pelo espírito Gustavo Henrique.
Com 25 anos aproximados, o médium foi conduzido a casa espírita de importante metrópole do sudeste brasileiro. Indicaram-lhe uma reunião de desenvolvimento mediúnico, após uma seqüência relativamente longa de estudos espíritas propedêuticos.
Pedro não queria se comprometer com atividade tão melindrosa e assustadora para sua perspectiva de leigo no assunto. ‘Inda mais que não se sentia capaz de sintonizar o plano superior de vida. Entidades sofredoras, carecentes de toda ordem de amparo, procuravam-lhe as faculdades incipientes, em busca de alívio para suas dores morais e psíquicas. Como sói acontecer em início do despertar mediúnico, Pedro captava muito mais ondas mentais de individualidades desajustadas da dimensão astral de vida que de personalidades maduras e sábias.
-Você não pode deixar de freqüentar a nossa casa – disseram-lhe inúmeras vezes –, o Espiritismo vai salvar sua vida!…
Após três anos de resistência, Pedro acabou por ceder e se tornou assíduo na instituição de estudos e práticas espíritas que levava o nome de Dr. Bezerra de Menezes. As faculdades psíquicas que portava, em princípio incipientes, começaram a desabrochar, e ei-lo logo, em pouco tempo, recebendo mensagens de orientação e consolo para pessoas angustiadas que o procuravam, em busca de uma palavra de conforto. Aos 35 anos, Pedro realmente iniciou suas tarefas mais intensivas e sérias, na seara do intercâmbio interdimensional, depois de 7 anos de laboriosa preparação.
Trabalhava como escriturário durante o dia, banhava-se e, após rápido jantar, corria para o centro, onde trabalhava todas as noites. Nas segundas e quintas-feiras, atendendo ao público com receituário mediúnico. Nas quartas e sextas, ministrando passes. E, nas terças e sábados, oferecia o aconselhamento dos orientadores desencarnados, para aqueles que desejassem se comunicar com o além túmulo, no intuito de haurir luzes para suas crises e problemáticas existenciais. Por fim, no domingo, procedia Pedro, com um grupo de amigos diletos e devotados, a criteriosa atividade de desobsessão.
Todos estes trabalhos aconteciam em casinha simples por ele e um grupo seleto de amigos alugada, em subúrbio da capital, onde atendia aos que o procuravam, após desvincular-se, por motivo superior, da instituição original que lhe educara as aptidões medianímicas. Fosse pela psicofonia, fosse pela psicografia, fosse pelo ministramento de forças curativas, Pedro estava sempre ativo, ofertando o melhor de si.
Até que, um dia, sobreveio-lhe o que não esperava: caiu enfermo. Disseram-lhe alguns médicos que não teria mais que alguns anos de vida física. Estava Pedro com apenas 50 anos, e não lhe deram mais que 2 de sobrevida. Pedro resolveu orar e pedir reversão de sua contingência orgânica. Em 15 anos de trabalho, não imaginava que encontraria tantas consolações, nas consolações que disseminava. Disseram-lhe, em princípio, que a mediunidade era carma, castigo para pecadores renitentes, quase nestes termos, e, embora reconhecendo ser ocupação complexa e muito difícil, em diversos sentidos, alma nobre e generosa, Pedro enxergava, em todos os percalços da senda do exercício mediúnico, oportunidades de aprendizado, crescimento, serviço e felicidade. Rogou assistência especial de seus orientadores desencarnados, e, de fato, em desdobramento parcial do corpo físico, encontrou-se diante de conjunto de anciães sábios, responsáveis pelo endosso de sua descida ao plano físico de vida.
– Pedro, em consideração aos grandes serviços prestados por teu esforço benemérito no campo do bem, ouvimos-te a súplica, e aqui te trouxemos para que faças a exposição de teus motivos, para a petição que nos foi encaminhada por ti.
