Benjamin Teixeira
pelo espírito Eugênia.
Algumas semanas depois, tínhamos um encontro marcado na reunião mediúnica de Bernardo. Julgando de bom alvitre chamar Fernando conosco, cônscia de que novas lições poderiam lhe surgir, partimos para a empresa da família do médium, onde as sessões, à falta de local mais adequado, aconteciam, no início das tardes de sábados.
Na casa de Bernardo, um bando de obsessores pertinazes faziam acampamento provisório. Rodrigo, seu irmão pelo coração, estava nervosíssimo: era um dos meios mais fáceis que os inimigos da causa encontravam para atacar o medianeiro e desestabilizá-lo para o trabalho de intercâmbio, bem como, principalmente, de orientação às multidões que o procuravam, semanalmente, seja por meio de seu programa de televisão, seja em suas palestras públicas – que inclusive já descrevemos em capítulo anterior.
As entidades perturbadoras estavam ali com nossa permissão, por mais estranho que isso possa parecer. Algumas pessoas, em observando os emissários do Alto, supõem, mui erroneamente, que suas vidas sejam tecidos inconsúteis de alegria e tranqüilidade, qual se não pertencessem ao gênero humano. Em verdade, certas dores, ao reverso de não existirem, são maiores, entre os embaixadores da Luz, justamente pela dimensão de seus encargos, a fim de que amadureçam e sejam exercitem sua aptidão para servir em tão sagrado ministério. Além de tudo, o que muitas vezes passa despercebido, os nossos porta-vozes no mundo, embora sejam almas idealistas, de caráter impoluto e, de fato, em termos de maturidade psicológica, um pouco acima da média terrena, são personalidades ainda humanas, prenhe de limitações, fraquezas e mesmo neuroses. Muito comum terem-se esses representantes do Alto à conta de anjos, o que muito lhes atrapalha as atividades, porque são obrigados a agir num padrão acima de sua condição humana e, não raros, de tal modo se deixam consternar por essa exigência absurda, desistem do trabalho ingente, ou, pior: envolvem-se em fascinações perigosas, como as de se sentir realmente melhor que os outros. Inúmeros missionários no âmbito da revelação espiritual fracassam, por não suportarem a tensão gigantesca entre os dois estímulos antagônicos intensíssimos: 1) desprezo por parte de grande parcela da população que, simplesmente, consideram-nos charlatões, espertalhões a explorarem a boa fé alheia para se promoverem e viverem às suas expensas; 2) idolatria por parte de alguns seguidores, a lhe cobrarem posturas acima do normal, supondo, por exemplo, não precisarem de nenhum estímulo, conforto ou ajuda: seriam seres superiores, acima de quaisquer agruras ou carências humanas. Raros de seus amigos, discípulos e daqueles que com eles convivem percebem tratarem-se de almas humanas, apenas com uma sobrecarga estupenda de responsabilidades.
Algo seria digno de nota, nesse particular, que gostaríamos de aqui registrar. Uma semana antes da reunião mediúnica que descreveremos em seguida, na reunião pública do Colégio Politécnico, encontramos Bernardo atendendo a um grupo de pessoas após o término da conferência. Estávamos apoiando-o deveras, naquele dia em particular, para que pudesse concluir os trabalhos da noite, já que estava sofrendo de uma pulpite grave, ou seja: sofrendo do nível máximo de algia dentária que um ser humano poderia sentir. Acostumado a suportar dores morais intensas, Bernardo, que estava começando a ficar pálido e suando frio, condenava-se por dentro, por não conseguir sorrir direito, nem prestar atenção, a contento, nos problemas dos que lhes traziam questões a serem resolvidas. Soluções que deveriam ser imediatas, eficientes, em uma palavra: milagrosas, ou as pessoas saiam de lá frustradas por não terem encontrado a resposta no Espiritismo, como se questões psicológicas e existenciais sérias, que consomem anos em psicoterapia clássica, pudessem, como com um condão mágico, serem de pronto solucionadas. Mais uma vez a famigerada preguiça e transferência de responsabilidade, temperadas a imediatismo e imaturidade psicológica. Juntando-se a tudo isso uma pitada de preconceito e a presunção de não perceber a própria estupidez, tem-se uma pálida noção do que pensam esses visitantes esporádicos de casas espíritas pensam de seus maiores representantes.
