Benjamin Teixeira
pelo espírito Temístocles.
A mediunidade é um sistema psíquico complexo, já que implica imbricações da mente comunicante com a mente receptora, fulcrando-se no já complexo sistema mental humano, em situações não-mediúnicas.
Você já deve ter passado inúmeras vezes por aquela situação corriqueira, em que pára no meio de uma fala qualquer, para voltar sobre o que disse e corrigir uma impropriedade no uso vernáculo. O mesmo você faz, sem se dar conta tão claramente, no que concerne a conceitos pré-condicionados pela cultura, pela família, por você mesmo em suas conclusões pessoais. Por exemplo: começa a se enraivecer com sua mãe, pressupondo que ela foi egoísta em certa atitude, mas, por ter uma imagem dela de “mãe santa e sacrificada pelos filhos”, imediatamente diz para si mesmo: “Não! Não! Isto é porque ela está cansada”. Ou percebe que seu esposo flertou com a moça ao seu lado, mas, imediatamente, diz de si para consigo mesma: “De modo nenhum – ele jamais faria isto comigo, ainda mais na minha frente!”.
Acontece o contrário também, é óbvio. Não estou pretendendo dar uma perspectiva pessimista-cínica. Assim, digamos, alguém fala: “É claro que a intenção dela é aparecer. Ninguém é tão caridosa assim.” E, de fato, está-se observando alguém genuinamente amoroso e espiritual. Ou: “Ele não pode me amar tanto; certamente pretende apenas me controlar e me possuir.” E está-se inferindo isto de alguém que realmente sente e demonstra afeto pela sua julgadora improvisada.
Existem, na mente, sistemas auto-reguladores e auto-fiscalizadores continuamente se interpenetrando e se interinfluenciando. A loucura, como definição de desconexão com a realidade, é, assim, um conceito mais amplo ou uma realidade mais generalizada do que se imagina. Mesmo porque quem, medianamente informado e lúcido, arrogar-se-á a ter uma visão objetiva e última da realidade? E o que poderia ser a realidade última das coisas? Os maiores sábios de todos os tempos até hoje se debatem com elucubrações profundas, neste campo de conjecturas altamente subjetivas e abstratas e, provavelmente, o mais próximo da verdade que algum deles tenha chegado está exarado na célebre máxima de Sócrates, o grande filósofo grego: “Quanto mais sei, mais sei que nada sei”.
Nem fazemos idéia do quanto usamos lentes permanentes sobre os olhos da mente, desfocando, distorcendo e dando um colorido específico a tudo que observamos, conforme nossos pressupostos de verdade, nossa biografia, tendências idiossincráticas e inclinações adquiridas em outras existências, bem como circunstâncias culturais, históricas e familiares da atual reencarnação. Até fatores hormonais e psicológicos menos profundos, como uma queda na produção de certo neurotransmissor, por falta de um substrato necessário à sua confecção (*1) ou uma contrariedade que tivemos com familiar antes de sair de casa influenciam, consideravelmente, nossa forma de ver, sentir e reagir ao mundo, levando-nos a ser mais ou menos otimistas, mais ou menos pragmáticos, mais ou menos espirituais.
Agora vejamos quão complicada se torna a questão da mediunidade quando lembramos que, a rigor, o transe mediúnico provoca uma inter-fusão psíquica entre espírito comunicante e médium, sendo o trabalho mediúnico a resultante de todos os processos mentais complexos decorrentes de tal fenômeno, com as duas mentes simultaneamente se retro-alimentando, tanto positiva como negativamente. Por isso, preconceitos, limitações intelectuais e mesmo temperamento emocional alteram substancialmente o trabalho mediúnico, não importando a elevação do espírito que se comunica (um espírito de respeitável patrimônio evolutivo logra, tão-somente, amenizar tais efeitos de refração mental, sem neutralizá-los de todo).
Vejamos então o que acontece cotidianamente, neste particular – e você vai se recordar de inúmeras vezes ter padecido, pela intuição, ocorrências congêneres. Um guia espiritual insufla determinada idéia ao seu protegido que, mesmo sendo médium ostensivo, naquele momento funciona, tão-somente, como pessoa comum (não-médium-ostensivo) recebendo inspiração (a mediunidade é fenômeno descontínuo, nem sempre um médium ativo percebendo a outra dimensão claramente). “Não entre por esta rua. Há um acidente que dificulta o tráfego e você vai atrasar para seu compromisso.” E o sujeito então pensa, de si para consigo, recebendo a indução mental, pelo fenômeno de ressonância psíquica: “Tenho a sensação de que não seria bom entrar por esta rua… que posso atrasar… que tem alguma coisa atrapalhando o trânsito…” E, em seguida, adiciona, fazendo uso do centro decisório ego-razão: “Que bobagem! Claro que não! Este é o melhor caminho, o mais curto e rápido, e não posso arriscar-me a palpites, em cima do horário marcado para a reunião.” E, então, você já sabe o que acontece. O tal sujeito fica a esbravejar e a se condenar, no engarrafamento, por não ter “dado ouvidos” àquela intuição.
