Benjamin Teixeira
pelo espírito Anacleto.
Anacleto, você teria algo a nos dizer sobre a barbaria das cenas de terror que foram documentadas e exibidas ao mundo, perpetradas pela força dita libertadora dos Estados Unidos da América, dentro do Iraque invadido?
Sim. Você disse bem: documentadas. O fato é que cenas como esta são normais em situações de guerra. A grande questão está no benefício que a tecnologia moderna oferece, propiciando condições de divulgar-se o que costumava ficar adstrito aos porões da burocracia e dos subterrâneos inconfessáveis dos que exercem o poder. As cenas de tortura não deveriam, sequer, em princípio, surpreender, já que foi dito, quando declarada guerra contra o terrorismo, que expedientes draconianos seriam levados a cabo, com o intuito de debelar a fonte mefistofélica do terror. Como a psicologia profunda revela, porém: ao se combater alguma coisa, iguala-se a essa coisa. Não se pode combater o mal, sem se tornar mau. Deve-se, ao reverso de combater o mal, disseminar o bem. Ver, todavia, é diferente de ouvir dizer. E é por isso que a opinião pública mundial, incluindo a norte-americana, está chocada. Lamentavelmente, no atual nível de consciência média dos habitantes da Terra, somente estar informado de que o governo americano tomaria e já estaria tomando medidas drásticas não era suficiente para causar estupor, sobremaneira quando as imagens do World Trade Center em chamas e aos escombros, logo em seguida, estavam muito vivas na memória das massas. Vivemos, assim, a era da mídia. A imagem mais chocante ganha força de verdade; e não, necessariamente, o argumento mais sensato.
O que poderia ser feito agora, em relação a tudo isso?
A era das grandes hipocrisias está chegando ao fim. Os discursos populistas e demagógicos não terão sustentabilidade na era da tecnologia generalizada. Qualquer criança com uma câmera à mão pode desmontar ou ao menos abalar um império. Eis que, então, começamos a nos aproximar das soluções verdadeiras, e não da maquiagem situacional, paliativos para o que não pode ser resolvido de outra forma, senão de modo profundo, remontando às verdadeiras causas, intrincadas, do problema. Já falamos sobre isso em outras ocasiões, e por isso não nos detalharemos agora. Ou seja: solucionarem-se as questões da miséria, da injustiça social, entre nações e entre indivíduos de um mesmo povo. Uma comunidade internacional dita democrática e justa não pode se sustentar sobre bases falsas. A incoerência fundamental entre discurso e prática devem ser elididas, quanto antes.
Algo mais gostaria de dizer sobre isso?
Sim. Reforçar a idéia de que o ser humano médio da Terra peca pelo primarismo de só reagir ao que vê. Outras cenas de horror acontecem todos os dias, com conhecimento de todos, e, mesmo assim, ninguém está chocado ou se mobilizando no sentido de cobrar solução dos poderes constituídos. Trinta mil crianças (!) morrem todos os dias de inanição, (só para falar dos números das últimas décadas); 1 bilhão de pessoas, no planeta, vive na faixa da miséria quase absoluta. E, no entanto, apesar de serem informações estarrecedoras, por ser algo corriqueiro, as populações parecem acostumadas a elas, banalizando a tragédia. Essa ambliopia espiritual – a miopia mental para a desgraça da cotidiano e a hipermetropia emocional para as questões que a mídia apresenta – denotam a dramática necessidade de amadurecimento das grandes massas para as questões que mais importam, até mesmo para sua sobrevivência e da bioesfera de nosso orbe.
(Diálogo travado em 25 de maio de 2004.)