Comovido com a deferência de que se via merecedor, Pedro então começou a desfilar suas argumentações sobre a necessidade de distender seu tempo de vida no corpo físico. Em palavras resumidas, falou do quanto estava se sentindo útil na cura de mazelas físicas e morais de muitos, consolando e orientando corações desesperados; e, para completar, anunciou que, apesar de a esposa muito ajudá-lo no trabalho de assistência aos menos felizes do mundo material, não a percebia em condições de viver sozinha, sem seu apoio fraterno ao seu lado, no laboratório da vida fisiológica.
– Bem apresentado, prezado Pedro – disse o mesmo senhor que parecia dominar a assembléia e que se dirigira a ele no princípio do encontro, levantando-se, majestoso, para declarar a decisão do conselho reunido –, pediste por outros e não por ti mesmo, sinceramente preocupado com as questões que te não dizem respeito, mas a teus irmãos em humanidade. Teu tempo de vida na Terra estava suspenso, mas não de modo irrevogável. Sabíamos, de antemão, que poderias passar por esta crise e optar por ficar. E, em função dos excelentes méritos que te assinalam o coração devoto, não só pela ficha de serviços desta, mas de outras encarnações, tens o direito de impetrar tal solicitação e seres atendido, ao menos parcialmente. Terás, no corpo físico, mais 20 ou 30 anos, de acordo com circunstâncias de desgaste e acontecimentos do plano físico que fogem, por ora, à nossa previsão, período ao fim do qual deverás retornar à nossa presença, para a avaliação final de tua reencarnação.
Comovido até as lágrimas, Pedro beijou as mãos do ancião sábio que lhe concedia, em nome do Plano Maior de Vida, a chancela para permanecer no corpo material por mais três decênios, e, ato contínuo, viu-se acordado no corpo de carne, igualmente lavado de lágrimas. Impressionada com a comoção profunda que tomou o marido e acordada por seu pranto, a esposa abnegada lhe perguntou o que se passara, arrancando do médium um relatório pormenorizado do que acontecera consigo em “viagem astral”.
27 anos se passaram rápidos. Nosso personagem estava na iminência de completar 78 anos, quando sofreu colapso cardíaco, conduzido às pressas, numa ambulância veloz, para hospital a poucos quilômetros de onde residia. No percurso do instituto moderno de saúde, Pedro viu-se sair do corpo cansado e contemplou o veículo branco, em disparada, zurzindo sua sirene, por centenas de ouvidos, no transcurso apinhado de automóveis e gente.
Estranhamente tranqüilo, Pedro notou estar saindo do corpo hirto no interior da viatura em alta velocidade e, em questão de poucos segundos, viu-se transportado, mais uma vez, para postar-se ante o mesmo grupo de anciães sábios, com que se encontrara há quase três décadas.
– Quase 80 anos de vida física, 45 dos quais em serviços dedicados ao bem do próximo! Parabéns, Pedro! – exclamou o mesmo mentor de ar professoral e aristocrático (no bom sentido), de pé, à frente dos demais, reunidos em semicírculo, ante o médium projetado do corpo em crise.
Constrangido e melancólico, talvez por se sentir pego de surpresa, pelo fenômeno do decesso carnal, apesar da idade avançada no plano físico, completamente voltado, como vivia, para os trabalhos de socorro ao semelhante, Pedro sorriu sem graça, permitindo que os olhos deslizassem para o chão do ambiente. Compreendendo a extensão completa do quadro observado, o mesmo senhor altivo e paternal tornou para Pedro:
– Estás triste, prezado amigo?
– Não, de modo algum. Seria ingrato se reclamasse do que quer que fosse da infinita bondade de Deus, sempre pródiga a me abençoar, como a todas as Suas criaturas. Tive o tempo de acréscimo que me foi prometido, e me congratulo por, na minha avaliação íntima, havê-lo aplicado bem.
– Mas te entristeces por a hora da partida haver chegado…
– Sim… não posso negar, ante os guardiões do meu destino, de quem não posso ocultar nada. Não por mim isto se dá, contudo; acabrunho-me, por aqueles a quem gostaria de continuar beneficiando, na dilatação dos serviços de caridade a que me acostumei dedicar-me, no plano físico de vida.
