Um breve ensaio autobiográfico e bibliográfico, à guisa de introito
A pedido da orientadora espiritual Eugênia-Aspásia, começo por me confidenciar publicamente, historiando alguns tópicos de minha atual reencarnação.
No início de 1983, pouco depois de completar 12 anos (outubro de 1982), li “O Mito da Caverna”, de Platão. Uma experiência inesquecível e angustiante. Reli uma vez, duas, três, quatro… e continuei sem entender. Envergonhei-me profundamente de mim mesmo, mas nada disse a ninguém – sigilo absoluto: carregaria esse segredo comigo para o túmulo.
Certamente, eu deveria portar algum grave distúrbio neurológico: seria muito pouco apenas ter limitada inteligência. As palavras eram claras… e eu, simplesmente, não conseguia decodificar aquela doutrina abstrusa, hermética, inacessível – assim se me afigurava a metáfora utilizada pelo extraordinário filósofo da Antiguidade Clássica, para descrever o embotamento das ideias no mundo das formas.
Ficou-me tão evidente que eu padecia um morbo no cérebro, que cheguei a levar o problema a uma médica que à época tratava de minhas crises de asma, agravadas com o auge do transtorno de ansiedade que também me assolava por aqueles dias. Riso escarninho de canto de boca por parte da profissional de saúde, olhar compreensivo de uma parenta que me acompanhava e contemplava a cena das respostas irônicas da tal que seria (ou deveria ser) discípula de Hipócrates.
Pouco mais tarde, entre os meus 14 e 17 anos, alternei publicações que sumariavam o pensamento de Buda, Confúcio, Lao Tsé, entre outros sábios da Antiguidade Oriental, com livros de Norman Vincent Peale e, mormente, de Joseph Murphy, autores dos celebérrimos “O Poder do Pensamento Positivo” e “O Poder do Subconsciente”, respectivamente.
De permeio, debruçava-me sobre clássicos da filosofia ocidental, como rudimentos de Sócrates e Aristóteles – além de Platão, novamente –, Parmênides e Demócrito, compulsando ainda, muito superficialmente embora, algumas obras de pensadores(as) da modernidade: Descartes (“Discurso do Método” – com a mais bela argumentação da existência de Deus, a partir da análise matemática da perfeição de uma esfera), Thomas More (“Utopia”), Voltaire (impagável), Schopenhauer (misógino carismático), Immanuel Kant (com sua pontualidade e ordenação de vida tão perfeitas quanto sua teoria), Herbert Spencer (rebelde brilhante), Francis Bacon (outro misógino, com especulações eróticas e esquizoides de “submissão da natureza à ciência, como a mulher se submete ao homem”) e, lamentavelmente, Jean-Paul Sartre, o militante da desolação satânica, em “O Ser e o Nada”.
Enquanto Gautama Buda, seis séculos antes de Cristo, lecionou, em sua máxima suprema, que “somos o que pensamos”, Sartre riu-se, desdenhoso, ao cogitar que “existimos pelo fazer” – uma forma disfarçada de dizer “não somos nada”. Lendo-lhe as páginas eivadas de niilismo cínico, em plena sala de aula (de matemática, no ensino médio), afundei como pedra no leito de um rio… a rolar e rolar… sem rumo, ao sabor das correntezas da vida…
No início de 1987 (12 de março), entrei em colapso mental, recolhendo-me, mais uma vez, à minha fé em Maria Santíssima, no correr de três meses sucessivos. Nesse período, que mesclava pânico com desespero, depressão com amargura inenarráveis, dedicava-me com fervor às práticas espirituais de rezar diariamente três rosários (nove terços) e de assistir à missa (eventualmente, mais de uma), também todos os dias, meditando e pedindo socorro a Nossa Mãe Maior, para não enlouquecer nem ceder a induções suicidas – o que, depois, viria a saber tratar-se de uma estratégia obsessiva visando suspender a oportunidade preciosíssima da encarnação que ora desfruto, por misericórdia do Governo Espiritual da Terra.
