por Benjamin Teixeira.
O médium respirou fundo algumas vezes… e… incorporando um indígena truculento, passou a estapear as faces da mulher à sua frente, a primeira da longa fila de pessoas que aguardava receber o benefício sagrado do passe. De faces esfogueadas e aturdida pela pancadaria inesperada, saiu a mulher da câmara de “fluidoterapia” clamando, quase histérica: “Ele está obsediado!” A fila se desfez imediatamente, com todos retornando a seus lares, confusos…
N’outra ocasião, o mesmo médium foi interrompido no meio de uma fala sua, entre amigos, engasgando-se, sem conseguir pronunciar mais uma palavra, ficando rubro e angustiado, acabando por abaixar a cabeça, humilhado e vencido. Mais uma vez, alguém exclamou: “Está obsediado!”. E logo providenciaram o ministramento de passes ali mesmo. Pobre coitado!…
O médium, que era muito conhecido, era visto, com freqüência, a braços com amigas e amigos, desfilando, amoroso, por toda parte, entre afagos e atenções especiais, em público. Um outro médium, abalizado e respeitado, da capital mineira, despachou-lhe, então, severo alerta: a nossa personagem deveria ter cuidado, pois estava sendo vítima de perigoso processo obsessivo, para perdê-lo em “licensas morais inconfessáveis”…
O médium a quem aludimos nestes rápidos relatos é Chico Xavier, o famigeradíssimo intermediário dos espíritos superiores, que recebeu 412 livros de sua “pena mediúnica” e deixou outros ainda a serem publicados, inspirador de obras de caridade espalhadas por todo o território nacional, que oferecem socorro material e educação a miríades de milhares de criaturas carentes. Sua aura, conforme medido por cientistas da Nasa, na década de sessenta do século passado, tinha, nada menos que 10 m de raio, 20 m de diâmetro! (o ser humano médio tem alguns centímetros apenas), indicando a sublimidade de seus sentimentos e a grandeza de sua alma. Espírito santificado e nobre, estava muito acima do entendimento vulgar, mas, por muitas vezes, foi acusado de charlatão, inclusive por seu próprio sobrinho, em 1958, no mais famoso semanário da época, o Cruzeiro, como já tivemos oportunidade de relatar neste site. A vaidade, a arrogância, a presunção quase sempre tomam a feição de malícia e calúnia, por não aceitarem a superioridade que não conseguem admitir e, assim, fazem interpretações totalmente distorcidas do que observam.
Diante desta perspectiva, voltemos à leitura dos mesmos eventos acima narrados, de uma ótica mais apropriada, porque devidamente explicada, o que, propositalmente, não fizemos num primeiro momento, para que o prezado leitor notasse como é fácil qualquer um de nós incorrer em falsos julgamentos.
A estranha sessão de passe.
Chico tinha uma falha relativamente lisonjeira para sua alma santa: não sabia dizer não. Muita gente, sabedora de suas magníficas capacidades mediúnicas, procurava-o para receber transfusão de forças mentais, a troco de tudo e de nada. Emmanuel, seu guia espiritual, certo dia, então, disse: “Vamos acabar com esta viciação de uma vez por todas”; e, em seguida, convidou um indígena desencarnado de bom coração, mas de maneirismos poucos delicados, para “ajudar” Chico na sala de passe. O resultado, como esperado por Emmanuel, foi excelente: nunca mais se formaram filas atrás de passes de Chico, que pôde, por conseguinte, trabalhar em paz, canalizando suas preciosas energias psíquicas para a obra gravíssima da psicografia de livros, que lhe era o propósito de estada na Terra.
O silêncio repentino.
No segundo episódio “descrito”, os conhecidos de Chico se confiavam a falatórios livres a respeito de política, destacando aspectos menos encomiásticos de personalidades públicas da época, e, instado o médium a apresentar sua opinião, logo após iniciar a expender suas idéias, o espírito Emmanuel interrompeu-o bruscamente e determinou silenciasse o que houvesse a falar de negativo de alguém, se não houvesse nada de positivo a falar. Para quem estava de fora, a cena pareceu esquisita. Chico afigurava-se desajustado e atormentado por gênios invisíveis do mal. Por dentro, Chico estava em prece, devoto e obediente à orientação do plano superior. Extremamente humilde, porém, não se explicou, inclusive para não ferir os brios morais de quem se confiara ao culto mesquinho da fofoca, preferindo passar por “obsediado infeliz”.