– Sim, é verdade, Pedro, és um homem bom e de bem, correspondendo da melhor forma a tudo que se esperava de ti, antes de teu mergulho no universo físico de vida. Não sabias, contudo, que previsto estava um novo elastecimento do prazo de tua volta à “Casa do Pai”, e poderás estar no campo dos vivos na matéria, pelo tempo de 12 ou 15 anos a mais, conforme as condições do plano físico que encontres até lá. Portarás, a partir deste colapso que sofreu teu corpo, dificuldades muito maiores, no desempenho de tuas tarefas. Se já estavas cansado, no desempenho de teus compromissos, pelo adiantado em anos de uso de teu maquinário orgânico, mostrar-te-ás ainda mais esgotado e custoso, no desincumbir-te de todos os deveres que te estarão ainda vinculados à personalidade. Se, entretanto, queres continuar, poderás ainda estar por lá, por este período último de tempo, findo o qual estarás de volta ao lar espiritual, sem condições de nova distensão de tempo no corpo. Aceitas nossa proposta?
Debulhando-se em lágrimas, sem saber sequer que contava com aquele recurso adicional da Misericórdia Divina, Pedro enxugou o rosto com as pontas dos dedos e, sem pestanejar, respondeu:
– Grande é a Graça e a Bondade do Senhor, que me propicia esta bênção ímpar de trabalho, caridade e sabedoria, no serviço em que me empenharei por servir meus irmãos em humanidade. Permita-me, sim, grande amigo espiritual, que retorne ao corpo físico, mais uma vez, e possa aproveitar todo o tempo que me seja possível por lá estar, a fim de que adquira experiência e faça mais e melhor pelo bem de todos.
Pedro desceu novamente ao corpo físico. Dores cruciantes – sobretudo no peito – acordaram-no no quarto de hospital em que fora internado. Padecera uma parada cardíaca, revertida em tempo, no próprio percurso para o hospital. Estafa profunda, diagnosticaram dois cardiologistas consultados, sem que houvesse ocorrido algo mais sério, como um infarto ou um entupimento coronariano.
Estranha sensação de esgotamento invadia-lhe a casa orgânica, e, tendo-lhe sido recomendado repouso absoluto pelos médicos, Pedro, obviamente, sabendo do motivo de seu retorno ao mundo material, transmutou o insulamento ao leito em trabalho no centro, apesar das numerosas limitações a que estava atado. Passou a usar cadeira de rodas e, assim, a ser sempre conduzido, em vez de andar com os próprios pés. Passou a trabalhar menos, atendendo à noite, mas não mais durante o dia, como no tempo da aposentadoria, até a crise cardiopática que sofrera.
E os anos se passaram. Psicografando com dificuldade, incorporando raramente e aconselhando prodigamente, Pedro viveu os últimos anos de vida física, entre a oração e o trabalho, aguardando, para logo, o retorno à pátria espiritual.
Naquela tarde de fevereiro, Pedro completara 15 anos e 6 meses da última experiência de moratória existencial. Com 93 anos de idade, Pedro deixou o corpo físico definitivamente, que se desativou suavemente, como uma máquina que perdeu a propulsão da corrente elétrica que a alimentava.
Chegou em paz e glorioso ao mundo extrafísico de vida. Nada a declarar, na aduana da própria consciência, ascendeu ao plano espiritual dos eleitos, dos legítimos seguidores de Jesus, com magnífica ficha de créditos pelos benefícios espirituais prestados a enormes moles humanas. Vivera a mediunidade santamente e ofertara grandes serviços a milhares de criaturas que o procuraram no correr de décadas.
Deixou saudades no mundo, mas que ninguém se engane: continuou trabalhando – e ainda mais – da faixa de consciência que passou a ser seu domicílio espiritual. De lá, Pedro vem socorrendo centenas dos milhares que o procuravam em vida física e que, acertadamente, consideram-no em condições de ajudá-los do outro lado da vida.
(Texto recebido em 7 de março de 2006.)
(Texto psicografado pelo médium Benjamin Teixeira. Revisão de Delano Mothé.)