Mas, voltando às pessoas que procuravam Bernardo, em meio à sua crise de dor dentária, uma delas, uma jovem psicóloga, freqüentadora do grupo há mais de cinco anos, ouviu quando alguém perguntou a Bernardo se estava bem e ele dissera: Estou com uma dorzinha de dente. Claro, pensou consigo, seria de fato uma dorzinha, ou não teria feito uma exposição entre risos e ditos chistosos. Não sabia ela que os elementos medicamentosos que havíamos ministrado em Bernardo em associação à adrenalina que liberamos, para que o resultado analgésico fosse potencializado, estavam todos perdendo efeito, justamente naquele instante.
– Você está com uma dorzinha de dente, não é?
– É… – respondeu Bernardo, com um sorriso amarelo.
E a jovem seguiu narrando a sua história. Enquanto Bernardo ouvia, a dor ia aumentando a galopes, começando a sentir tonturas. Uma estranha fraqueza assolava-lhe o peito, as pernas pareciam querer perder firmeza. Foi então, com tal quadro sintomatológico, que Bernardo se deu por conta que de fato sua dor estava em nível muito alto. – Ela não faz a menor idéia de como estou mal… – pensou de si para consigo, enquanto se esforçava para continuar gentil. Minutos depois, estaria sendo levado às pressas para uma urgência hospitalar, não antes de atender à última pessoa que o aguardava para conversar… e ter todos os seus problemas miraculosamente resolvidos ali mesmo… A vida fácil dos médiuns com trabalhos públicos…
E, das mais curiosas particularidades dignas de referência: Bernardo adorou saber que se tratava de uma pulpite severa, nos dizeres dos profissionais que o socorreram. Culpava-se enormemente por estar sendo fraco em suportar a dor, em deixar-se abalar tanto. Se é o último nível de dor que alguém pode sentir nos dentes, então eu fui bravo! Graças a Deus! Ainda bem! – pensou alto, enquanto suspirava e sorria feliz, em plena urgência. Sentia-se um esteio de todos, e não se dava o direito de fraquejar em nenhum momento.
Era aquele que muitos supunham o charlatão relaxado, que trabalhava diariamente até duas, três da madrugada, não raro vendo o dia raiar, no correr de anos consecutivos, para nutrir a coletividade com as mensagens do além, dedicando toda a sua juventude em prol da Humanidade, enquanto muitos de seus coevos continuavam se divertindo até altas horas ou dormindo gostosamente em suas fofas almofadas de comodidade. Mas sem nenhuma mágoa, nem repressão. Na verdade, Bernardo nem dava importância ao que muitos julgavam imperdível. Sentia enorme satisfação em ser útil e transmitir a mensagem imortalista, grande o suficiente para não notar o que deixava passar.
Na semana seguinte, porém, estávamos chegando à empresa da família de Bernardo. A reunião estava em seus últimos minutos de preparação antes de começar. E transcorreu maravilhosamente. Bernardo estava um pouco cansado, mas lhe insuflamos forças novas. Rebeca, sua irmã muito querida, sentada ao seu lado, entrelaçava seus dedos nos seus, enquanto, do outro, o olhar firme e penetrante de Getúlio, o amigo de outros tempos, dava-lhe forças para continuar.
Iniciados os trabalhos, pedi licença para informar que teríamos atendimento a sofredores inflamados de ódio. Na verdade, obsessores. De um modo especial, desejávamos tratar um obsessor de Bernardo, que o perseguia desde o século XVIII.
