Introdução do médium
Em diálogo com o Espírito Eugênia, lamentava-me sobre o fato de um rapaz de boa índole e muito aplicado nos estudos e atividades espirituais haver se ausentado de um almoço fraterno geminado à prática do Evangelho, em nosso lar. Por estar em processo de recuperação de uma lesão no tornozelo, perdeu ele o encontro ímpar em que a orientadora espiritual psicografou missivas mediúnicas breves para cada um dos 22 presentes – 23 comigo.
Minha lamúria dizia respeito principalmente à “infeliz” coincidência de o amigo convalescente – que deve evitar ao máximo sair de casa – ver-se obrigado a faltar a um momento de deleite d’alma para atender, mais tarde, ao sério compromisso de comparecer à reunião mediúnica de nossa instituição, de que é participante recém-ingresso.
Surpreendi-me, então, com a reação da mestra do Plano Sublime, que não só apoiou o sentimento de injustiça aparente que me ocorrera em relação ao episódio, como também enviou ao jovem uma epístola psicográfica, ainda mais extensa que as dirigidas aos(às) demais convivas do banquete de luz, passando imediatamente a entabular comigo um colóquio em torno dessa mesma temática.
A psicografia de caráter pessoal
Nosso amigo priorizou o fundamental, preferindo a reunião mediúnica ao instante de entretenimento, sem saber que, em verdade, não se tratava tão só de uma confraternização. Assim, decidimos, providenciar-lhe uma compensação, transmitindo-lhe agora uma mensagem de cunho mais pessoal, nesta circunstância extraordinária.
Confirmamos que ele está sob nossa proteção. No que concerne ao acidente recentemente sofrido, algo muito pior lhe adviria, não fora a intervenção da Infinita Bondade de Nossa Mãe Excelsa, Maria de Nazaré. Ele fez jus a essa intercessão de nossa equipe espiritual, graças a seu devotamento à nossa causa, ao ideal de buscar a automelhoria contínua, a fim de galgar níveis progressivamente mais elevados de lucidez, oferecendo um serviço de maior utilidade ao bem comum.
Dessarte, em vez de padecer uma lesão definitiva no corpo – o que fatalmente lhe aconteceria se não estivesse sob nossa guarda –, ficará provisoriamente aprisionado ao reduto do lar, em período de reflexão. Depender de muletas ou de uma prótese, carregando essa “vergonha” pelo resto de sua atual existência física, ser-lhe-ia um teste duro demais, numa linha de destino já amarga, em vários aspectos, até a presente data.
Adiantamos-lhe, outrossim, que, seguindo a trilha que escolheu, de disciplina e esforço por se aprimorar moralmente e se capacitar nos âmbitos acadêmico e profissional, encontrará sua meta de felicidade e realização íntima, não sendo necessário nutrir dúvidas nesse particular.
No tocante à plana espiritual, que lhe absorve especial atenção e em que se vem empenhando de longa data, em idade tão “tenra”, não lhe precisamos nada mais aditar, pois ele bem compreende quão essencial é esse campo sagrado, inclusive no sentido de lhe propiciar caminhos e soluções novos para pendências e problemáticas, desafios e provações que enfrenta vida afora, em todos os setores de seu jornadear.
Mãe e mestra espiritual,
Eugênia.
Comentário do médium
Terminando de receber o comunicado acima, telefonei para o destinatário e, com autorização do Alto, alonguei-me em mais minudências sobre seu carma, explicitando-lhe alguns outros detalhes que Eugênia me relatara, não inclusos na breve correspondência mediúnica. Pressentindo que algo mais havia a ser elucidado acerca do episódio, tornei à mentora espiritual.
O diálogo
(Benjamin Teixeira de Aguiar) – Eugênia, você gostaria de acrescentar algum apontamento sobre o caso do nosso irmão em ideal?
(Eugênia-Aspásia) – Sim, posso falar alguma coisa, mas não propriamente para complementar e sim corroborar o que você já lhe informou. O companheiro havia realmente planejado essa vivência mais dolorosa da humilhação, no capítulo da incolumidade física comprometida, mas era uma pré-estipulação em aberto, considerando a possibilidade de ele ingressar em um trabalho na seara espiritual – mais precisamente, em nossa organização, a que é vinculado desde antes do berço.
