoras do passado distante são, há muito tempo, almas redimidas… O sentimento que trazem consigo constitui, em verdade, um pressentimento que diz respeito a si mesmos, a quem são e ao seu presente, e não a quem foram ou a resíduos de um pretérito longínquo, tanto que caem, exatamente, nos padrões psicológicos da ingratidão e da fuga ao dever que imaginam haver perpetrado em antigas existências físicas – em alguns casos, lamentável e tragicamente, reiteram-se erros de outros séculos, para que se sofram consequências ainda mais pesadas num amanhã que, dia a dia, se converte num medonho presente!…

(Texto recebido em 30 de dezembro de 2010.)


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