Benjamin Teixeira pelo espírito Eugênia.
O Evangelho lhe inflama o coração devoto. Gostaria de se entregar ao martírio da cruz, pelo Mestre, se assim fora possível. O flagício do Cristo cósmico, porém, segue, ad continuum, na alma de todas as criaturas, no longo e laborioso parto evolutivo das consciências, para o plano divino do amor incondicional.
Se prestar atenção, prezado amigo, notará que a cruz representa posição de conflito em diversos pontos de vista. Do céu contra a terra (o corpo do Cristo jaz suspenso entre os dois), do lado direito contra o esquerdo (as mãos que sustentam o corpo do Senhor), o bom e o mau ladrões que O ladeiam, assim como o cinismo dos homens que lhe lançam a sorte à túnica inconsútil, contra a Supremacia Impassível do Deus-Testemunha acima de todos.
Você, amigo, na condição humana, também vive aturdido entre vários pares de opostos, e somente encontrará a ressurreição da harmonização de todos os pólos, quando encontrar a transcendência, a síntese, a justaposição harmônica ou a inteira superação da dicotomia dos contrários. Esse é o grande drama da modernidade, o desafio que se antepõe ao cristão dos tempos atuais.
Não mais negar a matéria para viver o espírito, mas, muito pelo contrário, saber dosar as duas realidades, para se apor suspenso, entre as duas, qual o Cristo no madeiro infamante, compreendendo que ambas constituem caminhos para o crescimento espiritual e a sacralização do ser.
Não mais lutar para estar do lado do bem ou do mal, mas procurar extrair a lição que subjaz a cada experiência, cônscio de que não terá forças nem recursos para suplantar de todo a falibilidade que lhe caracteriza a condição humana e mergulhar de imediato na perfeição.
Não mais se buscar uma imagem pueril do Deus sempre bom, na versão complacente e viciosa do pai que atende a todos os caprichos dos filhos infantes, mas construir o conceito lúcido do Deus Justiça e Sabedoria absolutos, que sobrepaira todas as especulações e dramas humanos, impassível aos apelos inconscientes, mas invariavelmente presente e misericordioso, como o Pai que se fazia visível nos três amigos em meio à turba louca aos pés de Jesus: sua mãe, Madalena e João.
Saia, amigo, de uma vez por todas, da concepção primária de um universo maniqueísta, de verdades prontas a serem impostas sumariamente ao mundo do caos. Aprenda a viver com a complexidade, a incerteza e a ambigüidade, assim como fez Jesus, aparentemente derrotado na cruz, tanto para a perspectiva do mundo, quanto para a de seus seguidores. Viva, plenamente, sua contradição, sua dúvida e sua dor, mas não para a elas se render ou para conivir com o mal, e sim para aceitar a realidade como ela é e, sem iludir-se quanto aos fatos, nem se deixar absorver por presunções de superioridade, poder, de fato, transcender a tudo, transcendendo-se.
Isso é Evangelho hoje, o grande desafio. Não mais a pregação pura e simples de verdades acabadas e indiscutíveis, mas a busca de caminhos suspensos, indefinidos e muita vez desesperadores, na construção de realidades novas, insuspeitadas, surpreendentes, atordoantes, qual o Cristo agonizante na cruz que chega a exclamar, didaticamente: Pai, Pai, por que me abandonaste. Seu Eu divino, sua consciência e sua alma, de fato, podem e deverão padecer terrível suplício, mas, ao final, se houver persistido na proposta sincera de ser inteiramente autêntico consigo mesmo e, concomitantemente, não desistir de seu ideal mais nobre, esteja certo: a ressurreição de vida eterna, para um estágio mais alto de consciência, de percepção, vivência, sabedoria e amor ser-lhe-ão uma divina e magnífica fatalidade.
(Texto recebido em 7 de junho de 2001.)