Benjamin Teixeira
por espíritos incógnitos.
O que vocês teriam a dizer sobre Ciência Espírita?
É uma ciência de ordem diferente. Não se podem submeter, por exemplo, os objetos de seu estudo, os espíritos, ao bel prazer dos experimentadores. Em segundo lugar, não há nenhum meio de se quantificar, estabelecer estatísticas ou medir o fenômeno mediúnico, imprevisível por natureza. Por fim, a mente mediúnica sempre interfere, alterando, filtrando com sua subjetividade, os elementos que partem das inteligências desencarnadas, dificultando mais ainda a objetividade que seria de se esperar de um experimento científico.
Sendo assim, a rigor, não existiria ciência espírita – querendo dizer: conforme o que se entende convencionalmente por ciência?
Exatamente. Não existe ciência espírita, no modo ortodoxo de se ver ciência, na civilização terrícola dos dias primários que correm. Mas se os observadores optarem por ser mais isentos em suas análises e menos exigentes no que tange a resultados, compreenderão que estão tentando medir bananas com uma balança apropriada para melancias. Eis por que as conclusões de tais estudos sempre embargam em contradições ou respostas confusas. A busca de provas pode ser algo neurótico e pouco lógico e científico, portanto. Mais do que provas dramáticas de alguma coisa, devemos buscar evidências de sua existência, até termos uma massa tão grande de dados que possamos estabelecer uma convicção quanto à sua realidade.
O que se poderia fazer, então, ante isso?
Deve-se procurar apelar para o bom senso. Nem tudo que é real pode ser cientificamente experimentado. A família, o amor, a arte existem, mas não podem ser analisadas cientificamente, na acepção mais estrita da palavra. Mas nem por isso se pode deixar de fazer uso do raciocínio científico, lógico, racional em todos os departamentos da vida, sob pena de se renunciar à própria inteligência. Por exemplo: se algo funciona, tem efeitos práticos, se já evidenciou sua existência, por inúmeros meios, não se segue que não exista apenas porque não pode ser submetido à retorta de um laboratório ou aos esquemas pré-estabelecidos (para outros campos de estudo) de análises estatísticas.
Então, quando se fala de ciência espírita…
Faz-se alusão, principalmente, à filosofia científica que lhe caracteriza a forma de se estruturar conceitualmente, de se avaliarem os acontecimentos dentro de sua ótica, e, por fim, pela preocupação prática com resultados na condução de dadas situações-controle, a partir do domínio de certas variáveis.
Mas nada disso de forma absolutamente precisa…
Exatamente. Por isso não há um enquadramento perfeito da ciência espírita no que se entende por ciência na Terra de hoje, mas nem por isso deixando de ser ciência, para quem tenha um mínimo de bom senso. Um matemático não deixará de ser matemático por fazer aproximações em equações complexas, nem um físico deixará de sê-lo por fazer uso de variáveis probabilísticas em seus cálculos sobre fenômenos observáveis. Não é outra coisa que acontece à psicologia, extremamente combatida, até nos dias que correm, pelo fato de não poder quantificar e precisar fatores para a resultante psíquica de estados mentais. A Psiquiatria, nesse particular, pelo uso de psicofármacos e pela preocupação reducionista em estudar a neuro-química cerebral, como paradigma etiológico para as patologias e funções mentais, é bem mais aceita pela comunidade científica e goza de muito maior respeito em suas asserções, por conseguinte.
Interessante vocês aludirem à Psicologia e mais ainda à Matemática e à Física. Ou seja: não apenas nas ciências humanas, mas também nas exatas existem terrenos em que a especificidade de termos e a precisão de dados não podem ser absolutas. Em outras palavras: os argumentos que se costumam levantar para atacar o Espiritismo são totalmente infundados, dentro do próprio prisma da ciência hodierna.
Certo. A questão, porém, é mais profunda, não é isso?
Sim. Poderiam falar a respeito?
Claro. Trata-se de uma perturbação profunda gerada nas pessoas, com as premissas básicas que constituem a ciência espírita. Por séculos de séculos, o homem viveu cercado pelo imponderável, pelo místico, pelo divino, pelo numinoso e, principalmente, pelas superstições, pelo terror, pela total sensação de descontrole sobre sua vida e sobre si mesmo. A Ciência Moderna propiciou essa sensação confortável de segurança, apesar de lhe roubar o tesouro maior da convicção na imortalidade e até a crença na existência de um Criador. A dor do niilismo existencial, ironicamente, é menor que a dor da perda de liberdade, da sensação de impotência e insignificância, ao menos em relação à esfera diminuta de interesses diretos dos indivíduos. Destarte, o materialismo prosperou, à medida que a ciência conseguia apresentar teses sucedâneas às arquimilenares hipóteses espirituais, que eram tidas, de sempre e até então, como verdades absolutas. Com essa ruptura com o sagrado, a humanidade amadureceu, aprendeu a pensar e a agir por conta própria, a se sentir desamparada, para que pudesse crescer de verdade, assim como a criança que precisa se sentir solta, sem o amparo das mãos dos pais, para poder dar os primeiros passos mais seguros. Agora, porém, essa época de aprendizado começou a se esgotar.
