Benjamin Teixeira
pelo espírito
Eugênica.

Eugênia, você poderia discorrer sobre o que você quis dizer quando falou em o casamento ser aberto, e que os parceiros deveriam comunicar a suspensão do compromisso afetivo, quando estivessem com dúvidas sobre o sentimento, e ter outras experiências, avisando o cônjuge?

Sim. Expressei exatamente aquilo que todos os casais sensatos fazem, antes de apelarem para a medida extrema do divórcio: primeiramente suspendem, a quatro paredes, o compromisso afetivo, para verem se realmente se trata de uma crise permanente ou provisória, com o intuito de dar uma chance para o relacionamento se refazer. De fato, procurando nos manter distanciados de posturas extremadas, muita vez evitamos graves deslizes e descaminhos existenciais da programática de vida feita antes da reencarnação. Agindo com ponderação, com cautela, amiúde se percebe que a crise era temporária e que o grande amor e o grande compromisso afetivo continua sendo com o parceiro do casamento em momentânea bancarrota. É errado tanto se colocar contra a necessidade do divórcio (essa não seria uma proposta espírita, já que, de tão indiscutivelmente necessária, o ínclito codificador a apôs dentro de “O Evangelho segundo o Espiritismo”), nem, por outro lado, a atitude licenciosa e irresponsável de quem termina um casamento como quem troca de roupa. Propusemos, assim, um meio termo que se ajuste às necessidades reais de quem passa por dificuldades no matrimônio.

Eugênia, algumas pessoas, lendo um diálogo que travei com você, a respeito do casamento, supuseram que você propunha a suspensão da necessidade de fidelidade no casamento, da naturalidade com que se devam encarar relacionamentos paralelos com outras pessoas, com anuência do cônjuge. Provavelmente não devo ter sido feliz na forma de exprimir seu pensamento, para terem deduzido algo nesse sentido. Você poderia deixar clara sua opinião a respeito?

Suporem que um médium espírita diria algo do gênero já denota profunda má vontade. Ninguém deixa de crer que o Deus dos cristãos é Amor, pelo fato de que, no Antigo Testamento, haja passagens que apresentam Javé movido de fúrias “sagradas”, porque, quem lê, dá um forte desconto ao escritor do texto, humano, e, por outro lado, procura fazer uma interpretação simbológica do texto, tomando as passagens aparentemente sacrílegas como metafóricas. Obviamente, nunca diríamos algo do gênero, nem cremos que o médium diria, da mesma forma. O que propusemos foi exatamente o inverso: um freio para aqueles que se encontram em tal crise conjugal, que já estejam decididos pela separação. Assim, sugerimos que ficassem morando sob o mesmo teto, por um tempo, apesar de já terem rompido o compromisso afetivo, até que não sobre nenhuma dúvida de que o relacionamento, de fato, chegou ao fim.

E sobre virgindade? Recentemente propusemos, em público, que se casar virgem seria uma atitude irresponsável. Concorda?

