com o espírito Eugênia.
“Jesus respondeu: ‘É aquele a quem eu der o pão embebido’. Em seguida, molhou o pão e deu-o a Judas, filho de Simão Iscariotes. Logo que ele o engoliu, Satanás entrou nele. Jesus disse-lhe, então: ‘O que queres fazer, faze-o depressa’.”
(João, 13: 26-27)
Eugênia, causou grande polêmica a divulgação do dito “Evangelho de Judas”, o Iscariotes, trazendo a revolucionária e controversa idéia de que Judas teria sido o apóstolo que mais mereceu confiança de Jesus e mais lhe pôde compreender a missão sagrada, recebendo, d’Ele mesmo, o encargo de traí-l’O, a fim de que Sua tarefa messiânica se cumprisse. Que teria a nos dizer sobre o assunto?
Não precisamos apelar sequer para um texto apócrifo, para deduzir esta verdade. O evangelho de João, considerado o mais filosófico e profundo de todos os textos ditos sinópticos, deixa claro que Judas foi “iniciado” no ato da traição pela mão do próprio Cristo. Se a “traição” de Judas não fosse, num sentido profundo, uma determinação de Jesus, como entender que um pão embebido em ervas amargas (conforme a tradição judaica para a festividade pascal), pela mão do próprio Cristo, gerasse a introdução de uma força do mal no coração de um Seu discípulo? Claro está que este “Satanás” deve ser interpretado, metaforicamente, como a decisão de fazer um mal aparente e momentâneo, em prol da realização de um bem verdadeiro e perene. Não fora isto verdade, ainda em complemento a esta argumentação, por que Jesus teria dito: “O que queres fazer faze-o logo”? Um comando para fazer um mal partindo de Jesus? Uma sugestão a acelerar a corrida em direção ao mal, em vez de uma proposta de reflexão mais demorada antes do gesto menos digno? Faria sentido o Cristo compelir alguém à tentação, ao reverso de ajudá-lo com uma palavra de conforto e esclarecimento, para que melhor refletisse sobre o motivo da queda iminente? Se o drama do calvário precisava acontecer e se Judas tinha que fazer a entrega de Jesus por um deslize de caráter ou falha de avaliação, no máximo o Cristo omitir-Se-ia a ajudá-lo na queda – o que já seria condenável, pois que a omissão em si constitui uma falta –, mas jamais lhe favoreceria a descida no vão do desequilíbrio e da delinqüência, com uma ordem peremptória e clara como esta.
Como compreender o gesto suicida de Judas, entretanto?
O que se diria de Jesus entregando-se inerme à própria morte? Alguém teria dúvida de que Ele possuía meios suficientíssimos para evitar o drama da cruz, Ele que tudo podia na Terra? E por isto podemos inferir que a conduta de Jesus foi suicida? Não, mas sim um martírio, que constitui o anverso absoluto do suicídio, um sacrifício pessoal pelo bem comum em vez de um ato de desespero egoísta, como é o suicídio, já que Jesus se rendeu sem reações à sevícia e execução à morte, em função da conclusão de Sua obra de “redenção” da humanidade, de legação de Sua mensagem, que ficaria dramaticamente registrada para a posteridade, com o espetáculo de Seu martírio na cruz, o que não aconteceu com nenhum outro grande luminar da humanidade, como Buda, Confúcio ou Lao-Tsé, que tiveram mortes mais tranqüilas e também menos efeito persuasivo de suas idéias sobre as massas e os séculos. Logo, assim como Jesus decretou o momento da própria morte, seguindo inspiração divina, fez o mesmo em relação a Judas, determinando-lhe o gesto de pôr fim à própria vida, para que ficasse caracterizada a imagem da “traição” extrema, que se deu, entretanto, em verdade, por parte do povo beneficiário, que não reagiu à tremenda injustiça de Sua sentença à morte e pelo meio de execução mais ignominioso em prática da pena capital. Quando mentores espirituais providenciam a cessação da vida física de um pupilo, não se trata de assassinato, mas sim de suspensão de um programa reencarnatório, em função de projetos evolutivos a benefício do próprio protegido e de outras personalidades envolvidas em sua trama existencial; e isto acontece, inclusive, com relativa freqüência. Jesus era um anjo encarnado: detinha sobeja autoridade para determinar o fim da existência física de alguém, e foi o que fez com relação a Judas, bem como em relação a si mesmo, entregando-se, inerme, ao horror do Gólgota. Judas tinha maturidade psicológica e espírito de devotamento e sacrifício bastantes para que o Mestre lhe propusesse tal ato de bravura extrema, incluindo a renúncia à vaidade de ter um nome honrado no futuro, cônscio, muito pelo contrário, de que seria, geração sobre geração, execrado por centenas de milhões de criaturas. Haveria ato maior de amor pelo Mestre e Cristo? O total sacrifício de si, pelo bem d’Ele e da Humanidade inteira?
Wow (*), Eugênia! Que controverso!
Mas verdadeiro. Chegou o momento de esta revelação vir a lume para a humanidade terrestre. Quem tiver, na linguagem do próprio Cristo, “olhos de ver e ouvidos de ouvir” – ou seja: maturidade psicológica e esclarecimento intelecto-espiritual para nos compreender –, compreender-nos-á.
Há outra questão, neste assunto, suscitada pelos evangelhos canônicos. Jesus, na “santa ceia”, diz que seria melhor àquele que o traísse não haver nascido. Como coadunar esta fala do Cristo com suas assertivas?
