Benjamin Teixeira
em consulta ao espírito Eugênia.
(Benjamin) – Querida Eugênia, o que dizer a uma pessoa que deseje consultar cartomantes, tarólogos, jogadores de búzios, astrólogos e congêneres?
(Eugênia) – Não há nada de errado, em tese, em se buscarem oráculos, apesar de o preconceito dos mais puristas, em matéria religiosa, prontamente apresentar uma negativa radical a esta questão. Mas, sem dúvida, constitui grande perigo, pela delicadeza, complexidade e dubiedades das forças e das implicações em jogo, que exigem uma maturidade psicológica e espiritual dificilmente encontrável nos consulentes desta ordem de profissionais.
O produto de uma consulta psíquica costuma ser perseguido como resposta a conflitos ou crises existenciais, quando deve ser interpretado como uma provocação a novas elucubrações, um enriquecimento temático na controvérsia vivida no mundo íntimo, ou, no mínimo, como um grande ponto de interrogação. As consultas psíquicas servem à guisa de propostas de estudo ou de reflexão, como fonte de inspiração e sugestão de caminhos; não, entretanto, como se pretende enxergá-las: um repositório de verdades incontestáveis. As experiências de intercâmbio mediúnico ou de leituras paranormais e/ou intuitivas não se prestam nem mesmo como conduto seguro de informações. A ampla e complexíssima teia de fenômenos psíquicos produz, de um modo geral, resultados altamente subjetivos, carregados de elementos simbólicos (até quando se pretendem precisos), carecendo de criteriosíssima análise de eventuais significados, por parte não só de quem é o “sujet” (*1) do processo, como também de quem é destinatário da mensagem final. Além do quê, neuroses, traumas, quesitos autobiográficos do canal (*2), entre outros fatores imponderáveis, entram na “receita” do “bolo” que é entregue ao cliente, por mais honesto ou preciso seja o profissional procurado.
Importante ter-se em mente que, mais do que em indivíduos ou recursos externos, é, essencialmente, no universo interior da própria criatura que serão encontradas respostas para suas perplexidades e dilemas existenciais. Ainda que auxílios ou subsídios salutares venham de fora, somente na medida em que encontram ressonância, no âmago do psiquismo de quem recebe, têm potencial, semelhantes socorros, para serem devidamente assimilados e aproveitados. E, lamentavelmente, não é este, de modo ordinário, o estado de espírito de quem tem o hábito de se consultar com peritos em trabalhos psíquicos. Muito pelo contrário, costumam ser, de forma geral, tais viciados na droga fascinante das experiências místicas, supersticiosos, exageradamente crédulos, inclinados à idolatria, distantes do bom tino crítico e mesmo do bom senso. O simples propósito de consultar o “sobrenatural”, como sentem fazer os clientes habituais de consultores psíquicos, já indica um desvio de foco, porque os processos paranormais nada têm de anormais ou sobrenaturais, sendo regidos por leis espirituais ou princípios psicológicos que precisam ser conhecidos e compreendidos a fundo, para que não se façam muito mais lesivos do que construtivos, como é sua razão de ser.
É claro que o interesse pelo assunto esotérico revela uma propensão à espiritualidade genuína, uma sensibilidade mais acurada ao religioso e ao moral. Esta tendência – da curiosidade em torno do paranormal –, inclusive, indica uma antecâmara do processo de despertar para níveis mais altos de consciência, para valores mais abstratos e nobres que a mera sobrevivência no mundo material e a auto-afirmação no seio social. Mas, de modo nenhum, deve ser confundida com o processo de iluminação, a mentanóia, a transcendência. O misticismo barato e a cultura superficial da auto-ajuda constituem o bê-á-bá da “sacralidade” profunda, do misticismo autêntico, que é, em última análise, indefinível e intransferível.
Por outro lado, historicamente, a consulta a meios metafísicos de informação e interpretação de eventos, pessoas e objetos sempre foi prática na humanidade. Inclusive, foi graças a ocorrências de ordem mediúnica que as principais religiões do mundo surgiram, tanto quanto grandes realizações e descobertas científicas se deram por interferência dos “insights” criativos que provieram destes métodos inusuais de pensar, sentir e ver o mundo. Indo além, pode-se mesmo asseverar que, mais do que um fator etiocivilizatório (permitam o neologismo) do passado ou de um resíduo cultural, em tempos presentes, de atavismos inteiramente anacrônicos, trata-se, esta busca do psíquico, de uma tendência para o futuro que se dilatará, no correr dos séculos, à medida que as faculdades humanas – por ora incipientes, no campo do místico, mediúnico e psíquico – se distenderem. O busílis da questão, no porvir, todavia, não será a extensão do poder a gerar fenômenos prodigiosos de ordem mediúnica ou pararnomal, mas a maneira como tais funções novas do cérebro e do psiquismo humanos serão absorvidas, dentro de um contexto cultural, filosófico e religioso bem mais amadurecido e refinado.
