Benjamin Teixeira
pelo espírito Eugênia.
Eugênia, um tema me vem à mente, que até pode soar fútil para algumas pessoas, mas que, pelos efeitos sobre as massas e o inconsciente coletivo, e também para demonstrar ao nosso público que tudo tem sentido e é supervisionado pelos Agentes de Deus, gostaria de lhe expor à análise. É que, neste ano de 2005, completamos 50 anos de dois eventos históricos do cinema. O primeiro é o cinqüentenário do principal clássico da considerada maior estrela de cinema de todos os tempos, Marilyn Monroe, “O Pecado Mora ao Lado”, em que ela interpreta ela mesma e em que aparece na famosa cena de segurar a saia que flutua, sob efeito de uma baforada de exaustor de refrigeração. A segunda efeméride é a da morte de Carmen Miranda que, 10 anos antes, em 1945, chegou a ser a atriz mais cara de Hollywood, no ápice da “Política da Boa Vizinhança”, levada a cabo pelo governo norte-americano, no transcurso da Segunda Grande Guerra. Pode-nos falar algo sobre isto, e perdoa-me antecipadamente, se o tema for frívolo demais?
Não considero fútil sua provocação. De fato, como você disse, eventos que envolvam as multidões merecem, no mínimo, o critério científico do observador sociológico, que procura encontrar variáveis ocultas e complexas, no plano cultural, político e/ou histórico, por detrás do comportamento das moles humanas ou do que as influencia. Marilyn Monroe e Carmen Miranda representaram poderosos ícones femininos de seu tempo, e lembrarmo-nos delas, bem como de tudo que as circundava, em termos de implicações, bem demonstra como os tempos mudaram, em apenas meio século (o que historicamente é pouco), já que ambas “viviam” personagens exageradamente caricaturais, uma como uma fêmea abobalhada – mas obscena – da espécie; outra, como uma palhaça triste, a reforçar toda ordem de idéias preconceituosas a respeito da Latina América, com seu enorme cacho de bananas à guisa de chapéu (*1), quando não carreando verdadeiras fruteiras sobre a cabeça, entulhada de balangandãs e cheia de uma alegria histérica e bisonha que bem caracterizava a opinião saxã sobre as latinas e, de um modo geral, o próprio povo das nações de origem latina.
Obviamente que, aqui, não aludo à pessoa das estrelas em particular, muito mais vítimas do que agentes das forças ciclópicas que atuavam sub-repticiamente, nos fenômenos respectivos em que se converteram, mas às personagens que eram obrigadas a representar, continuamente, mesmo quando fora das telas, personagens estas que acabaram por matá-las. Curioso notar como as duas morreram por decorrência – direta uma (Marilyn); indireta outra (Carmen) – do uso de psicofármacos, mormente barbitúricos. Foram assassinadas pelos mitos que co-construíram com a cruel indústria do cinema, hoje estendida para a televisão, a música pop e a mídia como um todo. É bem verdade que Marilyn só viria a desencarnar sete anos mais tarde (1962), mas, em 1955, já denunciava sinais de decadência psicológica, inclusive em sua incapacidade para manter o peso, logo ela, a “deusa do sexo”.
Precursoras da Revolução Sexual dos anos 60, foram, ambas personalidades, ensaios grotescos da liberação feminina, na contramão do que fizera, neste sentido, a alemã Marlene Dietrich, na geração anterior (décadas de 20 e 30), que se celebrizou vestindo-se de terno masculino e beijando mulheres na boca (*2), além, é claro, de exibindo suas celebérrimas e impecáveis pernas nuas. Hoje, há uma forte tendência em as mulheres não aceitarem nem um nem outro modelo de alforria do gênero, nem masculinizando-se, para serem respeitadas, como Marlene nos anos 30, nem se tornando bonecas de luxo, vulgarizadas e indecentes, como pareciam a exótica Carmen e a esteriotipada Marilyn. Atualmente, as mulheres pretendem ser diferentes: querem ser completas, humanas, femininas, mas também assertivas e objetivas, como seus pares masculinos; querem afirmar-se como mulheres, mas, principalmente, como seres humanos.
Nenhuma crítica direta às divas do cinema antigo – era necessário que alguém começasse fazendo barulho, para dar visibilidade ao assunto e para romper com as primeiras e mais difíceis resistências culturais e mesmo, por que não dizer (?): civilizacionais à sua causa, assim como, para a causa dos homossexuais, homens travestidos de mulher, nos famosos espetáculos de “transformismo” de Paris, nas primeiras décadas do século XX, constituíram o caminho necessário (lamentavelmente ainda necessário), para a aceitação do universo gay, por parte da maioria heterossexual. Para os dias que correm, Marilyn, como Carmen e Marlene, constituem esboços bizarros e, num sentido triste, quase patéticos, da luta feminina por espaço no seio das sociedades, figuras legendárias de um tempo que, finalmente, findou-se para as mulheres. Presentemente, vemos não só madames impecavelmente vestidas em “tailleur” – que é, prestando-se atenção, terno de saia e não mais terno masculino (um evidente indício da androginia moderna) – como ainda fazendo uso de adereços femininos e maquiagem no visual, com elegância e discrição, longe dos esforços burlescos dos ídolos de suas avós e bisavós do século anterior, de modo que, femininas, quanto competentes, elegantes quanto assertivas, posicionam-se com brilho nos mercados de trabalho e em todas os segmentos das sociedades hodiernas.
Toquei na questão da indumentária, para ficar no campo do simbolismo, já que a emancipação feminina deu-se em tantas áreas, simultaneamente, da doméstica à profissional, da cultural à religiosa, que melhor nos atenhamos no pano de fundo das representações alegóricas da cultura, como as sugeridas por sua pergunta e pelas personagens que nos inspiram as reflexões, que foram influentes nos costumes de seu tempo, questão esta que é sintomática de implicações muito mais profundas, que não seria possível aqui detalharmos. (*3)
Eugênia, muito obrigado pela compreensão em abordar a temática.
Preconceito não se ventilar tais assuntos, nos meios religiosos e espirituais, o que revela uma pretensão alienante de superioridade, muito distanciada da genuína espiritualidade. Se cientistas sociais e políticos detêm-se em tais análises, por que nós, os filósofos do pensamento espiritual, não poderíamos adentrar seu território de conjecturas, a fim de lhes extrair os significados e processos subjacentes de amadurecimento das coletividades?
(Diálogo travado em 19 de maio de 2005.)
(*1) Há um filme de Carmen que termina com ela exibindo um chapéu gigantesco de alguns metros de altura, só com bananas, nem “efeito especial” realmente esdrúxulo, embora primário, como permitiam os recursos tecnológicos da época.
(*2) Exatamente em 1930, quando mal havia surgido o cinema falado, Marlene teve a audácia de aparecer num filme beijando na boca uma mulher. Creio difícil dimensionar o impacto escandaloso que causou por aqueles dias uma cena desta natureza, num claro indício da coragem de um “grande general reencarnado”, nos dizeres reveladores da própria Eugênia, em outra mensagem sua, a respeito da famosa atriz alemã que se celebrizou em Hollywood.
(*3) A propósito, curiosa e coincidentemente, em vista de os temas “causa feminista” (melhor seria dizer: “feminina”) e “causa gay” terem aqui se entrelaçado, Carmen Miranda é (conforme informação que não sei se atualizada) a celebridade feminina mais imitada por transformistas do mundo inteiro, em seus shows de “orgulho gay”
(Notas do Médium)