Em fevereiro de 1988, exatamente três anos após encetar essa árdua e magnífica viagem de busca de significado, de propósito para viver, de perseguição intensa da sabedoria, descobri, por intervenção de uma familiar biológica, “O Livro dos Espíritos”, peça basilar do educador francês que se ocultou no pseudônimo Allan Kardec.
Concomitantemente, ao vasculhar a biblioteca doméstica, deparei-me com o extensíssimo compêndio que causaria enorme impacto em minha mundividência, o então revolucionário “A Terceira Onda”, de Alvin Toffler, um racionalista-pragmático notável que me ajudou a descer do círculo das elucubrações exageradamente abstratas e a fincar os pés no chão da realidade, a fim de que pudesse materializar meus intentos humanitários, quanto me estivesse ao alcance.
Uma teia curiosa de sincronicidades envolveu meu estudo meditativo desses títulos de Kardec e Toffler, gênios ímpares e didáticos na elucidação de questões intrincadas. Li o primeiro no Carnaval de 1988 e o segundo por ocasião do alistamento militar, nesse mesmo ano, e as imagens da folia e do quartel remeteram-me ao que tem pautado minha presente existência física, desde o berço: o combate veemente por lançar luz sobre as trevas.
Entretanto, voltemos a 1987. Achava-me imerso em dilemas que não só me davam vertigens intelectuais, mas me provocavam assustadores “parafusos” emocionais. Em seara tão espinhosa, que imbrica filosofia, paranormalidade e espiritualidade avançada, não encontrava professores(as) ou conselheiros(as) a quem recorrer, para dirimir minhas dúvidas tortuosas: os(as) que ousei consultar zombaram de meu esforço por pesquisar tais assuntos e tão só me sugeriram, sumariamente, deixá-los de lado – como se fosse possível ignorar um conceito novo que, em nível mais alto de elaboração de raciocínios, questiona o estabelecido.
Resultado: traumatizei-me, sob a pressão devastadora dessa crise pré-suicida de 1987. Sentindo-me numa montanha-russa de tormentos intermináveis, acabei por vincular, com raízes profundas fincadas em minh’alma, esse mal-estar medonho à onda do New Thought norte-americano, que parecia afirmar tudo ser perfeitamente realizável, não por ser devido, justo ou decente, mas meramente por ter sido crido, alardeando, pois, a meu ver, um mundo cínico, desprovido de uma Ordem Supervisora. Sartre e Schopenhauer, sem dúvida, participaram disso, com grande peso…
No transcurso das duas décadas posteriores aos eventos aqui narrados, fui paulatinamente fazendo as pazes com essa corrente filosófica (em acepção ampla), apesar de reconhecer todas as ressalvas apontadas por Eugênia no diálogo abaixo, a começar da cautela em relação a charlatães(ãs) e autores(as) excessivamente simplistas, que desconhecem a teia de complexidades da vida e, principalmente, a existência de um Poder Divino Supraordenador, neste Universo inteligente e concatenado por Potestades do Domínio Excelso de Consciência.
Por fim, a mestra espiritual que, por Misericórdia Celeste e nenhum mérito atribuível à minha pessoa, dirige-me as atividades de divulgação dos ideais da Espiritualidade Maior, solicitou-me endossar, em nome de nossa organização, uma insigne expoente do “Novo Pensamento”, por sua abordagem lúcida, ética, multifacetada e transdisciplinar, a despeito da simplicidade quase proverbial de que se reveste: a ianque todo-coração Louise Hay, uma nobre dama da Esfera do Bem que reencarnou em missão no orbe.1
Qual uma vovozinha amorosa e otimista, enérgica e pragmática, Louise é um exemplo em vários sentidos, inclusive no que concerne aos trágicos lances de sua biografia, que ela soube tão bem reverter a seu próprio e a benefício de milhões de admiradores(as) que, planeta afora, lhe aproveitam as proposições singelas e salvadoras.
Segue-se, então, o diálogo acerca do delicado tema, que aliás já foi versado pelo guia espiritual noutras oportunidades2, em tom bem mais áspero.
