Benjamin Teixeira
pelo espírito
Eugênia.

Podemos entender a psique humana de diversas formas, dada a sua extrema subjetividade e complexidade, e, em última análise, importa reconhecer que quase toda teoria psicológica contém forte elemento de arbitrariedade, assim como ocorre à filosofia, embora, ironicamente, não esteja implicado nisto nenhum desvalor a ambas as categorias de conhecimento, mas revelada a natureza intrincada de seus objetos de estudo. Este é, inclusive, um dos motivos para tamanha ordem de divergência entre as variadas escolas de psicologia e psicoterapia vigentes no mundo físico.

Por isso, mister considerarmos a ótica que devemos adotar, antes de iniciarmos nossas elucubrações, a fim de, então, balizarmos nossos conceitos e, destarte, facilitarmos a administração do próprio psiquismo, em função das metas que colimamos.

Deste modo, vamos propor um paradigma novo, que pode ouriçar os brios intelectuais de muitos peritos incipientes do estudo psicológico, mas que muito pode propiciar uma perspectiva mais lúcida do fenômeno mental: o da multiplicidade do psiquismo humano.

Explicando melhor: cada indivíduo tem não uma, mas diversas mentes, todas ativas (embora muitas, paradoxalmente, atuando num nível de inconsciência), concorrentes entre si e, principalmente, dotadas de autonomia, histórico, necessidades e objetivos próprios, em contínua conflagração íntima, gerando, assim, a enormidade de conflitos que caracterizam os estados perturbadores e obsessionais tão conhecidos dos terapeutas e orientadores espirituais.

Não se trata, em verdade, de uma observação ou constatação nova. Contudo, pelo uso do termo “mentes” (no plural), estou tentando contornar o desvio racionalizador da cultura ocidental, no sentido de proteger uma de suas crenças favoritas: a de identificar o indivíduo humano com sua intelectualidade, sua razão, sua “mente”. Não por acaso, grandes mestres do oriente asseveraram, no correr de sucessivas gerações, que o intelecto era um dos maiores inimigos do processo de “iluminação”. Afirmo que nossa proposta não é, a rigor, nova, porque, de há muito, sabe-se, em psicanálise, psiquiatria, psicologia e em psicoterapia, que há vetores do psiquismo que funcionam em separado, como pequenos fragmentos do organismo mental (normalmente engendrados como mecanismo de defesa do ego contra traumas sofridos), causadores, inclusive, de auto-sabotagens nas atividades, iniciativas e projetos da personalidade consciente.

Freud chamou tais processos de “neuroses”, e alcunhou toda a vastidão de elementos neuróticos de “inconsciente”, dizendo-o dotado de vontade própria e poderosa, praticamente dirigindo as existências humanas. Jung nomeou de “complexos” tais sistemas psíquicos, e ainda criou a idéia de “arquétipos” (para sua versão coletiva), entre estes últimos, as forças da mente que ele denominou de “sombra”, “anima”, “animus” e de “self”, todas dotadas de propósito, energia e existência próprios.

No passado, chegou-se a aventar a existência de “múltiplas personalidades”, como uma síndrome rara, teoria que caiu em descrédito, mas que, em verdade, corresponde a um fenômeno existente. Fala-se ainda muito, entre populares, em “dupla personalidade”, e o próprio Espiritismo, pelo estudo da obsessão espiritual de desencarnados sobre encarnados, tem averiguado casos interessantes e bem ilustrativos de mais de uma mente funcionando através de um mesmo cérebro, que só podem acontecer (influências de outro espírito sobre o espírito do encarnado) através do processo de ressonância do agente perturbador, sobre aspectos, facetas ou fragmentos do psiquismo do próprio “obsediado”, pelo que entram em sintonia destrutiva (para ambos).

