(Trecho do filme “Quo Vadis”, de 1951.)
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Equipe Salto Quântico.]
Benjamin Teixeira,
pelo Espírito Eugênia.
(Benjamin Teixeira) – Eugênia, diante de narrações – escritas ou cinematografadas – do suplício dos cristãos dos primeiros tempos de nossa Era, é comum nos sentirmos muito inferiorizados, com a autoestima abatida, de permeio ao estímulo à nossa fé. Vemo-nos como quase fraudes, ante o exemplo sublime que aqueles santos dos primórdios do Cristianismo nos legaram. Teria você algo a dizer sobre isso?
(Espírito Eugênia) – Sim, meu filho. Vivíamos, então, uma era de ausência de relativismos. Havia a convicção quase geral de que existiam verdades últimas, e que elas poderiam ser alcançadas por alguns seres humanos excepcionais. O questionamento intelectual e moral, traço característico das culturas modernas, de alguns séculos a esta data, e muito mais acentuado depois que a educação em massa aconteceu nas nações mais desenvolvidas, trouxe o demônio da dúvida, da contradição, da incerteza, a assolar o espírito de fé e ideal dos devotos sinceros.
Houve tempo, no espocar dos primeiros albores da razão, como no período do Iluminismo francês (século XVIII, principalmente), em que se pregava, com alguma segurança, que a dúvida constituía uma tentação a que se cedia, uma sedução das forças do mal, que envolviam mentes mais susceptíveis às manipulações de “Satanás”. Todavia, quando esta natureza de argumentação caiu completamente por terra, à medida que a ciência, conjugada à tecnologia, à indústria e à sociedade de consumo, trouxe benefícios em massa a milhões de criaturas, e que o conhecimento deixou de ser uma prerrogativa de raros indivíduos, privilegiados e doutos, a praga do ateísmo e do materialismo se alastrou, de permeio a uma natural e desejável (porque salutar, construtiva, estimulante ao progresso e à maturidade) tendência da mente mais esclarecida: o cepticismo – a predisposição a questionar, filtrar informações, submeter aos crivos da lógica e do bom senso (bom e correto, sereno e imparcial pensar) todo dado que chegue do mundo externo. Ser cético, contudo, não é ser um negador, um descrente, mas sim um pensador arguto, alguém que, por mais ponderado e lúcido, maduro e esclarecido, não tem pressa de formular conclusões a respeito de nada, porquanto sabe que a pressa corrompe os melhores métodos do pensar correto, dificultando a interpretação de eventos, quanto a coleta isenta de informações para o mapeamento do território submetido, em dada circunstância, à aventura exploratória do intelecto.
Havia, sim, naqueles dias prístinos dos testemunhos cristãos primordiais, grandes anjos que desceram, em pessoa, aos proscênios da reencarnação, para estabelecer as bases do Cristianismo nascente. No entanto, em meio a eles, existia, outrossim, uma legião de almas ignorantes e de boa-fé, quase primitivas, que, de boa mente, entregaram-se ao martírio, não por uma deliberação lúcida de seus espíritos, mas por falta de lucidez para tomar uma decisão mais ponderada. O mérito ainda subsistia, para aquelas almas puras e devotas, que, desobedecendo a instintos primários de autoconservação, entregaram seus corpos ao suplício, por uma Causa justa, nobilíssima. Entretanto, a falta de acuidade mental que propiciasse acesso ao nível de processamento da dúvida, reservada, naquela época, aos indivíduos mais evoluídos, numa faixa diminuta de percentual, reencarnados na Terra, subtraía-lhes muito do crédito por sua ação heroica. Logo, o mérito deles não estaria tão distante, isoladamente considerado (ou seja: se pudéssemos retirá-los da graça inaudita de estarem participando daquele cenário e evento históricos ímpares), do de profissionais e pais de família da atualidade, que desobedecem ao comando do corpo por descanso e prazer, para que, em laborando além das próprias forças, adquiram mais bens ou benesses em serviços, com vistas aos conforto e instrução, deleite e segurança dos filhos amados.