Sim. Em todos os níveis: físico, emocional, espiritual, mental, em considerando virgindade como falta de conhecimento do outro, em algum estrato do seu ser. Não por acaso, uma forma clássica de se falar em perda da virgindade era, justamente, usar o verbo “conhecer”: “E, então, a noiva ‘conheceu’ seu esposo”. No passado e em certas culturas, quando os casamentos eram previamente acertados pelos pais dos noivos, geralmente por interesses materiais, os componentes de um casal só se conheciam no momento do matrimônio. Naquele instante grave de suas vidas, em que se enlaçariam para sempre, durante um existência física inteira, viam-se pela primeira vez. Isso seria considerado, atualmente, em quase toda parte, um total despautério. O mesmo se pode dizer para os outros níveis do ser, todos interconectados, todos revelando novas camadas da intimidade espiritual do indivíduo. Quem tem um mínimo de maturidade psicológica e experiência na vida sabe que não se conhece totalmente o futuro parceiro, antes que se inicie o conúbio sexual. Uma série de estratos emocionais do indivíduo manifestam-se somente após o intercurso carnal. Casar-se sem conhecer as idéias do outro, seus valores, sua forma de ver o mundo, seu modo de ser, pensar e sentir, suas metas… seria um completo descalabro. Mais que isso, hoje se sabe, entre os mais lúcidos, que não só é indispensável o relacionamento sexual, para um maior conhecimento do outro, mas também uma fase de experimentação indispensável dos consortes numa vivência a dois, na intimidade do convívio diário, morando juntos, para que se possa ter uma segurança maior da viabilidade do relacionamento. Somente então o bom senso manda que se parta para a iniciativa seriíssima de os nubentes se vincularem pelos elos sagrados do consócio matrimonial. Não agir assim seria leviandade e desconsideração da importância da iniciativa matrimonial ou muita ingenuidade e desinformação sobre a natureza humana, para não falarmos de preconceito e pouco conhecimento sobre a complexidade dos relacionamentos interpessoais, na prática. Obviamente, muitos poderão considerar escandalosa tal postura, mas qualquer pessoa medianamente instruída e esclarecida, madura e honesta reconhecerá que o que apresentamos constitui um inequívoco truísmo.

Mas não parece esse um estímulo a que os jovens se lancem a posturas licenciosas?

Os jovens devem ser orientados de modo realístico, ou serão, com pregações moralistas, irônica e reversamente, lançados no abismo dos excessos. Negar que tenham experiências sexuais, na cultura liberal que se generalizou, nesse sentido, equivale a proibir-se o uso dos preservativos, para que sejam castos, como propõe a igreja católica de hoje: ambos um crime contra a vida, porque, ao passo que os preservativos protegem as pessoas de contraírem DST’s e de sofrerem uma gravidez indesejada, a orientação liberal propicia uma maior capacidade de escolha consciente e não precipitada ou ansiosa, pelo desejo de logo iniciar a vida sexual que é completamente secundária na grande decisão de se casar, quando confrontada com questões muito mais profundas e graves, como a da afinidade de valores ético-morais e de paradigmas interpretativos da realidade, metas e projetos de vida entre os que se dispõem ao matrimônio.

Mais algo supõe importante dizer sobre a temática?

Que as pessoas foquem menos a questão do sexo e pensem mais no amor. Os erros cometidos, no correr de séculos sucessivos, por conta da acentuada relevância que se deu ao tema, têm conduzido massas de milhões de indivíduos a perder encarnações inteiras em discussões estéreis ou culpas contraproducentes, enquanto assuntos essenciais são escandalosamente negligenciados, como a prática do bem, a melhoria de si, a moralização da alma, a expansão da consciência para perspectivas mais amplas, a dilatação do cabedal próprio de conhecimentos. Que esse grave desvio de foco, cometido, criminosamente, por milênios, não tenha continuidade nos dias de hoje, a fim de que abusos de toda ordem não sejam perpetrados, enquanto se “discute o sexo dos anjos”, expressão essa que se tornou popular, justamente pelo gritantemente óbvio grave erro de avaliação do moral, ético e justo que a preocupação exacerbada com as questões do sexo representa.

Por fim, gostaria que nos esclarecesse sobre um último tópico: o que fazer quando percebemos contradições ou mesmo distorções da boa moral ou dos bons princípios do senso comum, num texto mediúnico?

