(Finalizando a série de artigos sobre “A Verdade que Provoca a Loucura da Mesquinharia Humana”.)
Benjamin Teixeira
pelo espírito Gustavo Henrique.
(Esta narrativa encerra a série dos artigos publicados nos dias 26 e 30 de dezembro de 2008.)
Estávamos no ano de 2002. Atendi ao telefonema eu mesmo (*). Era uma amiga querida, entre os muitos que nutri, no correr de anos, nesta obra de redenção das multidões (mormente por meio da televisão – e pelos méritos morais do grande Espírito Sophia, não por qualquer mérito pessoal meu).
– Olá, Bernardo. Estou sofrendo um drama terrível há muito tempo, e não me sinto à vontade sequer para falar pessoalmente com você, preferindo correr o risco de tocar em tema tão delicado ao telefone mesmo.
– Pois não. Fique à vontade.
– É que meu marido não me procura sexualmente.
Não estranhei, de primeira mão, a revelação da irmã em ideal. Já havia notado que o consorte de minha companheira de fé era portador de forte tendência homossexual, mas não me preocupei em lhe devassar a privacidade, já que o item da sexualidade humana é complexo demais para que possamos fazer análises apriorísticas muito seguras. Todavia, harmônicos como eram os dois, extremamente afinados pelo intelecto e pelo coração, e sendo minha interlocutora uma mulher notadamente bonita e atraente, recebi a confirmação que me faltava para esta opinião que resguardava em minha intimidade. Gelei o coração, entrementes… Meus Deus!… – pensei, de mim para comigo – onde vai parar esta conversa? O que será exigido de mim, em minha função de condutor de almas?
– Quero dizer, Bernardo… acontece às vezes… mas é comum passarmos muito mais de mês sem fazer sexo…
– Certo… – respondi, tentando demonstrar acolhimento, profundamente embaraçado.
Foi quando minha amiga, do outro lado da linha, lançou-me a indagação inesperada e dificílima de responder, de súbito:
– Bernardo, você acha que meu esposo é gay?
Em circunstâncias normais, apesar do delicado da questão em foco, tendo eu um certo grau de intimidade com a pessoa que me lança esta interrogação, naturalmente falo a verdade, sem dissimulações. Todavia, “estranhamente”, “fui tomado” e me ouvi dizer:
– Tranqüilize-se, querida amiga, seu marido está incurso no capítulo da semi-assexualidade, em que os desejos sexuais amortecem, progressivamente, amiúde por decorrência de longas existências curtidas no claustro. Como um monge, por várias reencarnações, acostumou-se com a sublimação das forças da sexualidade, assim demonstrando hoje pouca libido.
Minha interlocutora soltou um longo suspiro de alívio; e eu, de minha parte, estava lívido de estupefação comigo mesmo. O que fora aquilo? Eu tinha ciência da existência desta alternativa teórica a explicar o fenômeno da abstinência sexual voluntária, e conhecia alguns casos em que, inclusive, isso era verdadeiro. Mas, por experiência de anos em consultório, bem como pela opinião da maior parte dos autores de psicologia que lera até a época, sabia, de antemão, que, na esmagadora maioria de casos semelhantes, há, em verdade, o pano de fundo da não-aceitação de tendências homossexuais em si mesmo, por motivos culturais tão fortes, que, às vezes, a inclinação fica obnubilada, no fosso da inconsciência, para a própria pessoa, inclusive. As hipnoses culturais, educacionais, “morais”, são muito profundas e enraizadas n’alma, para que a maioria dos indivíduos logre ter lampejos de lucidez, muito menos manter uma opinião contrária ao que lhe foi dito como verdadeiro, sistematicamente, desde o berço. Mas não imaginava, de modo algum, que minha inteligente, culta e moderna amiga precisasse ser privada de uma informação dessa natureza, sobremaneira porque julgo cruel para qualquer pessoa viver se considerando portadora de pouca atratividade sexual, quando o problema está na definição sexual do cônjuge. Havia ainda a hipótese do esgotamento da libido, por questões de estresse no trabalho etc., mas ela foi facilmente elidida, pelo histórico e pelo sistema de vida de ambos.
Cinco anos se passaram. A amiga resolveu-se por aparecer no meu consultório novamente. De minha parte, havia amadurecido a questão, de modo que, logo surgiu oportunidade, eu mesmo relancei o assunto (ela fora tratar de outros tópicos da existência dela). Iniciei a melindrosíssima fala, em alguns termos como:
– Eliana, tenho que me redimir com você. Há meia década, você me procurou, com uma pergunta delicada a respeito de seu marido – recorda-se disso?
– Sim, sim!
– Pois bem: eu me condenei muito, intimamente, porque faltei com a verdade ao lhe responder – apesar de tê-lo feito, por haver me percebido inspirado, pelos bons espíritos que misericordiosamente me assistem o trabalho, a “protegê-la de uma informação forte demais”, mas sem entender por quê, discordando desta “visão” dos orientadores desencarnados a seu respeito. Hoje pela manhã, porém, em minhas meditações, senti-me autorizado a retornar ao assunto com você, mesmo que não ouvisse um endosso direto dos bons espíritos neste particular. Intuí, porém, nas “entranhas do meu coração”, que seria esta a “hora da verdade” para você.
