Benjamin Teixeira
pelo espírito Eugênia.
O anjo lhe respondeu: “Eu sou Gabriel, que assisto diante de Deus, e fui enviado para te falar e te trazer esta feliz nova. Eis que ficarás mudo e não poderás falar até o dia em que estas coisas acontecerem, visto que não deste crédito às minhas palavras, que se hão de cumprir, a seu tempo.”
(Lucas, 1:19-20.)
A história do anúncio do nascimento de João Baptista a Zacarias, seu pai biológico, traz alertas importantes para a era da ciência. Homem de mente esclarecida para seu tempo, componente das classes mais cultas do povo hebreu, Zacarias questionou a revelação recebida, por não descobrir, de pronto, motivos lógicos para que pudesse se concretizar a Vontade de Deus, já que ele e sua esposa tinham idade avançada.
Nesta era de cepticismo generalizado, as pessoas se dão por bem duvidar de tudo, contínua e irrefletidamente, fazendo disso um caso de consciência, como se atitude de crença indicasse uma certa ordem de transtorno ou limitação mental. A dúvida metódica, proposta por Renés Descartes, no seu clássico: “O Discurso do Método”, instaurando a filosofia científica moderna, em nada condiz com essa política medíocre e superficial do vulgo contemporâneo. Os grandes gênios científicos, salvo exceções raras, são homens de fé, como, por exemplo, Albert Einstein, que, a despeito de sua inteligência prodigiosa e alto saber matemático, idolatrado como o maior gênio vivo da Terra de sua geração, asseverou que o Mistério da criação nunca seria desdobrado para o entendimento humano. Somente a “intelectualada” de segundo calão, presunçosa e inconsciente dos próprios limites, muito estreitos por sinal, dá-se ao luxo e ao despautério de passar pelo ridículo de declarar não existir nada além do que as percepções diretas do homem atual possa alcançar.
Nesta era de relativo nível civilizatório, tão complexas se tornaram a existência e a sociedade humanas, que o plano do abstrato fez-se dominante. Ninguém pode pretextar discordar da existência de alguma coisa, por não poder ser vista, tocada ou mesmo analisada diretamente, por instrumentos científicos convencionais. O que é a Economia? Ou o Estado? Ou a Democracia? Alguém duvida da existência de uma instituição chamada família? Alguém põe em dúvida o amor que sente por seus entes mais queridos ou que deles recebe? E a massa ciclópica de capital financeiro, que é transferida, automaticamente, de bolsas de valores para bolsas de valores, a milhares de quilômetros distanciadas umas das outras, por meros sinais eletrônicos? Nenhuma dessas realidades, porém, é tangível ou mensurável, em termos rigorosamente científicos. E, todavia, quem seria o louco a levantar dúvidas sobre sua existência? Dizer que Deus ou a Espiritualidade que O representa não existem porque “não há provas” físicas é, no nosso entender, falta de bom senso, visto que de outra forma não seriam explicados todos os milagres inabordáveis pela Ciência, enigmas que mais se aprofundam, paradoxalmente, à medida que o conhecimento humano se amplia (em vez de diminuírem, como se esperava, no passado, que viesse um dia a ocorrer), como a finalidade o modo com que o universo foi criado.
No final século XIX, quando a ciência não havia sofrido o inchaço quase cancerígeno que afligiu departamentos e academias universitárias, no correr do século XX, em que se considerava o uso da lógica e da sensatez como formas de se aferir uma realidade, e não apenas os instrumentais mais diretos de mensuração de objetos de estudo, como tabelas estatísticas e retortas de laboratório, não se tinha dúvidas, nos ambientes mais cultos e esclarecidos da Terra, no circuito Paris-Londres-Nova York, de que o mundo espiritual era um domínio palpabilíssima da natureza.
Hoje, porém, percebemos um renascimento gradativo dessa realidade, ironicamente pelo avanço das pesquisas que permitem mensuração tão precisa, que aproximamo-nos de mensurar do não-mensurável. Como sempre, os opostos que se tocam, assim como experimentos da Física Quântica aludem a realidades propostas por grandes místicos do passado (*1).
Atualmente, relatórios sobre experiências de proximidade da morte, bem como sobre reminiscências espontâneas de outras vidas abarrotam, aos milhares, arquivos do mundo acadêmico, apenas para citar duas áreas modernas de pesquisa científica do fenômeno psíquico e sobrevivencialista (*2), fazendo diluir, inexoravelmente, as possibilidades sensatas de se negar a realidade do mundo espiritual.
“Não lanceis aos cães as coisas santas. Não atireis aos porcos as vossas pérolas, para que não as calquem com os seus pés, e, voltando-se contra vós, vos depedacem.”
(Mateus, 7:6)
E, quando desciam, Jesus lhes fez esta proibição: “Não conteis a ninguém o que vistes, até que o Filho do Homem ressuscite dos mortos.”
(Mateus, 17:9)
Por outro lado, outro campo importante de interpretação desse trecho do Evangelho de Lucas, combinando-se com estes dois versículos que selecionamos de Mateus, seria a necessidade de se precatarem aqueles que, portadores de revelações espirituais importantes, não se sintam suficientemente convictos dos mandatos divinos que portam, assim evitando divulgar prematuramente informações que sofreriam o ataque da zombaria e do cepticismo mundanos, que teria forte efeito negativo sobre seus espíritos vacilantes, eventualmente bloqueando o processo de materialização, no plano físico, das promessas divinas que se devem dar por seu intermédio ou com a participação efetiva de seu livre-arbítrio e iniciativas pessoais.
Por fim, n’outra linha exegética, podemos compreender que certas revelações, ainda que o seu mensageiro esteja cônscio de sua verdade, por inoportunas, devem aguardar tempo adequado para virem a lume, já que uma série de eventos propícios à sua chegada ao mundo ainda não tiveram oportunidade de se enfeixar no mundo das formas. Eis porque, assim, a Divina Providência, através de seus emissários, pede para que seja adiada a comunicação de tais notícias ao plano material. Por isso, Jesus, após o fenômeno extraordinário da transfiguração no monte Tabor, seguida da materialização de Elias e de Moisés, pede silêncio às três únicas testemunhas, até que se efetivasse sua passagem para o mundo espiritual. Imagine-se que ordem de movimentos populares seriam desencadeados se, a toda hora, o Mestre não pedisse sigilo e discrição aos beneficiados de seu prodigioso poder psíquico. Certamente, os eventos do Calvário, necessários à conclusão de sua missão, não teriam acontecido, já que as autoridades da época temeriam o Seu poder. E Jesus tinha que ser avaliado não por seu poder e sim por suas idéias.
Que cada um, assim, desenvolva ou preserve o seu pudor das coisas sagradas. Assim como há o pudor de partes íntimas do corpo, que têm uma correspondência simbólica com áreas profundas da própria alma, deve-se guardar muito maior recato, no que concerne às próprias coisas da alma. Não fazer isso é conspurcar o templo do espírito e se sujeitar a toda ordem de depredação e adulteração de sua natureza e propósito.
(Texto recebido em 25 de março de 2004.)
(*1) Obra seminal, para esse capítulo específico de estudos é: “O Tao da Física”, de Fritjof Capra.
(*2) Tese que propõe a sobrevivência da consciência à morte do corpo físico.
(Notas do Médium)