Logo, está de parabéns: foi aprovado em um exame deveras difícil. Como ele tomou uma excelente rota de eventos, na reencarnação que ora desfruta, as bênçãos tendem a se agregar, por efeito cumulativo, quais os juros compostos de um investimento bem feito. Isso nos remete ao pensamento de Nosso Senhor Jesus: “A quem tem, mais será dado, e terá em abundância”1.
(BTA) – Engraçado… você disse que não iria complementar, mas apenas ratificar, e acabou distendendo o assunto.
(EA) – (risos) Sei que gosta de destacar minha disposição a corrigi-lo e de salientar a ideia de que sou superior a você. Só que meu impulso é inverso. Não quero dar a entender que você discorre de modo inapropriado e que somente eu esclareço com mais acerto.
(BTA) – Claro que você discorre e esclarece melhor, Eugênia! Que conversa estranha! Isso é ponto pacífico, para mim e para todos(as)!
(EA) – (risos) Se houver necessidade de corrigenda, faço-o sem pudores. Não me apetece em nada, porém, reforçar uma imagem do que você não é, como tanto lhe apraz fazer em público, “queimando-se” em nome de uma pretensa humildade. Desvalorizar-se ante os(as) outros(as), simulando deficiências ou tendências viciosas que lhe não correspondem à personalidade, não é uma atitude elogiável, mas sim condenável, porquanto no fundo constitui insinceridade, mesmo que impingida com o intuito de se prejudicar e não de levar vantagem.
Ironicamente, as pessoas acreditam mais em alguém que minta, dizendo não possuir uma virtude que de fato porte, do que em outrem que, exercitando a honestidade plena, externe uma qualidade autêntica invulgar – que normalmente suscita dúvida ou suspeita, por soar como traço de vaidade e arrogância.
Além disso, é confortável esconder que se está à frente, porque a massa costuma projetar muita expectativa nos(as) que seguem adiante no carreiro evolucional, pressionando-os(as) com alta exigência. E você tem essa propensão um tanto egoísta e acomodatícia: a satisfação de se manter oculto, o pudor do próprio brilho, a alegria de passar despercebido, para não insuflar o ataque da inveja, do ciúme e da desconfiança, que tanto ferem corações sensíveis.
Jesus recomendou: “Brilhe vossa luz diante dos(as) homens(mulheres), para que, vendo vossas boas obras, glorifiquem a Deus”2. Paradoxalmente, reconhecer os próprios talentos é um exercício de legítima humildade, enquanto negá-los pode indicar simplesmente um ego polido, que amiúde recorre a um expediente bem conhecido nos meios cultos: a modéstia.
No seu caso, a questão é mais intrincada, em razão do complexo de inferioridade envolvido, sobremaneira por você fazer um inevitável cotejo entre a sua e a condição evolutiva mais acrisolada de nossos(as) amigos(as) da Espiritualidade Maior, com quem interage cotidianamente. Mas cuidado com essa sua predisposição a se dizer muito comum e apresentar-se desmerecedor de qualquer consideração, para não confundir aqueles(as) que, não tendo a sua perspectiva, supõem que você esteja se comparando a eles(as) ou levando em conta parâmetros terrenos, e não os paradigmas de dignidade e nobreza que genuinamente o inspiram: os de nossa Esfera de Consciência.
(BTA) – Nossa!… Que faço com este diálogo, Eugênia?
(EA) – Deve ser divulgado à comunidade de nossos(as) leitores(as). Alguns(umas) deles(as) serão confortados(as) e esclarecidos(as) em acerbas contradições internas a que você involuntariamente os(as) precipitou, com essa sua postura pseudo-humilde de parecer menos evoluído do que é. Vivencie agora a humildade, verdadeiramente, publicando esta nossa fala íntima.
Por outro lado, não se sinta solitário na inclinação bizarra da má propaganda de si: uma expressiva legião de indivíduos o faz igualmente, no domínio material de existência. Você se surpreenderia se soubesse quanta gente esconde seus reais predicados e sua natural vocação à generosidade, sob a capa de ambições banais ou intenções de ordem meramente pessoal.