A analogia é um tanto forçada, porque, a despeito de quaisquer considerações que teçamos a respeito do verdadeiro fundo de intenções para seu martírio, aqueles que seguiram os gênios do plano sublime em missão, como os Apóstolos e primeiros pregadores do Cristianismo Primordial, à hecatombe cristã daqueles longínquos dias, partilharam de seus méritos, por colaborarem a compor, efetivamente, uma “massa crítica” de “fertilização psíquica” do solo do inconsciente coletivo do planeta, doando seu sangue, suor e lágrimas, quando não seus corpos por inteiro, como material a adubar e irrigar a gleba árida da “Anima Mundi” (“Alma do Mundo”) daqueles dias. Os místicos estavam certos, embora isso cause repulsa espontânea (o que é justo e bom), nas psiques civilizadas de hoje: a ideia de que era necessário, para a implantação do Cristianismo no orbe, o sacrifício daqueles homens e mulheres devotos – entre eles, grandes Ases da Espiritualidade Sublime, que inspiravam e conduziam as Comunidades das Primeiras Igrejas a se confiarem, inermes e em êxtase, ao holocausto em nome de Jesus.
Atualmente, há outras fogueiras ardentes, quanto feras famélicas de diversa natureza – como já foi dito, alhures, por diversos autores espirituais (alguns, por meio mediúnico como este). E o mais difícil, indubitavelmente, é submeter-se ao ridículo, a se ver achincalhado em praça pública, a ser deplorado pelos próprios irmãos de fé, pois que os verdadeiros mártires da atualidade não são sequer motivados e/ou apoiados, pelos seus confrades, a persistirem em suas obras do bem. Quase sempre atacados pelos próprios coevos, em quesito de fé, são apresentados a escárnio público e submetidos a estratégias de descoroçoamento de tal modo bem elaboradas e tão persistentes no tempo, que somente as almas muito nobres e envelhecidas no carreiro dos séculos logram manter perseverança até o fim. Por outro lado, abundam, por toda parte e de todas as fontes, toda ordem de estímulo, elogio, apoio e conforto, para quem não ousa fazer tanto, para quem não se expõe, para quem não se entrega ao ideal. Agora, portanto, os heróis são vistos como palhaços, charlatães ou dementes irresponsáveis, não mais como modelos a serem seguidos, o que fomentava, e muito, o impulso de se sacrificar, de modo espetacular, em algumas personalidades mais egoicas que propriamente heroicas, no âmbito moral-espiritual.
Esses leões metafóricos devoram expressiva fatia dos melhores cérebros e, de pasmar: também dos melhores corações encarnados na Terra. Não é para menos, quando a família, a religião, a ciência, os terapeutas, as autoridades constituídas, os afetos mais caros, a sociedade como um todo e os próprios companheiros de ideal gritam em coro: “Pare, louco-falso! isso não é bom para você nem para ninguém! Você é um vaidoso fanático e hipócrita, doente e suspeito!” – não uma ou duas vezes, mas como um concerto orquestrado, no correr de décadas… Somente almas muito temperadas, em sucessivas existências de provação e renúncia, logram suportar, mantendo-se ativas e entusiasmadas, felizes e amorosas até o fim.
Um momento de êxtase e coragem heroica, entregando-se o corpo a uma pira ardente, pode até ser resultado de um surto histérico – o que autores da atualidade denominariam de surto psicótico ou maníaco (para alguém que padeça grave transtorno bipolar) –, mas a sistemática, consciente, deliberada persistência num caminho sacrificial, parecendo estar contra tudo e contra todos, inclusive o interesse pessoal, em favor de um ideal que é questionado, combatido e ridicularizado por miríades de vozes tidas por respeitáveis, é, de fato, uma glória inacessível à es-ma-ga-do-ra(!) maioria dos encarnados na Terra. Por isso, hoje, os exemplos de renúncia e idealismo cristãos rareiam, empobrecem e, progressivamente, parecem empalidecidos, ante os modelos idealizados d’outrora.
(Diálogo travado em 6 de setembro de 2009.)
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