E nós vamos voltar a aceitar e perceber as realidades espirituais, sem renunciar às conquistas da razão e do intelecto…
Isso mesmo. Mas esses dias ainda vão custar um pouco em termos humanos de tempo. Mais alguns debates consumirão gerações até que a verdade, ou melhor dizendo: a realidade espiritual volte a encontrar completo respaldo na cultura humana, hoje inteiramente assentada em bases científicas.
Muito tempo quanto?
Não nos é permitido precisar quanto, mas, sem dúvida, isso dependerá dos esforços daqueles que, do plano encarnado, divulgarem e defenderem, de modo racional e, dentro do possível, científico, a tese imortalista.
Cem anos?
Um pouco… um pouco menos.
Só isso mesmo?
Acha pouco? A humanidade terrícola entrou numa curva exponencial de progresso, avançando em velocidade surpreendente em diversas áreas concomitantemente. Informalmente, as pessoas já estão se conscientizando, de modo quase cabal, da existência do mundo dos espíritos, mesmo nos centros mais importantes e civilizados do planeta. Tradições e novas descobertas científicas, Nova Era e Misticismo Oriental convergem na mente popular rumo à integração absoluta, definitiva. Em pouco tempo as pessoas rirão, em uníssono, quando ouvirem seus catedráticos mais radicais negarem o que elas saberão mais do que simplesmente acreditarão existir. Isso, por sinal, já está acontecendo em expressiva medida, em países como o Brasil, onde o Espiritismo tem enorme penetração nas classes cultas. Os próprios cientistas, seres humanos como todos, estão desenvolvendo solidamente suas opiniões a respeito, também abertas ao paradigma sobrevivencialista, e cada vez menos terão acanhamento de apresentarem publicamente essas visões pessoais.
Desde Hollywood, que parou de fazer de conta que acredita e escancara a convicção de milhões a respeito, às conversas de botequim, de Tóquio a Nova York, ninguém mais ri com facilidade de histórias que gravitem em torno de manifestações dos mortos, fenômenos paranormais e saídas do corpo. Apenas um corpo de idéias, de ordem científica e filosófica, com propostas religiosas, está faltando a toda essa gente, à civilização terrena como um todo.
O Espiritismo…
Exato. Urgente, portanto, uma aplicação mais efetiva em sua divulgação, pelo dramático de sua necessidade para os dias críticos que correm. Uma massa informe de crendices populares, mitos indígenas e arcaicos e fetiches culturais se misturam criando muita confusão, nesse momento histórico, nessa tendência cultural e psíquica, uma onda evolutiva irreversível, na mente coletiva da humanidade terrena. As pessoas buscam e apelam para tudo, pela fome espiritual imensa que sentem, sem saber para onde ir. É a hora em que campeiam charlatães e gente despreparada, para apresentar uma cosmogonia coerente, um sistema completo, lógico, uniforme e razoável, para questões tão complexas como as que atinem ao sentido de destino, de propósito do ser humano, e ao mesmo tempo sem fugir ao sistema de valores e à realidade tecnológica e científica da mentalidade moderna.
Somente uma visão científica, portanto, poderá ter efeitos assim. Somente o Espiritismo, não é mesmo?
Sim. Muito embora o enorme respeito que nos mereçam todas as grandes religio-filosofias orientais, com suas tradições milenares, como o budismo, o hinduísmo, o taoísmo, o xintoísmo, assim como as correntes esotéricas ocidentais, dando um destaque especial à Teosofia, nenhuma delas tem base científica. Todas, em maior ou menor medida, são dogmáticas e doutrinárias, fulcrando seus fundamentos em textos ditos sagrados ou em mestres considerados iluminados. E, inobstante também todas essas correntes de pensamento espiritual e seus extraordinários luminares e expoentes tenham contribuído inestimavelmente para a orientação de milhões, bilhões de criaturas no correr de séculos, não têm mais condições de se fixar à mente popular, sem uma abordagem racional, experimental, pragmática – exatamente o que é o Espiritismo em sua própria estrutura de identidade. Por isso, indubitavelmente, o “espiritismo francês”, como conhecido em círculos fechados de estudiosos do assunto na Norte-América, é a solução, a resposta e o caminho para as aflições do homem e da mulher modernos.
Algo mais deve ser dito sobre isso?
Sim. Que o Espiritismo não substituirá as doutrinas, religiões e filosofas do passado e do presente, mas será para todas um referencial filosófico que, gradualmente, será incorporado por todas, uma metodologia indispensável de pensar, agir e interagir no mundo moderno, com uma perspectiva espiritual de vida. Massas enormes integrarão as fileiras espíritas, mas muitos continuarão católicos, protestantes, budistas, mas aceitando e compreendendo todos os fenômenos hoje estudados pelo espiritismo, da mesma forma científica que faz o espiritismo, e procurando integrar suas experiências místicas e psíquicas, intuitivas e mediúnicas ao cotidiano material, assim como propõe também a “doutrina” de Kardec. Com isso, como disse Jesus, há dois mil anos, aqueles que O seguirão “estarão no mundo, sem serem do mundo”.(*)
Mais algo a dizer?
Não. Satisfeitos.
(*) Os Espíritos Superiores ratificam a tese de Lèon Denis, para quem, segundo a famosa máxima espírita, “O Espiritismo não é a religião do futuro, mas o futuro das religiões”. (Nota do Médium).
(Diálogo travado em 19 de junho de 2002.)