Há poucas semanas, eu estava na cadeira de um consultório odontológico, com um lado da boca anestesiado. Como não tenho receio de tratamento dentário (nem de dentistas – risos), encontrava-me bem relaxado. A música ambiente favorecia o transe. A certa altura, comecei a perceber o que acontecia no outro domínio da realidade, o extrafísico. O guia espiritual do profissional que me atendia falou alguma coisa sobre desejar escrever com ele, inspirando-o, um livro na área de sua profissão. Informou-me, ainda, que o protegido andava com esse pensamento bailando no cérebro, e solicitou-me que lhe reforçasse a ideia, dizendo da inspiração que receberia. De fato, até o fim da sessão, partilhei minhas impressões mediúnicas com o cirurgião-dentista, que demonstrou, como seria natural, alegria e gratidão.
Também estava presente o avô desencarnado de minha amiga-irmã Maisa Marante (também odontóloga), que dirige, em parceria comigo e outro amigo-irmão, Delano Mothé, a Organização que fundei, com auxílio dos Instrutores espirituais, o Instituto Salto Quântico. Maisa costuma me acompanhar em tratamentos dentários. João Caetano, seu avô falecido, transmitiu-nos (a ambos, a mim e a ela) palavras de afeto – depois de uma década de comunicações por meu intermédio, vovô João, como me dou a liberdade de chamá-lo, já me vê igualmente como neto.
Passados mais alguns minutos, apareceu-me, secundando os esforços do profissional e seu mentor espiritual, um jovem desencarnado, aparentando pouco mais de trinta anos, com a mão esquerda espalmada a dez centímetros aproximados do ponto de minha boca que sofria a pequena intervenção cirúrgica. Cabelos castanhos aos ombros, tez branca, traços suavemente arredondados, sem lhe quebrar o aspecto viril. Não era só na aparência que o notava másculo: sentia-o personalidade muito masculina, e me surpreendi por notar que exalava dele uma energia de zelo e cuidado extremamente afáveis, o que costumo atribuir a figuras femininas. Espocou-me, então, um pensamento que se me afigurou um tanto preconceituoso, daqueles que passam pela cabeça e não verbalizamos, mas que, para os Espíritos do Plano Maior, são todos devassados, telepaticamente:
– Que curioso! Como ele pode ser tão masculino e amável ao mesmo tempo?
Para minha surpresa e constrangimento – esquecera-me de que se tratava de um desencarnado (risos) –, o amigo espiritual, que estava concentrado no procedimento, voltou-se para mim, com seus expressivos olhos castanhos e um sorriso largo e tranquilo, afirmando sumariamente:
– Benjamin, eu estou desencarnado!…
E completou o restante da sentença pelo sem-fio do pensamento, algo que poderia ser traduzido mais ou menos nestas palavras:
– Muito fácil, para mim, que não sofro as influências hipnóticas da cultura machista do plano físico, nem dos elementos fomentadores da agressividade e do comportamento rude, quais os altos níveis de testosterona produzidos pelo organismo masculino de carne, manter minha virilidade sem perder, com isso, os aspectos de amabilidade peculiares a quem deseja servir com coração.
Mergulhei em reflexão, em torno das significativas implicações do que acabara de me dizer o bom espírito que se apresentou como familiar d’outras reencarnações, tendo sido inclusive meu filho biológico.
Um amor profundo, cálido e leve, livre das cadeias passionais da matéria, inclusive dos programas genéticos e neurofisiológico-instintuais de inclinações emocionais à parentela consanguínea!… Ele ainda se sente meu filho, porque tais vínculos se estabeleceram pelo coração e não pela antiga conjuntura reencarnatória.
Fiquei feliz em conhecer um novo afeto, d’outras existências, da eternidade, como todos os temos, quer o captemos ou não por percepções mediúnicas. Eles nos acompanham, cheios de preocupação e carinho sinceros, favorecendo-nos o bom andamento de nossas vidas, tanto quanto fizermos por lhes merecer a interferência benfazeja, de acordo com a medida de esforços e realizações que desdobremos, no campo das contribuições ao bem comum.
O que não podemos é fugir das relações interpessoais do domínio físico de existência, apenas porque se nos apresentam com aparente maior grau de dificuldade. É assaz perigoso quando a criatura evita relacionamentos íntimos com encarnados, para entretecê-los com inteligências despojadas de corpos materiais, porquanto facilmente ela se faz joguete de agentes enganadores da dimensão astral, quando não adentra, julgando-se médium ostensiva sem o ser, a macabra fantasia de se tornar fantoche da própria imaginação sobre-excitada, escorregando para os corredores largos e dantescos do desequilíbrio mental.
Sinto-me agraciado por ter amigos especiais, no âmbito físico de existência, incluindo meu cônjuge, Wagner de Aguiar. Com eles, vivo maravilhosa, complexa e longa história de amor, por esforço meu e deles! Os Amigos do Outro Lado assistem todos aqueles que se empenhem em cumprir seus deveres de serviço aos semelhantes, seja na esfera profissional, familiar, pessoal ou qualquer outra. Mas se mostram presentes apenas na proporção em que não comprometam os aprendizados indispensáveis ao nosso amadurecimento, neste plano físico em que nos manifestamos. Como é óbvio e sensato concluir, se fosse para vivermos mais com os desencarnados do que com os encarnados, estaríamos, por Vontade Divina, desencarnados.
Pessoas dotadas de mais ampla sensibilidade psíquica e/ou vocação espiritual sofrem a tentação de esquivar-se de contatos humanos normais. Algumas chegam ao descalabro de se julgarem especiais o bastante para evitarem relacionamentos sexuais, como se o sexo, tão puro (em sua natureza) quanto a alimentação ou a respiração, pudesse conspurcar a alma ou o destino de um indivíduo. Amiúde, queixam-se de não serem compreendidas ou de sofrerem exploração afetiva ou desilusões tais que justifiquem sua conduta orgulhosa e arredia…
Todos sofremos decepções com amigos e amores. Queremos melhores relacionamentos amicais e românticos? Sejamos melhores amigos e cônjuges daqueles com quem escolhemos privar nossa seara íntima, persistindo sempre no ideal da fraternidade. Para quem é decente, sincero e imbuído do desejo genuíno de amar e fazer os outros felizes, e não só de ser amado e cuidado – a postura psicológica do bebê recém-nato –, as decepções apenas afastam de nossos caminhos os que não se prestam a compor nossa constelação de felicidade. Quase sempre, são psicotipos que escolhem a rota da infelicidade, sentindo-se vítimas e injustiçados, aguardando por pessoas ideais, sem ao menos serem maduros primeiramente, confiando-se à lamúria sistemática ou ao esfriamento cínico do coração, fazendo transferência de responsabilidade para terceiros, atribuindo aos outros ou a eventos externos o motivo de serem menos felizes ou amorosos.
Seguindo essa filosofia de vida muito prática e eficaz de trabalhar por amar melhor, em lugar de focar o ser mais amado, cada vez nos descobrimos mais felizes, com amigos, irmãos em ideal e parceiros sexuais mais afinados com a nossa forma de ser e sentir… E lembramo-nos daqueles que nos feriram no passado, como uma turva memória que abençoamos, sem mágoa, por involuntariamente nos terem propiciado chegar, através dos aprendizados havidos na interação com eles, ao ponto muito superior em que estamos, com quem nos encontramos: de bem-estar e satisfação inauditos!…
Benjamin Teixeira de Aguiar.
(Texto redigido em 20 de agosto de 2014, a pedido e com inspiração da Orientadora espiritual Eugênia-Aspásia.)