Aqui, faremos novo parênteses. Existem três categorias básicas de espíritos assistidos nas reuniões mediúnicas de desobssessão, e aqui gostaríamos de discriminá-las, para efeito didático dos que se denodam a tão sagrado mister:
1. Sofredores – almas enfermas em condição infeliz no além-túmulo, que desperdiçaram preciosas oportunidades de crescimento e sublimação enquanto encarnadas e que, assim, encontram-se em péssima situação após a morte.
2. Obsessores – espíritos perversos ou odientos, que tramam vinganças contra gente que lhes tenha feito mal em outras existências, ou que pugnam contra os beneficiários e as idéias que o obsedado, respectivamente, assiste ou representa.
3. Vampiros – seres de baixíssima freqüência mental, que se dedicam a conectar-se a psiques encarnadas, em busca de explorar-lhes as energias mais grosseiras da faixa material, com o fito de dar continuidade, assim, a seus ímpetos animalescos, de que não se conseguiram desvencilhar, por imenso apego, após o processo de decesso carnal.
Entre essas categorias, porém, há escalas infinitas de gradação, bem como formas combinadas variadíssimas de cada tipo geral, dando um tom individualíssimo a cada caso. Do gênio das trevas, tirano de multidões de encarnados e desencarnados, à inocente mãe desencarnada, que procura ajudar o filho no plano físico e acaba por lhe atrapalhar a vida, involuntariamente, a gama de naturezas psicológicas dos espíritos atendidos é tão rica como rica a variedade de tipos humanos encarnados.
Tentamos, de início, fazer uma aproximação de Wéber, mas não conseguimos. Chispava de ódio, espumava de vontade de estrangular Bernardo. Gritava e uivava como uma animal enjaulado, debatendo-se nas mãos e braços fortes de dois enfermeiros troncudos de nosso grupo de auxiliares desencarnados.
– Eu não vou me aproximar desse… – e pronunciava palavrões em série, deixando Bernardo tonto com os jatos de ódio que desferia em sua direção.
Era uma situação extraordinária (a utilização da próprio objeto de ódio como canal mediúnico para o espírito vingativo se manifestar), em verdade nem mesmo recomendável, por poder intensificar laços de sintonia entre receptor e emissor do fluxo deletério. Mas não dispúnhamos de veículo mais adequado ao trabalho e, por isso, precisávamos fazer uso do que tínhamos em mãos: o próprio Bernardo. Ninguém na sala daria passagem tão clara aos pensamentos de Wéber, o suficiente para que o tratamento fosse eficaz.
Mais alguns instantes e começamos os trabalhos com outra entidade, uma jovem mãe que perdeu seu filho em tempos idos e que ficara fixada no trauma, por séculos, sem o saber. Era uma de nossas amigas, assistente do grupo, mas que padecia de crises de tristeza indefinível. Fizemos uma rápida indução hipnótica, fazendo-la regredir ao tempo de origem do trauma, o que poderíamos ter feito em Andrômeda, mas que ali fazíamos para que os companheiros no corpo se beneficiassem com as lições contidas em sua história.
Em franco estado de regressão, acoplamos a mente da companheira desencarnada à psique de Bernardo, já em transe, e eis que o amigo começou a gemer e chorar, reproduzindo para os encarnados o que acontecia internamente com Cecília, a amiga do plano extra-físico.
Algo inesperado, todavia, aconteceu. Domênica, a mãe de Getúlio, que ia à reunião pela primeira vez e desacostumada à disciplina do ambiente, comovendo-se com o drama da mãe desencarnada caiu em prantos, e em volume alto o suficiente para retirar Bernardo do transe, já que o médium se responsabilizara por sua ida para lá, sem que tivéssemos determinado seu ingresso no grupo. Helena, a dirigente suplente, levantou-se e foi até a novata, em transe, conversando com ela, como se estivesse recebendo um espírito. A essa altura, Cecília teve que ser encaminhada a outro terapeuta de nossa dimensão, para ser tratada, enquanto Domênica balbuciava palavras, em forte estado de sugestão, ela mesma já se julgando conectada a uma entidade desencarnada.
