Benjamin Teixeira
pelo espírito
Anacleto.

Anacleto, a mediunidade é um tema que desperta enorme curiosidade entre as pessoas. Você teria alguma coisa a dizer sobre o assunto?

Sim. Existe enorme preocupação com o fenômeno que, de fato atrai, fascina e entontece as pessoas, fazendo-as desviarem a atenção para aspectos menos importantes da realidade humana, fazendo-as esquecerem do essencial. Quase sempre o assunto mediunidade é circundado de desajustes, pelo fato de amiúde ser posto, por aqueles que lidam com ele, na condição de agentes ou assistentes, como prioritário ante outras questões, que realmente são fundamentais para a plenitude humana. A mediunidade existe como um instrumental a mais para a espiritualização do ser humano. E não o contrário: não é o tema de espiritualidade que existe para propelir ao desenvolvimento das faculdades mediúnicas.

Que dizer para aqueles que têm enorme curiosidade em torno do tema?

Que verifiquem se não estão se deslumbrando excessivamente com o tópico errado. Está-se na Terra, para ser feliz, para se expandir a psique, rumo a níveis cada vez maiores de percepção, vivência e significado, e não para o fascínio com temas inapropriados à transcendência da realidade humana. Buda chegou a alertar seriamente para o perigo ao sugerir prudência com relação ao interesse com a metafísica. Jesus, por seu turno, falando a Nicodemos, um mestre israelita em espiritualidade, disse: Se falo de coisas humanas e não me entendeis, que direis quando vos falar de coisas celestes?. Claro que o assunto é válido, como matéria ilustrativa, como elemento enriquecedor da busca espiritual, mas não pode ser confundida com a própria busca.

Então, o exercício da mediunidade pode ser perturbador?

Atenção para a exata colocação de nossas idéias. A mediunidade é tão perturbadora como a inteligência. Não é a inteligência que leva à perpetração de crimes diabólicos, mas o mau uso dela. Da mesma forma, existem modos altamente destrutivos da aplicação da mediunidade. Todavia, assim como há o gênio do bem, também existe o médium que se devota ao serviço do ideal. Nem a inteligência nem a mediunidade são fins, mas ferramentas ou meios para se atingir uma meta maior: a plenitude do Si.

E o que seria isso?

Num sentido amplo, seria o desdobramento completo dos potenciais divinos que dormitam em cada criatura, o que demandará séculos de séculos para acontecer por inteiro. Num sentido mais imediato, constitui o processo de desenovelar o próprio ser, de modo completo, conforme o estágio atual de evolução, o processo do tornar-se a si mesmo, dia a após dia, rumo a níveis progressivamente mais altos de excelência e perfeição. Seria o que Jung (*1) denominou de individuação.

Tem alguma sugestão para favorecer ou acelerar esse processo?

Sim. Oração, auto-conhecimento, trabalho e estudo contínuos. As experiências psíquicas ou estados alterados de consciência, entre eles os mediúnicos, entrariam como um apêndice secundário, como fonte adicional de estímulos e informação, sem o caráter de essencialidade, de indispensabilidade dos quatro primeiros.

Dos quatro parece que o mais envolto em mistério é o segundo: o auto-conhecimento. Teria alguma sugestão para facilitá-lo?

Sim.

1. A prática do exame de consciência é o mais tradicional e universalmente conhecido. Fazer uma vasculha de todos os atos, ao final de cada dia, a fim de avaliar o quanto de erro e de acerto existiu no próprio comportamento, o quanto o indivíduo se aproximou da totalidade do si, do ideal de fraternidade, de amor, de sabedoria e de paz.

2. Uma outra forma muito eficaz de auto-descoberta é a prática da confidência aberta com pessoas da mais estrita confiança, sejam amigos, parentes, conselheiros religiosos ou terapeutas. O contato com a visão do outro alarga o conhecimento de si, em medidas exponenciais.

3. Outra técnica extremamente reveladora de si é observar as projeções psicológicas, as reações ao semelhante, em todos os níveis e tipos de relacionamento interpessoal. As interações com o outro, os padrões doentios ou saudáveis, as forças destrutivas ou construtivas, nos contatos íntimos ou superficiais, dizem profundamente de quem se é.

4. Sugeriria, outrossim, a prática do diário de emoções, sentimentos e pensamentos. Algo que se faça sem nenhuma intenção literária, de forma livre, sincera, aberta, inteira. Ideal mesmo que se crie o hábito de destruir ou deletar tudo que se escreveu, após o exercício, não só a fim de se evitarem constrangimentos, caso venha o material a ser descoberto por outrem, como, principalmente, para que se fique completamente à vontade para se escrever sem escrúpulos e retratar para si, com fidedignidade, o que vai por dentro da própria alma. A prática de escrever favorece a concatenação de idéias confusas e mesmo da corporificação de conceitos ou sentimentos, impressões ou idéias por demais vagos ou mesmo desconhecidos, que pervaguem no fundo da semi-consciência ou da completa inconsciência, quase sempre de figadal importância para o processo de auto-análise.

5. Outro modo ótimo de se conhecer é conhecer o gênero humano. A prática do estudo de temas psicológicos e a observação acurada do outro revela muito sobre si. O ser humano, em suas estruturas gerais, muito se assemelha. Mergulhar no universo do outro quase sempre implica, em grande parcela, numa imersão em si mesmo, muito embora, amiúde, com distorções. Sair de si, paradoxalmente, portanto, é uma das mais eficazes formas de se voltar para si mesmo, conhecer-se, nutrir-se, acalentar-se, estimular-se e vencer-se.

Mais alguma coisa a respeito gostaria de dizer?

Que cada um aprenda a ouvir a voz do próprio coração. Veja que não falei apenas consciência, mas a voz da alma. A voz da consciência pode ser confundida com a voz do preconceito, daquilo que, da voz espectral que Freud(*2) denominou superego. A voz da razão, por sua vez, pode ser trocada com a voz do interesse imediato ou do cálculo da vantagem pessoal. Já a voz do coração, do ideal – e não propriamente das paixões ensandecidas, imediatistas, infantis – a voz que trata dos objetivos que inflamam o que há de mais nobre, digno e elevado no ser humano, essa voz será sempre o melhor guia para os caminhos da paz, da felicidade e da plenitude. As vozes psíquicas, mediúnicas ou paranormais, assim como as vozes dos líderes, mentores ou textos sagrados que entrarem em consonância com essa voz, ótimo: sejam seguidas. Todavia, onde houver dissonância com esse padrão axial de virtude, jamais se busque calá-la em função de se seguir autoridades externas. Deve-se ser humilde e lúcido o bastante, para sempre estar aberto a aprender, a ouvir, a ler a opinião e os pensamentos alheios, mas, em última análise, o poder decisório sobre valores, conduta e metas de vida deve ser sempre e exclusivamente da alçada do próprio indivíduo, conforme essa ausculta profunda de si. O que importa, portanto, é desenvolver o contato profundo com o próprio eu, num nível nobre, de altruísmo, sabedoria e busca de crescimento constante. Todas as demais informações e sugestões devem estar em função dessa perspectiva de autoridade e autonomia íntimas, sejam provenientes de guias espirituais, líderes religiosos, textos ditos sagrados ou verdades tidas como eternas e divinas. Se algo for realmente de Deus, passará pelo crivo da consciência, do coração, da alma, ou não será de Deus.


(Diálogo travado em 17 de setembro de 2001.)