Com esse “escancaramento” do bem, portanto, você concitará todos(as) a “saírem do armário” (risos), deixando claro que há caracteres sinceramente movidos pelo desejo de servir e se colocar como canais de Deus no mundo, em prol do bem-estar da coletividade, a começar de algumas poucas criaturas mais próximas.
Não foi por acaso a lembrança da alegoria de origem norte-americana “sair do armário” – o movimento de homossexuais que declaram publicamente sua orientação sexual, antes oclusa da vida relacional mais ampla por conta da discriminação. Lançamos mão desse recurso argumentativo para enfatizar que tão importante quanto assumir a própria sexualidade, sem máscaras de conveniência social, é evidenciar a própria boa índole, seja expressando o anseio puro de amar e ser amado(a), livre de motivações secundárias ou rasteiras, seja extravasando o ímpeto sagrado de tudo colocar em função do interesse comum e não de pretensões tacanhas do ego.
Essa parcela da população, conforme ressaltamos, é substancial, embora não em números absolutos, mas relativos. Se 2 a 5% dos(as) habitantes do planeta se revelassem quem são, sem escrúpulos, teríamos indubitavelmente um benefício em efeito dominó, em proporção geométrica, exponencial… E eis que os(as) fronteiriços(as) do bem, enredados(as) em faixas menos adiantadas das sociedades, seriam estimulados(as) a optar pela senda da autenticidade, da integridade, da Divindade.
O mesmo princípio se aplica a médiuns, em quantidade ainda maior, em termos percentuais efetivamente: 10% da demografia humana de encarnados(as). Por ora, só os(as) mais ousados(as) e corajosos(as) manifestam, perante o vulgo, suas aptidões psicoespirituais.
A questão é que almas realmente mais avançadas na trajetória evolutiva demonstram um vívido e honesto pudor – que lhes é característico – em falar dos próprios valores. Há um certo incômodo em se abrirem plenamente diante das pessoas, sobretudo no que tange a seus aspectos e peculiaridades mais nobres ou, pior, excepcionalmente alcandorados.
Falhas ou limitações, quando exteriorizadas de forma adequada e oportuna, despertam piedade e empatia, ao passo que atributos elevados e incomuns, ainda que somente insinuados, provocam inveja e desconforto na maioria dos(as) circunstantes, que então, sentindo-se inferiorizados(as), tentam depreciar, a todo custo, a imagem de quem ouse exprimir suas qualidades em público.
Em suma: espíritos mais velhos (e por isso mais desenvolvidos) têm mais a perder, em diversos sentidos, expondo seus subidos apanágios ao despeito e ao escárnio gerais. Mas podemos entender que essa exposição, ante as multidões necessitadas de orientação e referenciais beneméritos, representa um ato de denodo e dever cristãos, por exercer uma influência desencadeadora do bem em muitos corações de boa vontade.
Com tal atrevimento de transparência, esses(as) arautos(as) da verdade tornam-se agentes multiplicadores(as) da luz, onde se encontrem. Todavia, ao desvelarem heroicamente o que possuem de melhor, padecem uma experiência de autossacrifício extremamente louvável e meritória, na medida em que, suportando o peso psíquico da resistência coletiva à sua natureza mais acendrada, promovem uma aceleração do progresso das moles humanas, levando-as a galvanizar, paulatinamente, e a trazer à tona, cedo ou tarde, suas virtudes em gérmen – as mesmas que os(as) catalisadores(as) da evolução já têm ativas.
(BTA) – Nossa!… Agora percebo a importância da publicação deste nosso diálogo, Eugênia. Muito obrigado por me propor publicá-lo. Jamais o faria, de iniciativa pessoal.
(EA) – Sem dúvida (rs)…
Benjamin Teixeira de Aguiar (médium)
em diálogo com Eugênia-Aspásia (Espírito)
25 de julho de 2008
1. Mateus 25:29.
(Nota do médium)
2. Mateus 5:16.
(Nota do médium)