Obviamente que o fenômeno desta multiplicidade mental não é tão claro no dia-a-dia e em estados ditos “normais” de consciência. As pessoas têm uma forte ilusão de continuidade de seus processos psíquicos, mesmo porque a multiplicidade aqui postulada se dá através de uma intrincada e viva “engrenagem”, semelhante à do organismo físico: cada órgão tem funções próprias, mas todos concorrem e participam de uma estrutura total, que deve funcionar em perfeita harmonia. Todavia, assim como o corpo físico adoece, quando uma parte de seu arcabouço não funciona em consonância com o conjunto, igualmente a mente, quando em desequilíbrio de seus vetores constituintes, entra em colapso de sua sinergia.

Podemos continuar sustentando – e está também corretíssimo assim entender – que a mente é complexa, mas fique claro que isto não quer dizer seja ela, realmente, múltipla ou fragmentada, tanto é que, por esta exata razão, os métodos psicoterápicos visam à integração psicológica dos pacientes, levando-os à cura, que, de certa forma, implicaria um retorno à “unidade psíquica”. Entretanto, não podemos deixar de tomar nota da existência destes núcleos relativamente autônomos da psique, responsáveis pela maior parte dos sofrimentos e desajustes internos e externos na vida dos indivíduos. Quem não já se viu agindo, falando, sentindo-se ou negligenciando de uma forma que não gostaria, mas que, por mais se esforçasse, não conseguia conter, alterar ou mesmo arrefecer a conduta ou omissão? A psicose, em níveis extremos, acentua, em grau, este fenômeno que, em espécie, existe em todo ser humano, mais ou menos gravemente.

Por outro lado, utilizarmos este paradigma faz com que procuremos não nos identificar com a mente total que se modifica a toda hora, em cada uma de suas mentes-menores e até na interação e resultante delas, no continuum desta mente-maior. Ao cogitarmos que possuímos várias mentes em vez de uma só, somos compelidos a nos identificar com o centro de consciência e autoconsciência que padece e pugna continuamente por administrar o caos criativo (muitas vezes destrutivo) das vozes mentais em desalinho, desde os impulsos bestiais dos instintos, passando pelos caprichos mesquinhos do ego, até a transcendência dos ímpetos luminosos de altruísmo e serviço ao bem comum. Entre estes três grandes domínios de inclinações psicológicas, uma verdadeira multidão de feixes psíquicos se entrelaça e se tece (a tecedura da mente humana), enroscando-se e comprimindo-se, estrangulando-se e retorcendo-se uns aos outros, formando, amiúde, nós difíceis de serem desatados (missão a que se dedicam as psicoterapias).

Você é hoje uma pessoa diferente da que foi há 5 ou 10 anos, em inúmeros aspectos, e é muito bom que não só se modifique, para melhor, mas também que este processo seja gerenciado por você mesmo, um trabalho de condução dos mecanismos de complexificação, amadurecimento e depuração do ser, o que, simplificadamente, pode-se chamar de evolução.

Você não é sua raiva, nem sua neurose de culpa; e mesmo no que tange a características muito cristalizadas, estruturais, em seu psiquismo, de que dificilmente conseguirá desvencilhar-se (seria melhor dizer “transmutar”), no espaço de sua atual existência física, ainda assim você não é isto, o que significa dizer que tem liberdade para se tornar algo melhor, e que, um dia, por pior que seja ou se sinta, despertará, plenamente, o santo e o gênio, ou, em síntese: o anjo que existe em seu interior.

Você é um espírito eterno, um eixo em torno do qual gravitam todos os seus feixes psíquicos, em espiral evolutiva ascendente. É este ser que me lê agora, e é a ele que me dirijo, pouco importando quem foi você no passado, ou mesmo como se mostra no presente, porque falo ao deus em semente que habita em seu íntimo, que me ouve, me compreende e sabe que tenho razão, quanto ao seu poder de tudo superar, tudo resolver, ser feliz e viver, plena e profundamente, a paz!…

(Texto recebido em 29 de abril de 2007. Revisão de Delano Mothé.)