Alguém que muito se interesse pelo assunto não deve se sentir proibido de apelar para tal expediente de aconselhamento. Contudo, deve fazer uso deste artifício, esporadicamente, como função auxiliar a outras, essenciais, do espírito, como o discernimento, a razão, a prática da própria intuição, além de procurar profissionais de outros âmbitos de atuação, como terapeutas e conselheiros espirituais, que façam uso, predominantemente, da atividade nobre de avaliação profunda, em seu trabalho, respectivamente, de orientadores psicoterápicos ou religiosos.
Um dado proveniente de uma experiência psíquica, ainda que muito genuína, não pode ser base para uma tomada de decisão, na vida de um indivíduo, a não ser que lastreada em evidências e raciocínios suficientemente claros, que convirjam no mesmo sentido das conclusões de caráter paranormal. É assim que o maior, mais profundo e mais nobre de todos os fenômenos mentais humanos – o juízo de valor – terá supremacia sobre outros, de ordem secundária, como os de natureza meramente psíquica, que devem merecer o mesmo peso cognitivo que os sentidos físicos. Ninguém confia completamente nos cinco sentidos. Um ser humano medianamente instruído tem consciência do quanto as percepções do sensório material enganam. Desde a elementar (para a perspectiva de hoje) aparente forma plana da Terra, até a ilusão de solidez e consistência dos corpos físicos – conforme assevera, categoricamente, a física de subpartículas atômicas –, nos indicam que vivemos num mundo bem mais complexo do que visão, tato, audição, olfato ou paladar possam captar. Precisamos do processamento de dados, em sistemas de análise e esquemas de avaliação intrincadíssimos, com resultados permanentemente verificados e reformulados, função que é assumida pela razão e pela – como é denominada por alguns autores – superconsciência (o estrato mais avançado do arcabouço psíquico humano, em termos de conceitos, moralidade e espírito teleológico), para que se lhes possam conferir contexto, significado e finalidade. O mesmo se deve entender do que se obtenha por meio das aptidões psíquicas de percepção. Neste contexto de considerações, a idéia da mediunidade e da intuição (aqui propositalmente englobadas num mesmo conceito, para maior didatismo, na melindrosa e ampla temática) como um “sexto sentido” dá-nos uma noção apropriada de como devemos interagir com as informações que nos cheguem por essa via. Revelações mediúnicas, espirituais ou intuitivas, portanto, devem ser observadas, dissecadas e criticadas, exaustivamente – talvez até bem mais do que se faz com as que provêm das percepções dos cinco sentidos, por seu caráter de maior subjetividade. No que tiverem de contraditório com os princípios basilares da lógica e do bom senso, bem como de moral e ética, devem ser simplesmente ignoradas, até o surgimento de novas conclusões, em posteriores estudos.
As pessoas, na atualidade, entretanto, estão viciadas em pesquisas rápidas pela internet e em consultas de resposta imediata, feitas a especialistas. Estão preguiçosas para pensar por conta própria, ou, pelo menos, a pensar profunda e demoradamente – como é imprescindível, por exemplo, em quesitos mais sérios de decisão de rumos existenciais. E esta refratariedade a pensar, com zelo e acuidade, constitui um gravíssimo erro, um sério vício psicológico de amaríssimas conseqüências. Com celeridade, não se obtém sabedoria: só informação. E informação não é tudo – há-que-se entrever sentido, no de que se tem conhecimento; há-que-se impingir valor a cada ser e escolha; há-que-se intuir, construir e elaborar, sucessivas vezes, um lastro de propósito para cada parte considerada da vida, e para toda ela, vista como uma unidade. Dados constituem meras massas cognitivas a serem gerenciadas, por uma filosofia diretriz, com consistência moral, profundidade psicológica e respaldo firme na realidade (ou seja: com efeitos pragmáticos checáveis).
Todos devem se precatar desta deplorável tendência dos tempos modernos. A preguiça de pensar, avaliar e decidir por si mesmo compromete, severamente, a dignidade, a grandeza e o poder da condição humana, que estão, justamente, na capacidade de construir, por meio de escolhas judiciosas, o próprio destino, arquitetar a própria identidade e definir o tipo de contribuição que se ofertará ao mundo.
(Texto psicografado em 22 de agosto de 2007. Revisão de Delano Mothé.)
(*1) (*2) Formas franco e anglofônica, respectivamente, de se denominarem paranormais e médiuns – a segunda, na expressão original: “channel”.
(Nota do Médium)