Benjamin Teixeira
por um espírito anônimo (*).


Prezado leitor:

Vivi no século passado. Muitos anos: completei 80. É estranhíssimo lembrar-me de ter vivido tanto tempo – eu que não saí da identidade de 30-40 anos, e, quando muito velha, sentindo-me com 50. Não declarava a idade. Sempre a reduzia em algo entre dez e quinze anos – hábito comum na minha época, entre as companheiras do meu sexo. Não me orgulhava do tempo que houvera vivido: tinha vergonha; vergonha de não me haver casado, vergonha de não ter sido um sucesso profissional, vergonha de não ter tido filhos, vergonha de ter sido incapaz de me fazer amada. Fui, assim, uma “moça velha”.

Adoeci severamente na década de 70, surgindo-me uma cardiopatia de difícil trato, e, aposentada, passei o restante da vida queixando-me de achaques diversos, de mal-estares freqüentes, de tristezas numerosas, consumindo a paciência e a bonomia dos que me cercavam, misericordiosos, como uma vampira insaciável e incontentável, sempre um demônio de insatisfação e desgosto.

Para os padrões de minhas expectativas de moça, minha existência foi de uma tragédia ímpar, sem nem mesmo alguma semelhança à glória das tragédias gregas: apenas um tecido de vazios e nadas, de nenhumas ocorrências recheadas de tédio e depressão.

Um de meus sobrinhos-netos, com quem nutro fortes liames pelo coração, gostava de apreciar, demoradamente, quando criança, uma foto minha, ostentada, orgulhosamente, no meu quarto, de quando, ainda jovem, posei, na década de 40, com o penteado característico daqueles dias, com aquele tufo dentro dos cabelos, para fazer volume. Dizia-me lindíssima, e eu, de certa maneira, sentia que continuava sendo aquela mesma jovem linda da década de 40, a jovem que estava para encontrar o grande amor de sua vida, que nunca chegou. Só me chegaram a velhice, a tristeza e a decadência, em todos os sentidos, inclusive em minha total perda de alegria de viver, coroando-me os anos que deveriam ser reservados à sabedoria da anciã. Tornei-me apenas anciã, sem nenhuma sabedoria.

Não tenho grandes lições para grafar aqui, mas gostaria apenas de deixar isto registrado: Não espere por grandes amores. Grandes amores são aqueles que fazemos: nossos amigos, nossos familiares, as pessoas que podemos ajudar e a quem, de algum modo, fazemos melhorar suas vidas. É isso que pesa, do “lado de cá”, quando conhecemos a verdadeira face da vida. Pequenos gestos de caridade, de fraternidade, de amor sincero e desinteressado valem mais do que toda a sabedoria, toda a poesia e toda a riqueza do mundo.

Fico muito grata a Deus por essa oportunidade de falar a muitas pessoas, e dizer: não façam como eu, que tive uma existência inútil, que passou quase sem nenhuma ocorrência digna de nota, nem qualquer aprendizado importante efetuado. Recebi grandes bênçãos de Deus – saúde, educação primorosa para uma mulher na época, uma família unida e amorosa – e a tudo desperdicei em futilidades, em ninharias do dia-a-dia, reclamando de tudo e de todos, esquecendo-me de dar, de mim mesma, algo aos outros.

Hoje, assim, sugiro ao caro leitor, que gentilmente se presta a ler minha desimportante experiência, que, em vez de agir como eu, faça de sua vida um festim permanente de boas obras, daquelas que Jesus pediu realizássemos. Eu era cristã, católica, e não pratiquei o bem que sabia ser necessário, ser um dever moral e espiritual. Pelo contrário: fui mesquinha, egoísta e insensível aos reclamos dos sofredores maiores que eu. Achava-me merecedora de todas as dádivas, sem me abalançar a dar nada a ninguém. Terminei pobre, em todos os sentidos: de amigos, de amores, de sucessos e até de riquezas materiais. Sobremaneira, tornei-me pobre de paz, de felicidade e de vontade de viver.

Demorei muito a me localizar e a me equilibrar, quando cheguei “aqui”. Algo em torno de sete anos. Só não passei mais tempo em regiões purgatoriais porque – disseram-me mais tarde – já havia padecido tanto com os efeitos de meu ócio e de meu desprezo em ser útil, que foram-me abreviadas as passagens por regiões espirituais de dor. Passei sete anos entre enfermarias, cirurgias e períodos dolorosos de reparação e recondicionamento mental neste domínio da vida. Somente há um ano, comecei a me sentir senhora de mim e um tanto aliviada e em paz. Foi quando fui avisada de que me seria concedido o ensejo precioso de narrar minha história e dar meu exemplo a outros, para que não tomassem o mesmo rumo que eu imprimi à minha existência sem propósito.

Gostaria de agradecer, em particular, à minha mãe, de fato uma santa, na denotação genuína da palavra, que muito intercedeu em meu favor, para meu pronto restabelecimento após a morte do corpo, e de minha segunda irmã mais velha, que muito me veio visitar, emulando-me a melhorar, a me esforçar por sair dos antigos vícios do pensamento e das emoções, sempre negativos e pessimistas, como no plano físico. Por fim, desejo agradecer a Deus, novamente, por ter podido, ao menos, tornar minha vida inútil útil a outros, porque, se muitos evoluem deveras em uma única existência física, eu simplesmente estacionei, defenestrando inapreciáveis oportunidades de crescimento, aprendizado e serviço.

Não faça como eu. Não queira pagar o preço cruel de angústia e de arrependimento que carrego comigo. Não faz idéia de quanto é doloroso! Uma vida de ócio é infernal enquanto dura, e um pesadelo quando termina…

(Texto recebido em 18 de fevereiro de 2005.)


(*) Conheci, quando ainda encarnada, a senhora que, neste rápido artigo mediúnico, relata sua biografia, em breves pinceladas de confidência cristã. Sua identidade ficou oculta, para que não só preservemos a privacidade da família, como também a memória da autora desencarnada, no coração dos seus. Desencarnou em 1997 e não a via desde 1992, o que me cobrou, quando me apareceu, nesta madrugada de sexta-feira, apresentada por Eugênia. Está bem, com aparência mais jovem (parecendo algo em torno de 55 anos bem cuidados), magra e bem posta. Que sua humildade e sua generosidade, em partilhar sua amarga experiência, sejam úteis a muita gente.

(Nota do Médium)