Mas imaginemos uma situação mais clara ainda. O espírito se comunica com médium ostensivo, num momento em que ele está com sua sensibilidade mais aflorada, e em que, portanto, ouve ou vê mais nitidamente, além dos cinco sentidos físicos. Diz a entidade comunicante: “Homossexualidade não é problema psicológico nem moral. O comportamento sexual é que pode indicar distúrbios psicológicos ou espirituais.” E o médium, então, de formação conservadora, filtrando toda a comunicação pelos crivos de seu inconsciente, ouve, sem ter a menor idéia de que deturpou totalmente o comunicado: “A homossexualidade é um problema psicológico e moral. O comportamento de homossexuais BEM REVELA distúrbios psicológicos e espirituais.”
Quando há preconceitos inseridos estruturalmente na mente de um indivíduo (há preconceitos mais brandos, já questionados pelo próprio portador deles, e que, por isto mesmo, agem menos no plano inconsciente, podendo ser contestados e, assim, superados, no momento da comunicação mediúnica), e todos temos preconceitos e esquemas conceituais relativamente cristalizados na alma, fatalmente há distorções de conteúdo e, com isto, teremos a mensagem com uma cor conceitual concorde a formação intelecto-moral do medianeiro.
E, apesar destas considerações tão importantes, temos que deixar ainda mais complexa a questão: não podemos dizer aos médiuns que tentem não pensar e não filtrar as mensagens, porque, sendo processo automático, acontecerá todo no nível inconsciente da mente, sendo, portanto, tal filtragem ainda mais perigosa e questionável. Deve-se é exortar todo intermediário responsável a que estude, a que se policie, a que verifique com cuidado e tente anular todas as influências egóicas nos comunicados espirituais de que se faça canal.
Em situações ou comunicados mais simples, como as que apresentamos acima, já existem interferências visíveis. Que não diremos ocorrer em raciocínios complexos, que demandem a existência de vasta cultura e inteligência afiada por parte do intérprete mediúnico, para não serem deploravelmente degenerados ou simplesmente não transmitidos? É por isso que, freqüentemente, médiuns centrados e maduros, mas sem inteligência ou estrutura psicológica para traduzir o que captam, dizem apenas, em transe: “Vejo uma Luz intensíssima e me sinto inundado de paz. É um grande espírito que está aqui.” Às vezes, chegam a descrever o aspecto “físico” (perispíritico na realidade) do espírito, mas não dizem absolutamente nada do que a entidade quer falar, a não ser palavras soltas, amiúde sem sentido, quando chegam a tanto (*2). Alguns mais ousados chegam a transmitir um ditado, em construção lingüística lamentável e com encadeamentos de raciocínio perceptivelmente corrompidos, levando o cepticismo aos mais esclarecidos que ouçam sua descrição-comunicação mediúnica de uma “entidade do plano superior”. Destarte, uma pessoa instruída presente pode confabular, silenciosamente, com seus próprios botões: “Um ser superior não diria uma asneira destas” ou “O conteúdo final parece ser bom, mas um ser superior não cometeria tal falha de lógica quando expressasse sua boa intenção”. E, depois disto, ter sua fé abalada e quiçá nunca mais se interessar pelo assunto, a prejuízo dela e de quantos por ela forem influenciados.
É por isto que, como dito a Kardec no século XIX, os espíritos responsáveis pelo adiantamento da humanidade procuram, para transmitir seu pensamento no plano físico de vida, não necessariamente os médiuns mais dotados de sensibilidade psíquica, mas aqueles que apresentam um conjunto de características complexas, conjugadas, como inteligência multifacetada (uma só, como a analítica ou apenas a lingüística, seria insuficiente), cultura geral vasta, abertura a idéias novas (o misoneísmo é vício mais generalizado do que se cogita), acentuado senso auto-crítico, sincero desejo de aprender e se auto-aprimorar, honestidade e, principalmente, idealismo altruístico. Quase sempre, por conseguinte, como dá facilmente para deduzir, tais médiuns são componentes de nossa comunidade de espíritos mais amadurecidos no carreiro evolutivo, que reencarnam, para melhor nos traduzir a psicosfera e as características singulares de nossos paradigmas e mundividências. Dizendo isto, não há qualquer pretensão de superioridade em nossa fala, como poderia soar a ouvidos menos atentos, porque falamos como estudantes do terceiro grau que monitoram os estudos de crianças no ensino fundamental. Não somos mestres PhD na ciências da vida. Somos os calouros da faculdade, precisando trabalhar em outro turno tomando conta de crianças. Não há, sendo assim, nenhum sentimento de vanglória, mas de reconhecimento de um fato, com implicações sérias, no campo da responsabilidade pessoal e coletiva de nosso grupo de almas mais velhas, ante o concerto das crianças espirituais que nos cabe conduzir a níveis mais altos de consciência, por lento e laborioso processo de educação, século sobre século… Somos nós que nos comunicamos diretamente com a Terra, não Eles. Os Grandes Anjos, como Maria e Jesus, Buda ou Lao-Tsé, raramente se comunicam diretamente com os que jazem atolados no cipoal das encarnações físicas, muito menos facilmente reencarnam, em pessoa, nos proscênios do mundo material.