Colocamos mais um espírito para se exprimir por meio de Bernardo, até que, então, após a conclusão desse novo transe, julgamo-lo apto a tentar uma aproximação com Wéber. O amigo médium começou a bufar e a se contorcer: nada; não deu certo. Afastamos o espírito vingativo e tentamos uma nova aproximação. E, passados alguns minutos, conseguimos, realmente, que Wéber se comunicasse. Palavras pouco lisonjeiras, ódio, desejo ardente de vindita. Getúlio, com a função de dar prosseguimento à terapia espiritual com os espíritos que se comunicavam por Bernardo, por todas as formas, tentava acessar uma brecha no coração empedernido de Wéber, com doçura e tato: inútil. – Cale a boca, dizia por Bernardo em transe, entre outros impropérios que não valem ser transcritos. A certa altura, fora de controle, Wéber torna a tentar agredir Bernardo, desta vez com o próprio corpo do intermediário. Os braços do médium se contorcem novamente e se contraírem à altura do pescoço, numa tentativa inglória de estrangulamento. Mais uma vez, fomos obrigados a desligá-lo do medianeiro.
Retirado do corpo de Bernardo, por assim dizer (a conexão na verdade é mental), impusemos-lhe um transe de regressão de memória, assim como fizéramos, há poucos minutos, com Cecília. Lançamo-lo a existência não muito recuada, na verdade sua última passagem pela Terra, em que, no século XIX, matara, acidentalmente, num surto de ódio, o seu grande amor. E da exata maneira como tinha ímpetos de fazer com Bernardo: por estrangulamento. Revia a cena com nitidez impressionante: a mulher amada, o ser mais precioso do mundo, aos seus pés e logo no seu colo, com olhos esgazeados após o esganamento, olhos de um azul intensíssimo que nunca lhe houveram parecido tão azuis… mas um azul vítreo, morto… Wéber começou a urrar de dor, completamente imerso no retorno ao passado. Nesse instante de paroxismo supremo, reconectamo-lo a Bernardo:
– Luise, meu amor!… Luise, por favor… Não me deixe, meu amor!… Perdão meu amor, eu não quis fazer isso com você… Luise, não me deixe, pelo amor de Deus, meu amor!!!…
Bernardo, que ficava consciente nos transes, estava estupefacto com a intensidade do processo, tanto quanto Getúlio, que acompanhava tudo de perto e, com mente de observador científico, surpreendia-se com a impressionante plasticidade psicológica do fenômeno, que o ator mais genial da Terra não conseguiria revelar. Sequer o volume de voz pôde ser muito controlado. Babava e se debatia, embora preso à cadeira. Pendeu o corpo sobre a mesa e, com as mãos, sacudia o corpo de Luise, pelos ombros, e girava-lhe a cabeça, para que os olhos, em congelamento eterno, fitando o infinito, ficassem na direção exata dos seus.