As cenas de intimidade em público.
Transbordante de amor universal, Chico tinha o hábito invulgar de andar de braços dados com mulheres e homens. À época, era até comum verem-se mulheres de braços dados, mas não homens. Obviamente que a malícia do mundo enxergaria expressões de leviandade se não de promiscuidade em sua conduta. Afetuoso e sincero, Chico, entretanto, tinha comportamento afetivo ilibado, no seu caso desdobrado em rigorosa disciplina monástica.
Preste atenção ao que vê. Sobretudo, afaste-se de prejulgamentos automáticos: normalmente pecam pela impropriedade, por utilizarem velhos modelos em avaliação de situações novas. E, principalmente, tenha cuidado para não tomar como um igual alguém que, talvez, ao menos no aspecto em foco de sua observação, esteja muito à frente de você, no carreiro evolutivo. Isto não representa propriamente uma superioridade, mas um maior desenvolvimento, e assim como uma criança não poderia compreender as equações complexas de um catedrático em matemática avançada, com freqüência incorremos em deploráveis injustiças, quando nos precipitamos a fazer juízos de valor sobre quem ou o quê está acima de nosso nível de compreensão, particularmente aqui aludindo às questões morais.
As almas nobres estão entre nós, não apenas no plano espiritual, mas também encarnadas. Não propriamente santas como Chico Xavier, mas espíritos de escol que desceram aos proscênios carnais para catalisar o progresso da humanidade. Estão aqui em grande número. Poderíamos dizer que aproximadamente um terço da humanidade componha este circuito de personalidades honestas e idealistas, que lutam por servir corretamente à sociedade, à família, aos seus entes queridos, aos seus ideais (Este percentual, inclusive, foi fornecido pelo próprio Chico Xavier, no seu clássico: “Voltei”, assinado pelo espírito: “Irmão Jacob”). Pais de família, mães sacrificadas, professores dedicados, funcionários públicos decentes, empresários trabalhadores, até mesmo políticos honrados (embora se possa dizer que sejam uma minoria nesta categoria). Dentre este um terço, alguns são grandes mestres do espírito, realmente muito à frente da média popular, que pelejam arduamente por se ajustar a um mundo cheio de hipocrisias, sendo, amiúde, muito mal-interpretados em suas iniciativas e atitudes pouco compreensíveis para quem vive em função dos interesses egóicos, materiais ou sexuais. Mas existem, e, não raro nos acotovelamos com eles, em meio à multidão.
Que tenhamos maturidade e lucidez acendrados, para que não maltratemos e atrapalhemos o serviço de gente digna, que representa o plano superior de vida entre nós, e que cumpre mandato superior de trabalho, em todas as áreas de atuação humana, do mundo acadêmico e religioso ao empresarial e político.
Não espere deles santidade, nem imagine que não cometam erros. Não são anjos: são almas humanas, com carências e contradições humanas, partilhando de conflitos e frustrações como todo mundo. Mas, se aqui ou ali podem cometer deslizes, atentemo-nos ao valor geral de seu trabalho e à extensão do bem que fazem, porque cada um de nós será avaliado pelo conjunto de sua obra e não por particularidades isoladas de sua caminhada. E, mesmo que os considerando falíveis e limitados, por serem psiques mais devolvidas, com freqüência se lhes imputará como deslize o que poderá constituir, em verdade, seus maiores acertos…
Oremos e vigiemos, porque, como disse Jesus, com a medida com que julgarmos, seremos julgados. E se alguém é duro com quem se devota a dar o melhor de si para os outros, contribuindo substancialmente para a evolução coletiva, que tipo de julgamento sofrerá esta criatura?…
(Texto composto em 17 de novembro de 2005.)