1. Lembrar o que disse Kardec: “a contradição, no mais das vezes, é aparente”. Deve-se procurar mais o fundo que a forma, a essência que a aparência. A Bíblia, por exemplo, é uma grande colcha de contradições, se for lida de modo literal. Quando lhe buscamos mais o conteúdo que a fraseologia utilizada, podemos, então chegar-lhe à essência, pondo em segundo plano a aparência dos enunciados.
2. Consultar o médium, a respeito do que a entidade comunicante teve intenção de dizer. Amiúde, acontece infelicidade na forma de expressão ou o que um autor encarnado (*) já chamou de “cochilos mediúnicos”, quando um pensamento “desce” truncado ou incompleto pela mente tradutora, intérprete que o médium constitui.
3. Fazer o cotejo do texto considerado “estranho” com as assertivas ínsitas em outras obras, kardequianas ou complementares. Às vezes, uma afirmativa controversa já está inserida em obras clássicas, mas de modo tão discreto ou sutil que passa desapercebida.
4. Caso se chegue à conclusão que o médium, de fato, equivocou-se, procurá-lo para o alerta fraterno, seja para que se averigúe:
a) se houve falha de filtragem mediúnica, ou seja, uma distorção conceitual, no momento da recepção mental do texto observado.
b) Se, eventualmente, a entidade manifestada tratava-se de um obsessor, confundido, por desaviso do intérprete, com um mentor.
c) Se a entidade comunicante sempre foi mal-intencionada, mas, como classificou Kardec de “espíritos mistificadores” ou de “pseudo-sábios”, disfarçava-se sob as vestes conceituais de sabedoria aparente.
d) Se conteúdos do inconsciente do próprio medianeiro não vazaram indevidamente para a mensagem “provinda” do Plano Maior.
5. Finalmente, considerar a possibilidade de o médium estar sendo canal de um laboratório-revelativo, permitam o neologismo. O que com isso queremos dizer é que certas ordens de revelação são tão polêmicas, complexas e de difícil comunicação e assimilação para o mundo, que os mentores espirituais fazem experimentações gradativas de transmissão de seus conteúdos, até que se chegue o momento em que o consenso se faça e todos os médiuns possam, sem grandes impactos, ratificar a assertiva. Nem sempre, portanto, pode-se aplicar o princípio da universalidade da comunicação mediúnica, porque, às vezes, a quase generalidade dos médiuns pode não estar apta a assimilar o conteúdo revolucionário que um ou outro medianeiro esteja. Tivemos exemplos disso quando o nosso irmão Chico Xavier, grande missionário do Espiritismo em terras mineiras, trouxe a lume a idéia de cidades astrais, assim como Yvonne Pereira, quando comunicou à Federação Espírita Brasileira, uma mensagem de Bezerra de Menezes em que o médico desencarnado previa que, no futuro, a Espiritualidade se comunicaria com o mundo através de aparelhos, a tão famosa hoje transcomunicação. Ambos trouxeram a público tais informações na década de 40 do século passado e cada um, em medida diversa, foi alcunhado de obsediado e mistificado, por grandes líderes do movimento espírita. No plano moral, vemos o número impressionante de vezes em que assuntos melindrosos foram tratados com lucidez e antevisão extraordinárias pelo mesmo ímpar Chico Xavier, como sua abordagem mediúnica, por exemplo, sobre homossexualidade, nos livros: “Sexo e Destino” (1963) e “Vida e Sexo” (1968), respectivamente dos autores espirituais André Luiz e Emmanuel.

Em suma, muito critério antes de se chegarem a conclusões a respeito de médiuns, sua mediunidade, ou a qualidade das entidades comunicantes, porque, amiúde, como mui inteligentemente afirmam os americanos, joga-se ou se quer jogar fora o bebê com a água do banho ou, por outro lado, não demos vazão a vícios do passado de reacender as fogueiras da inquisição e fazer a maldita caça às bruxas, quase sempre dentro de nós mesmos, em nossas resistentes limitações morais.

Mais algo a dizer sobre esse tema ou sobre os anteriores?

Apenas lembrar que o diálogo, a serenidade, a indulgência e a prece devem pautar as relações nos ambientes ditos realmente cristãos e espíritas e que somente por um bom entendimento das diferenças (freqüentemente não muito diferentes) e pelo foco nas semelhanças (normalmente maiores do que imaginamos), podemos nos irmanar numa grande teia de fraternidade e amor, espraiando, pelo mundo, os exemplos indiscutíveis de uma nova civilização, uma nova era, uma nova humanidade para a Terra, missão essa que motivou a vinda do Espiritismo para o nosso orbe.

(Diálogo mediúnico travado em 3 de junho de 2003.)