– Eu sei que você está me vendo, Luise.!.. Eu sei, meu amor… Fale comigo, Luise!… Fale, meu amor!… Pelo amor de Deus, fale comigo, Luise!… Não, meu amor… Não, meu amor…
E mais sacudidelas, e mais urros de dor, de loucura, de desespero infinito. Wéber estava na aduana da completa perda do senso, tamanha a dor que lhe assomava à alma. Fazíamos aquilo para que percebesse o que as brigas de amor podem fazer com alguém, e como se pode ser levado a fazer o que menos se quer e se arrepender disso para sempre, sem condições de retornar no tempo e reparar o erro cometido…
Bernardo, completamente possuído por Wéber, entreabria os olhos, por influência do comunicante, e, logo em seguida arregalava-os para o branco da mesa, de modo fixo, vítreo, sem sequer bater as pálpebras uma única vez; para branco da mesa que, todavia, tinha a nítida imagem de Luise à frente, cianótica, cadavérica. O médium tinha todo o fácies, o timbre de voz, o linguajar, todo o ser transformado com as impressões psicológicas da outra personalidade. Um transe perfeito. Estávamos já na iminência de tentarmos uma virada no padrão do ódio de Wéber para o arrependimento, quando outra ocorrência inesperada, essa prosaica, veio interromper nosso trabalho. Bernardo, que reproduzia o padrão do comunicante até com os membros inferiores, fora conduzido a uma posição que lhe ameaçava iminente queda do assento em que estava, escorregando, pela contração das pernas, em direção ao chão. Foi o próprio companheiro encarnado que nos avisou, em pensamento, da emergência: tinha receio de se machucar (incluindo a cabeça), esborrachando-se no chão com seus mais de cem quilos, sem a proteção dos instintos de defesa de queda, que fazem cair-se com jeito. Totalmente impossibilitado de fazer uso do aparelho fonador, como, de resto, todo o corpo, tive que eu mesma intervir em caráter emergencial, cortando o fluxo de utilização da garganta mediúnica por parte de Wéber, e pronunciando com o tom pastoso que foi possível emitir, a mensagem telegráfica, para Getúlio, que felizmente entendeu-a, de imediato:
– Bernardo… a cadeira…
A essa altura três dos nossos auxiliares mais chegados e experientes, já tomavam, medidas de urgência, por meio de manipulação elétrica do cérebro: contraíram certos músculos de Bernardo, impedindo a queda imediata, para dar tempo de as pessoas presentes acomodarem o corpo do médium, enquanto um médico recém-formado, e também recém-engajado no grupo mediúnico, a pessoa mais próxima de Bernardo, com força física suficiente para ampará-lo, na direção em que cairia, foi prontamente inspirado sobre a urgência do momento e o que de logo poderia ser aviado em favor do medianeiro. Esperamos por uma fração de segundos até que Leonardo, o médico, pulasse em direção a Bernardo, e, então, tomamos a última providência emergencial: desligamos a tomada do controle motor do médium, para que, afrouxando músculos e articulações, arrefecêssemos o impacto de uma queda eventual.
Bernardo acompanhava tudo, conscientemente, surpreso de como não tinha qualquer controle sobre o corpo, muito embora ainda permanecesse ligado a ele. Nunca tivera um transe de incorporação naquele nível de profundidade. O quadro sintomatológico era de uma síncope clássica, só que Bernardo permanecia acordado, o que denunciava, claramente, a natureza diversa do fenômeno.
Juntamente a Leonardo, todos os presentes encarnados na sala, levantaram-se, assustados, surpreendidos pelo inusitado, aproximando-se do corpo inerte do líder.
Getúlio, a essa altura, fisicamente robusto, mas no lado contrário da quase-queda de Bernardo, já se posicionava por detrás do amigo médium, tentando levantá-lo e colocá-lo de volta na cadeira, o que surtiria inútil, já que seu sistema motor jazia desligado, não oferecendo nenhuma firmeza nem para manter o médium sentado. Ainda sem condições de falar por sua própria garganta, embora percebendo que deveria instruir os companheiros sobre os procedimentos mais apropriados a serem tomados, Bernardo ouviu quando eu mesma ainda falei por sua boca, entre os lábios hirtos, em voz pausada, para que pudesse ser facilmente compreendida, já que não poderia falar em um tom mais forte:
– Podem deixá-lo no chão. Não tem importância.