Irmão em Cristos, Jesus e Maria,
Benjamin.
21 de setembro de 2009
O diálogo
(Benjamin Teixeira de Aguiar) – Eugênia, você nos poderia, novamente2, dizer alguma coisa sobre a linha filosófica do New Thought, que nesta década eclodiu em novo “revival”, nos EUA e no mundo inteiro?
(Eugênia-Aspásia) – Sim. Que todos(as) procurem ser felizes. Esse é um dos alicerces axiais de nossa escola de pensamento – não é verdade? Jesus recomendou, primordialmente, que “buscássemos antes o Reino dos Céus e Sua Justiça”, já que, com isso, “as demais coisas nos seriam acrescentadas”3.
Adeptos(as) do Novo Pensamento propalam que o bem-estar é essencial. Correntes de psicologia, por sua vez, igualmente preconizam uma melhor qualidade de vida, com base na redução do estresse, entendendo que a constituição da autoestima, fomentadora de intraduzível e intransferível sensação de bem-aventurança, representa a “lapis philosophorum”, a pedra fundamental para a resolução dos transtornos de personalidade e mesmo do caráter – segundo vertentes mais ousadas, sobremaneira as reencarnacionistas.
Todavia, para que propiciemos a felicidade-plenitude, conforme asseveram enfaticamente tradições religiosas e espirituais de todos os tempos e culturas, é imprescindível atendermos certas precondições que se poderiam sintetizar na seguinte quaternidade: desapego, solidariedade, perdão e gratidão.
Bons(boas) profitentes dessa “doutrina” contemporânea de filosofia comportamental naturalmente compreendem tais diretrizes como constituintes viscerais de seu cânone ideológico; outros(as), no entanto, menos responsáveis ou experimentados(as), negligenciam-nos irrefletida e lastimavelmente.
Em outras palavras, embora aparentemente se proclamem novidades, apenas as tintas são novas – o conteúdo permanece intocado. Afinal de contas, não foi Nosso Senhor Jesus, a Voz da Verdade para a Terra, quem primeiramente nos propôs esta lição: “Pedi, e dar-se-vos-á; buscai, e encontrareis; batei, e abrir-se-vos-á”4?
O lamentável, contudo, é que, em sua esmagadora maioria, a literatura denominada de “autoajuda” não ressalta os preceitos espirituais que resumimos acima e sequer cita as fronteiras principiológicas irretorquíveis que devemos cuidadosamente observar na vivência do “pensamento positivo”, sob pena de inviabilizarmos a concretização de nossos ideais.
De outra sorte, ainda que logremos êxito em algumas metas, podemos, ironicamente, comprometer nossas linhas de destino, sofrendo graves consequências cármicas, decorrentes de eventuais invasões que cometamos em terrenos que não nos foram designados por Deus e Seus(Suas) Prepostos(as) do Plano Sublime.
Vejamos três desses limites-filtros primaciais da faixa da benevolência e da sabedoria:
1) Não violar o espaço sagrado do livre-arbítrio alheio – utilizando expedientes psíquicos para perpetrar ingerências no campo mental de terceiros, por melhores que sejam as intenções pretextadas.
2) Não colocar os valores materiais acima dos espirituais – aplicando a lei de atração para, digamos, acumular fortuna ou prestígio. As aspirações do espírito devem sempre ter primazia sobre os impulsos do ego, e não o contrário.
3) E, sobretudo, ter em mente que não somos, como individualidades, o centro do universo. Não estamos no planeta, encarnados(as) ou desencarnados(as), para satisfazer desejos pessoais, mas sim para cumprir um propósito de serviço ao bem comum, em função de um Todo-Maior – o que, paradoxalmente, nos conduz à genuína liberdade, à autêntica felicidade.