Sem dúvida, é difícil encontrarmos, na Terra, gente muito apta, com o perfil psico-moral que apresentamos, para tal gravíssimo mister – qual seja o de canalizar a fala dos orientadores desencarnados da comunidade humana encarnada no orbe. Por isto, freqüentemente, fazemos uso de instrumentos menos apropriados, que trazem a público, amiúde, textos de qualidade duvidosa, que despertam o escárnio, não-raro, dos instruídos-hebetados-do-espírito. Na Terra, amiúde, até encontramos pessoas inteligentes e bem capacitadas culturalmente a esta nobilíssima e delicadíssima função, mas lhes faltam os elementos fundamentais, de ordem moral: o idealismo, o desejo ardente de servir ao próximo; ou os encontramos com tais atributos, mas não descobrimos neles nenhuma aptidão mediúnica. Os capazes do mundo andam muito preocupados em usar sua capacidade a seu próprio benefício e de sua parentela biológica tão-somente. E muitos dos que se julgam bons, se tivessem mais talentos intelectuais, talvez se surpreendessem resvalando nas mesmas tentações que condenam nos outros, mais competentes intelectualmente. Poder, dinheiro e prestígio social ainda são as metas de esmagadora maioria dos mais bem dotados de inteligência. E, quanto aos medianos, a massa esmagadora é dos que querem uma vida confortável e segura, e apenas isto. Tal assertiva pode soar a desapego, e, normalmente, constitui apenas falta de paixões, de disposição a realizar e a viver – em outras palavras: falta de idealismo, no melhor sentido. A preguiça e a covardia, na Terra, fazem morada dominante no espírito de expressiva maioria de seus habitantes. A maldade não é tão proliferada quanto se imagina. Mas a indiferença e o tédio… sim, enorme presença marcam na civilização terrícola hodierna, e, por isto mesmo, dão espaço largo a que a perversidade e a tara de poder e posse de uma minoria calculista e fria tomem conta de quase todos os instrumentos de poder da comunidade planetária.
Este é um sério alerta que apresento em nome da comunidade dos espíritos guias da humanidade, acima de nós. Você, amigo, mediano ou excepcional, com distorções ou com maior fidedignidade, deve se colocar, em todos os departamentos de sua vida, do familiar ao profissional, ainda que não seja dotado de faculdades mediúnicas ostensivas, na condição de representante do Plano Superior de Consciência, a fim de que, alinhando-se mentalmente, pela intenção de fazer o bem e de servir ao próximo e à coletividade, traduza o pensamento dos embaixadores divinos desencarnados, fazendo-se, você mesmo, um porta-voz de Deus na Terra. Em situações prosaicas do dia-a-dia, como numa festa popular (*3) ou num bate-papo informal com amigos, pode você estar prestando serviços de envergadura muito maior do que por ora possa dimensionar.
Criemos esta rede planetária de consciência cósmica. Existimos para servir, para ser úteis, para fazer o bem a nós mesmos e aos outros (não há bem verdadeiro que não tenha implicações coletivas), para sermos promotores do progresso, da paz e da felicidade gerais, cada um ao seu modo, com seus talentos próprios, com os recursos que tem ou que pode vir a ter às mãos.
E, mesmo mantendo sempre em mente (precisamos manter, para errar menos) que deturpamos o pensamento e as intenções dos Grandes Anjos que, acima de nós, dirigem a humanidade, façamos sempre o nosso melhor, orando e invocando a assistência superior, antes de cada atividade a começar, seja de lazer, de trabalho ou de estudo, preservando o desejo de sermos úteis, sempre possível, e, estejamos certos: mais do que logramos por ora conceber, teremos nossos esforços e nossas iniciativas potencializados ao infinito, a nosso e a bem de tantas pessoas quantas estejam no nosso raio pessoal de influência.
(Texto recebido em 13 de agosto de 2005.)
(*1) A serotonina, por exemplo, intimamente correlacionada à sensação de felicidade, não dispensa o triptofano, substância encontrada em chocolate e banana… Pois é, “chocólatras”… há explicação científica para a alegriazinha que sentem ao ingerirem doses de chocolate (risos).
(*2) Às vezes, a incapacidade de captar a onda mental do comunicante decorre da alta freqüência espiritual (de intenções e sentimentos) do espírito, em relação ao nível de elevação moral do médium, e não propriamente de limitações intelectuais; além de o próprio espírito talvez não desejar, mantendo-se nesta alta vibração espiritual, ser “ouvido” pelo medianeiro encarnado.
(*3) Eu fui – permitam-me revelar intimidade minha – salvo do afogamento, ao sete anos, por um garoto de oito, numa festa de aniversário infantil. Tentaram me matar – ah… a crueldade infantil… – e um garoto mais velho – do segundo ano do ensino fundamental – salvou-me.
(Notas do Médium)
Aviso:
Pela extensão e complexidade do tema, este texto figurará como “mensagem do dia” até as 24 h de amanhã, quarta-feira, 17 de agosto de 2005.