Asseverou, outrossim, o Mestre, que aquela traição era necessária. Tanto a atitude como a fala d’Ele, neste episódio narrado nos evangelhos, estão coerentes com nossa interpretação, pois que determinou a Judas tirasse a própria vida, a fim de não sofrer conseqüências morais negativas, por um gesto benemérito para a humanidade inteira; gesto este que, no entanto, não poderia ser compreendido por seus contemporâneos. Podemos ler, assim, numa exegese mais detida, uma justificativa prévia, para as gerações do futuro, como a nossa, que apresenta os motivos para a ordem dramática de pedir que Seu discípulo mais maduro suspendesse a própria reencarnação. É sintomático também que esta lamentação “do Cristo” não apareça no evangelho de João, o em que está ínsita a passagem que pedimos ser transcrita no frontispício deste diálogo. Por outro lado, Jesus destaca, em todos os evangelhos canônicos, a bravata de aparente coragem de Pedro, que declara estar disposto a oferecer a própria vida pelo Mestre, mas que, em vez disso, nega-l’O-ia três vezes, conforme profecia concretizada do Cristo (de acordo com anotações de Mateus e Marcos, todos os outros apóstolos presentes na ceia de Páscoa fazem eco com Pedro ao voto de devotamento integral a Jesus). Judas, porém, literalmente, deu sua vida pelo Cristo, tanto quanto sua honra, a memória de seu nome, tudo por Ele. Ou seja: Pedro falou (e os outros discípulos teriam também verbalizado sua lealdade integral a Jesus); Judas, porém, em vez de somente falar (e desdizer sua fala em omissões ao dever), fez, merecendo a alcunha de o mais audacioso, corajoso e fiel dos apóstolos do Messias.
Tudo bem, Eugênia; mas o que dizer de textos mediúnicos conhecidos, de médiuns famosos e respeitados, que fazem referência a um Judas desajustado e desesperado em regiões de sofrimento fora do corpo, após seu suicídio?
Todo médium comete erros e, necessariamente, interfere, inconscientemente, no conteúdo das informações que trafegam por seu intermédio para o mundo físico. A filtragem psíquica, que se dá automaticamente por parte do tônus mental mediúnico, com as naturais distorções conceituais do comunicado espiritual, é um fenômeno, por assim dizer, inexorável. Além disto, os próprios orientadores desencarnados têm que adaptar suas instruções ao grau de cultura, entendimento e convicções do medianeiro encarnado, tanto quanto do público alvo, em função de época e lugar. Até mesmo preconceitos do porta-voz na dimensão física de vida são respeitados, no trabalho de canalização mediúnica, como se pode ler em “O Livro dos Médiuns”. Apele-se, entrementes, para o bom senso, e logo se verá onde está a razão. Cada nova informação tem seu tempo de vir a lume. Chegada é a hora para esta.
O que mais nos diria sobre o tema?
Que nada há de extraordinário no que estamos dizendo, porque, reforço, o mesmo se poderia dizer da aparente omissão de defesa pessoal de Jesus, em relação a Seus acusadores e crucificadores. Estava cumprindo a Vontade de Deus, e ninguém põe isto em dúvida. O mesmo se pode falar de Judas, que obedeceu ao comando do Cristo, assim como Este seguiu o do Criador. Já quanto ao fato de Judas ter sido milenarmente mal-visto, não será a primeira vez que entre os maiores beneméritos da humanidade encontraremos toda ordem de perseguição e ataque. A “queima do Judas”, no “sábado de aleluia”, com bonecos de pano representando o apóstolo “desviado”, apedrejado e surrado a pauladas, para depois ser “incinerado”, dá uma idéia do problema psicológico coletivo de alienação generalizada, nas comunidades humanas atuais, e de correlata projeção da “sombra psicológica”, com a “caça às bruxas”, que indica a não-aceitação das próprias tendências malévolas, mesquinhas ou literalmente criminosas. É a máxima prova de que devemos seguir à risca a recomendação do Mestre de não julgarmos, para não sermos julgados, porque, no momento em que julgamos, revelamos existir, em nós mesmos, em algum nível, exatamente o que acusamos nos outros. Que constatemos a existência do mal – isto é necessário e justo, para a defesa e valorização do bem, principalmente dentro de nós próprios, pois que somos, em última análise, responsáveis apenas por nós mesmos e nossos atos –; mas jamais nos empolguemos de ódio e repulsa: isto comumente é índice de um mal maior do que o que é atacado.
Pelo caráter “pesado e forte” destas afirmações, o que você diria para aqueles que lêem suas instruções e não se sentem em condições de anuir com tais idéias em torno da temática?
Que reputem o “erro” suposto a falha de interpretação mediúnica e sigam em paz com suas convicções de fé e espiritualidade. Se o que asseveramos for verdadeiro, naturalmente será chancelado com o tempo e estudos, pesquisas e descobertas futuros. Se não for, nada do que dissemos abalará de um milímetro sequer a estrutura do edifício espírita e cristão de conceitos e princípios morais e lógicos, que prosseguirão imorredouros, propelindo multidões e indivíduos em direção ao “grande amanhã”, em que a fraternidade e a felicidade irmanarão todos os povos e criaturas no orbe terráqueo, sob os auspícios do “Consolador Prometido”.
(Diálogo psíquico travado com o médium Benjamin Teixeira, em 23 de abril de 2006. Revisão de Delano Mothé.)
(*) Interjeição de origem anglo-fônica. Pronuncia-se: “uáu!”
(Nota do Médium)