– Pois não…
– É que realmente acho que seu esposo é gay. Ele nunca veio desabafar sobre o assunto comigo – se o tivesse feito, eu jamais lhe poderia fazer esta ordem de revelação, já que estaria incorrendo em quebra de sigilo. Todavia, na posição de pessoa experimentada na prática de observar e estudar o comportamento humano, ano sobre ano; na condição de homossexual, compreendendo a fundo os dramas vividos pelos meus irmãos de experiência, neste mundo exacerbadamente homofóbico, e ainda conhecendo vocês dois há tantos anos, sei que ele é portador de forte tendência à homoafetividade.
– É mesmo, Bernardo?
– Sim. Mas há uma ressalva importantíssima a lhe fazer. É que tenho como intuir, pelo uso de minhas faculdades mediúnicas, quando uma pessoa usa o casamento como uma fachada, para experiências homossexuais clandestinas, e não é o caso dele.
– Bernardo! – interrompeu minha amiga, lívida – pode falar tudo! Se ele vive a homossexualidade na surdina, estou disposta a ouvir a verdade. Sou uma mulher moderna e esclarecida. Isso é importante para mim, porque diz respeito ao meu matrimônio.
– Mas não há nada mais a revelar. Isso é tudo que lhe havia ocultado. Ele, no máximo, vive de masturbação; está casado com você, pelo que intuo, porque a ama verdadeiramente, e se sente constituindo, ao seu lado, uma vida familiar genuína – com o que concordo, já que não se deve procurar obedecer a convenções para se constituir família, e sim buscar apenas seguir os ditames do próprio coração e dos entes queridos componentes do clã que formamos. Não achei, contudo, que deveria preservar esta opinião comigo, porque a vi consternada, naquele dia, há cinco anos, e sei o quanto custa, à auto-estima de alguém, não ser correspondido afetivamente, pelo ente mais amado. E queria, assim, afirmar-lhe, com segurança, que você é muito bonita e atraente, e que, da parte dele, não falta também muito amor por você. Trata-se, tão-só, de uma questão de programação neurofisiológica muito forte à homossexualidade, mais que à heterossexualidade, que o impede de viver livremente uma vida de riqueza romântica com você.
Minha amiga saiu do consultório aparentemente agradecida, apesar de naturalmente tensa, pelo melindroso da temática. Para meu pasmo, porém, foi a última vez que a vi, numa interação direta comigo. Sumiu das palestras públicas que realizo semanalmente, sem dar nota do motivo.
Meses mais tarde, sentado à mesa de um ambiente público, com um grupo de mais de dez amigos (meus e dela), minha agora ex-amiga surgiu no recinto, ladeada do tal marido gay, em ângulo favorabilíssimo a cumprimentar todos à mesa, mas, surpreendendo-nos, deu um “giro sobre os calcanhares”, seguida de gesto semelhante do cônjuge, para não dirigir um olhar de aceno, fosse a mim ou aos antigos amigos dela própria, de até poucos meses antes.
– Foram Eliana e Alberto que passaram ali? – sussurrou um dos componentes do grupo, estupefacto com a atitude incompreensível da dama.
– Foram eles, sim – respondeu outro presente, igualmente pasmo.
As esposas de ambos se entreolharam, e eu disse, primeiramente fixando o olhar nas duas, depois nos respectivos cônjuges:
– Que Deus me ilumine e me preserve a lucidez, para nunca quebrar o sigilo de consultório…
– Não precisa dizer isso, querido Bernardo; sabemos da loucura humana e de como é difícil quebrar preconceitos – opinou, com acerto e uma expressão de desdém melancólico, no olhar inteligente, a mulher do primeiro.
Interessante é que, quando são interrogados por amigos ou parentes sobre os motivos de seu afastamento, dificilmente os que agem desta maneira imatura e inconsistente conseguem manter a compostura da dignidade, de modo a oferecer a sua perspectiva, ainda que distorcida, do que possa ter sido tão grave para distanciá-los de um lugar onde se sentiam em casa.
Quase sempre, é claro, o único assunto jamais ventilado é exatamente a razão real de seu desligamento. É assim que as “fofocas” têm início… e creio, sinceramente, que quando distorcem informações, essas pessoas não estão propriamente mal-intencionadas: estão desesperadas. Acredito até que, em grande medida, agem movidas por força do inconsciente, sem se darem conta da extensão do erro em que incorrem. Tudo pode ser dito sobre qualquer pessoa, quando se está fora do juízo apropriado. Em seu desespero, tais criaturas precisam, com todas as forças d’alma, garantir a si mesmas que têm razão, e que seu castelo de perigosas ilusões não é feito de areia… ou de pólvora…
(Texto redigido em 25 de dezembro de 2008. Revisão de Delano Mothé.)
(*) Trata-se de uma personagem ficcional, em desabafo, razão por que o autor espiritual achou por bem fazer uso da primeira pessoa, para desenvolver a narração.