Por esse momento, os encarnados, um pouco em estado de choque, impuseram as mãos, por indução de Marie, sua mãe e de Helena, que oravam em voz baixa, acompanhadas por sussurros de todos. Em poucos segundos, Bernardo já notou-se em condições de usar a voz e, fazendo um esforço tremendo para falar, embora seu corpo não quisesse, disse, em tom pastoso ainda, mas fazendo força para expressar-se em timbre firme, para tranqüilizar a todos, imaginando o susto que houvera dado em todos, involuntariamente: – Está tudo bem.. Eu volto já… Fazendo exercícios respiratórios para acelerar a retomada do corpo, Bernardo logo pode entreabrir os olhos. Um torpor fortíssimo tomava-o dos pés à cabeça. E ele repetia para si: – Vamos, vamos, rápido! – ainda preocupado com a preocupação dos amigos na sala. E, de fato, em poucos segundos, vendo a sala ainda turva, com os vultos de seus amigos impondo as mãos para energizá-lo, Bernardo se levantou, apoiado, e se acomodou à mesa, para chorar baixinho, pensando na dimensão do ódio que inspirara àquela alma, no passado, e internamente conversando com a entidade, já dopada, exigindo-se intensa humildade, pedindo-lhe perdão e orando por sua paz e felicidade, enquanto nos exorava socorro para não cambalear na mastodôntica tarefa que lhe fora confiada. – Não por mim, que não mereço – dizia Bernardo, para a acústica do nosso plano – mas por aqueles que são beneficiados pelo trabalho que se realiza por meu intermédio. Impeçam que meus defeitos atrapalhem a obra de Deus… Eu não tenho o direito de perturbar a Divina Vontade… Por misericórdia, atendam-me nessa súplica…
Estávamos em silêncio quando nos retiramos da sala mediúnica, e respeitei o silêncio de Fernando, que, para minha surpresa, não me bombardeava com perguntas depois de tão invulgar e curiosa ocorrência. Sorri satisfeita: Fernando estava despertando para as questões do espírito e da moral, que em muito transcendem, em importância, o campo da fenomenologia mental. E essas questões metafísicas, quase sempre, dispensam muitas perguntas, e, mormente, exigem recolhimento e meditação. A maturidade psicológica se acelerava para o amigo recém-egresso da carne: estava aproveitando muito bem as lições. Fiquei muito feliz.
(Texto recebido em 7 de fevereiro de 2001.)
Nota do Médium:
Quem mais busca poder sobre os outros, está, em verdade, precisando adquirir poder sobre si, projetando essa necessidade em realidades externas. O espírito Anacleto, de forma elegante, deixa isso claro para todos nós, dando-nos a chave, entretanto, para o verdadeiro poder. Creio que o prezado leitor do site Salto Quântico vai se encantar com essa mensagem sucinta (como sempre são as explanações do grande filósofo do além), que segue em anexo, logo abaixo a essa rápida e perfunctória apresentação da respeitável entidade desencarnada.
Anacleto, conforme informações que nos passaram, foi um grande filósofo da Grécia Antiga. Mas ainda não nos foi especificado quem. Interrogando-o sobre isso, sua resposta veio como uma pérola de invulgar sabedoria:
Isso é importante? Se não é importante, é fútil. Se é fútil, desvia do essencial. Só o essencial interessa.
Creio que o prezado leitor concordará com minha curiosidade humana, em querer saber quem teria sido ele, ao menos para constar em nossos quadros de análise de seus textos, de sua história, etc.; mas os grandes espíritos que dirigem a humanidade não se imiscuem em nossos joguinhos de crianças espirituais, assim como um catedrático não se envolve com as brincadeiras de uma criança de maternal, a não ser para orientá-la por meio da ludoterapia ou nutri-la de afeto.
Anacleto, cuja aparência viril de ancião sábio, de olhar penetrante, firme e protetoral, emanando paternidade e rigor, qual se fundisse o militar, o pai e o filósofo num só homem, normalmente fala por nosso intermédio sem que o vejamos. Às vezes, quando me esforço para divisá-lo pela clarividência, sua voz mental ribomba em minha psique:
Concentre-se no fluxo dos pensamentos (para filtrá-los com fidedignidade). Ver não é importante. Só a verdade é suficientemente segura. O que os olhos vêem engana. Somente o que a consciência intui é sempre digno de confiança.
