Benjamin Teixeira
pelo espírito
Anacleto.

 O que percebe na minha mão?

Uma pena. Uma pena de pássaro…

Representa a força do ideal, leve o suficiente para ser levada para toda parte, mas muito fácil de ser perdida, pelas brisas passageiras do momento.

O que se deve fazer para não perdê-la ou perdê-lo?

Afixar-se-o ao corpo ou às vestes da alma, de alguma forma.

Como seria isso?

Quem leva a pena solta à mão está correndo o risco de perdê-la ao primeiro golpe de vento. São aqueles que se deixam empolgar por uma idéia, mas que ficam apenas no nível emocional da elação, perdendo toda o impulso para a ação, quando o estado de espírito altera.

Quem leva a pena na mão, mas segura entre os dedos, segura-a por muito mais tempo, mas a qualquer momento, por distração ou necessidade, pode soltá-la… e, facilmente, perde-a também. São as pessoas que tudo encaram na vida pela perspectiva racional, pretendendo manter controle absoluto sobre suas vidas, incluindo seus projetos de ideal. E isso, simplesmente, é impossível, já que a mente racional, consciente, de vigília, sofre enormes limitações que não podem fazer frente ao poder e à complexidade do inconsciente e suas múltiplas motivações contraditórias.

Por fim, quem traz a pena presa ao peito, na roupa da alma, mantém-na consigo pelo tempo que desejar. São as mentes maduras que já entenderam que têm que estar em fluxo com a vida. Usam a razão para afixar o ideal, como um padrão de disciplina, mas sabem fluir de acordo com as sutilezas do momento, flexibilizando regras pessoais conforme as circunstâncias vividas, para não perder de todo o foco do ideal. Assim, em muitas situações, o ideal não estará na mão da consciência de vigília, racional, egóica, como um propósito deliberado de controle, mas estará sempre ali, de qualquer forma, independentemente das oscilações nos padrões pessoais de emoção, de personalidade e de espírito.

Continuo achando vago. É muito fácil pessoas traírem propósitos assumidos.

Não se souberem que não são propósitos, mas sim que são parte de si. É isso que queremos dizer quando colocamos a idéia da pena colada à roupa. Se, em vez de sentirem um propósito como um dever, um fardo, exigindo contínua determinação no sentido de mantê-lo vivo, como alguém que segura uma pena na mão, continuamente, uma pessoa pode entender que algo é tão indiscutivelmente verdadeiro e seu que não precisa pensar mais nela (prendendo-a à roupa com uma presilha) o dispêndio de energia para preservá-la é infinitamente menor, para não dizer quase nulo.

Tem alguma sugestão específica para que alguém possa fazer isso?

Deve perguntar-se, em profundidade, se realmente quer alguma coisa, para se definir por ela. Ideal é um campo de alma. Deve-se estar disposto a dar a própria vida por ele, ou então é melhor não entrar, para não se trair mais tarde, no castigo dantesco, auto-infligido, da frustração. Todo projeto de vida, todo objetivo é pesado, difícil, tem seus ônus e seus desafios. Se alguém não quer, de verdade, alguma coisa, facilmente desiste, desvia-se do caminho, descamba para os caminhos fáceis da fuga, amiúde sentindo-se vítima de perseguições sistemáticas e ingratidões cruentas. Na verdade, o fracasso só acontece, porém, por responsabilidade do próprio indivíduo, que não soube transformar a derrota em um novo aprendizado, em direção a seu objetivo. Com isso, queremos dizer: ninguém se lamente se é difícil algo… se não consegue, se fracassou. Continue tentando, e se desistir não culpe ninguém… A pena ficou solta, por responsabilidade sua mesmo.

Isso parece um pouco trágico. Podemos, todavia, dizer que quem perdeu a pena do ideal pode recuperá-la, não é?

Sim, é claro. É só realmente querer. Existem aqueles que se justificam e se isentam de se esforçar dizendo: Foi um erro da juventude, Agora é tarde e expressões do gênero. Tudo isso é desculpa para não fazer o que se pode em qualquer tempo: acertar o passo com a própria alma. Começando mais tarde, a pessoa pode até se compensar pelo tempo perdido, fazendo, com maior qualidade e às vezes até em termos de quantidade também, aquilo a que se propunha. Fazer a cena da vítima (para si mesmo, inclusive), portanto, é um teatrinho ingênuo que nunca tem respaldo verdadeiro. É uma forma de se eximir do esforço de se comprometer com o trabalho de fazer, transformar-se e realizar-se.

(Diálogo travado em 17 de janeiro de 2002.)