Há uma Ordem Inextricável na Criação, de tal modo que devemos, quanto possível, nos harmonizar com essa Orientação Superior, para não ousarmos desejar o que não seja condizente com nossos atuais potenciais e necessidades evolutivos. Semelhante atitude diante da Vida nada tem a ver com falta de fé ou com crença preconceituosa de que não merecemos isso ou aquilo. Ao contrário, denota um maior desenvolvimento psicoespiritual, que nos permite intuir, com mais clareza, a missão que a Divina Vontade, em Sua Perfeita Inteligência, nos confiou, no concerto da sociedade que integramos e dos relacionamentos interpessoais que entretecemos.
Eis, portanto, enfeixados, os motivos principais para as reservas que apresentamos noutras ocasiões, a respeito da temática, por escrito ou em pronunciamentos falados e/ou televisados.
O princípio da atração existe – o pensamento é a matriz de tudo. Não obstante, há outro princípio óbvio e, por sinal, predominante: o da evolução. Nem tudo é acessível a qualquer um(a), porque nem toda consciência tem a mesma idade espiritual. Dessarte, por diferenças idiossincráticas sutilíssimas, demasiado complexas e, em muitas de suas nuances, imperscrutáveis à capacidade de escrutínio humano na atualidade, nem todos(as) nasceram com as mesmas delegações de responsabilidade.
Por essa razão, algumas criaturas incautas, que mentalizam demais projetos incompatíveis com seu estágio evolutivo, amiúde podem, em havendo merecimento para tanto, adoecer ou falir, em vez de atingir determinados objetivos que as fariam, a posteriori, pagar caro pela insensatez de ambicionarem o que lhes fugia à incumbência pessoal.
Ninguém imagine que seja fácil conquistar algo importante na vida. O estado de fluxo decorre, sim, da eliminação de amarras egoicas, bem como de condicionamentos familiares e educacionais destrutivos. Entrementes, parar por aí a reflexão sobre esse estado de alinhamento profundo (de fluxo) com o cosmo revela um simplismo leviano e perigoso, porquanto pode levar à viciosa suposição de que as realizações significativas da alma e a edificação do melhor, em quaisquer departamentos existenciais considerados, não demandem uma rigorosa rotina de trabalho, desdobrada com constância, persistência e disciplina invulgares, incluindo o sacrifício quase contínuo de adiar gratificações.
Discursos que anunciam atalhos ou fórmulas prontas confundem muitos caracteres menos amadurecidos, acarretando-lhes perdas irreparáveis de ensejos de crescimento e ação no bem.
Não se pode esquecer de que o estado de zona, a excelência que flui da mente de gênios e sumidades de diversas áreas, é resultado de empenho excepcional desses seres brilhantes, que laboram por expandir as próprias habilidades no decurso de décadas consecutivas… em verdade, séculos que se sucedem, em inúmeras reencarnações.
Seria absurdo sugerir a um(a) iniciante no aprendizado de piano, por exemplo, que se dedique menos em seus exercícios com o instrumento, para assim se assemelhar aos(às) pianistas virtuoses, que parecem não fazer esforço algum ao interpretar as mais difíceis peças musicais.
A proficiência não é alcançada por acaso. Os(as) grandes realizadores(as), de qualquer âmbito do saber ou do agir humanos, consagram horas incontáveis, ano sobre ano, submetendo-se a exaustivo programa disciplinar de estudo, treinamento e trabalho… muito trabalho!!!
(BTA) – Obrigado, Eugênia. Gostaria de aditar algo?
(EA) – É tudo que, por ora, pretendíamos publicar em torno do assunto.
Benjamin Teixeira de Aguiar (médium)
em diálogo com Eugênia-Aspásia (Espírito)
16 de setembro de 2009
1. Caberia, outrossim, um destaque à figura do precursor de todo o movimento New Thought, o pai da escola transcendentalista norte-americana do século XIX, Ralph Waldo Emerson, a cujas obras tive acesso apenas na casa de vinte anos.
(Nota do médium)
2. O tema fora recentemente abordado no artigo “O Gênio-Anjo interior (diálogo mediúnico)”.
(Nota da equipe editorial)
3. Mateus 6:33.
(Nota da equipe editorial)
4. Mateus 7:7.
(Nota da equipe editorial)