Num outro momento que bem caracteriza sua personalidade e caráter, pediu-me o Grande Mentor que tomasse determinada atitude que me era muito difícil ao modo de ser. Prenhe dos conceitos de liberdade e individualismo, bem como de busca do bem estar pessoal, que permeiam toda a nossa cultura, respondi-lhe, como creio que muitos dos leitores talvez respondessem:
– Mas, Anacleto, eu não estou com vontade de fazer isso.
Ao que ele me disse:
– Eu não lhe perguntei se você estava com vontade de fazer; eu lhe disse é para fazer. Se, todavia, escolher não fazer, sabendo que o certo é fazer, a questão corre por conta de sua consciência, em resvalar no erro, cônscio do que faz.
Anacleto, a meu ver, consegue apresentar alicerces seguros de lógica, princípios e bom senso, nas questões mais complexas, em que o perspectivismo e o relativismo de nossa ótica moderna nos confundem, intronduzindo-nos no cepticismo, se não no cinismo ou na permissividade, ao não termos mais claras noções sobre certo-errado. Em certas ocasiões, por exemplo, em que a dúvida sobre estar certo ou não em questões mais difusas e subjetivas, disse-me:
Aja de acordo com o que considera certo, conforme o prisma que lhe é possível adotar no momento. Esse é o certo para agora, ainda que mais tarde perceba errado. Notará, porém, em uma análise mais profunda, ter sido certo nas conseqüências, carreando-lhe experiência e conhecimentos necessários ao seu crescimento, a fim de que acerte mais e melhor no futuro.
Esse é o Anacleto fantástico que lhes apresento, o pai coletivo de que todos precisamos, o norte numa época de desnorteamentos. Um líder para uma era sem líderes.
As pessoas mais inteligentes do nosso grupo têm adorado sua sabedoria e perspicácia ímpares. Os que têm acompanhado o Andrômeda, por exemplo, já sabem ser ele o Mentor de Eugênia (imagine-se a evolução do sujeito!), guiando imensas coletividades rumo a Deus. Remonto-os, de um modo especial, ao texto Lei Absoluta, que foi aqui publicado no dia (…) e que pode ser acessado em mensagens anteriores, abaixo.
Criador da Filosofia da Felicidade de que Eugênia é um expoente (discípula dele desde os tempos idos da Grécia Antiga), trouxe-nos, em seu primeiro contato conosco, em 1994, uma jóia de síntese sobre o assunto:
O tamanho da sua dor dimensiona a extensão da alegria que se está negando.
Anacleto parece muito afeito à maiêutica socrática – respondendo, freqüentemente, por meio de perguntas, a fim de provocar eficientemente o brotamento da sabedoria na mente do discípulo. Fala pouco, para dizer muito, sem meandros e circunlóquios, às vezes dizendo certas verdades do modo duro, como não gostaríamos de ouvir, mas que precisamos assimilar, com isso pretendendo deixar claro como nos engabelamos com nossas cirandas intelectivas, esquecendo-nos do essencial: agir .
Possa o querido visitante do Salto Quântico ter o mesmo prazer que nós, e, principalmente, edificar-se tanto quanto nós outros que já o conhecemos, com as mensagens fabulosas, normalmente extremamente sucintas e concentradas, se assim pudéssemos dizer, na lapidar capacidade de percepção e síntese desse gênio espetacular do passado, que renunciou às alturas do paraíso, para continuar lecionando nos mundos de sofrimento, ignorância e ilusão, a fim de arrastar multidões aos céus…
Benjamin Teixeira
Aracaju, 9 de fevereiro de 2001.