por Benjamin Teixeira de Aguiar
Primeiro de outubro de 1984… É incrível… mas já se passaram 20 anos! Estava na 7a série do primeiro grau, na iminência de completar 14 anos (em 26 de outubro). Nos últimos anos (de ’82 e ’83), tinha passado por um verdadeiro tormento de oscilações de todas as ordens. Numa semana queria ser empresário da indústria; n’outra, do ramo editorial; na terceira subsequente, sonhava em ser escritor e apenas isto. Parecia que amava tudo e queria ser tudo ao mesmo tempo. Uma angústia indescritível. Foi quando, naquela tarde morna de primavera, nossa professora de Português encomendou-nos uma redação. Tema: “Eu”. Talvez tenha lido “Monstro”, porque foi assim que pintei o quadro a respeito de minha própria personalidade. Uma excitação quase mística tomou conta de mim, e o lápis grafite corria célere, sobre o caderno pautado, fazendo nota da extensão intérmina de meus defeitos.
Não sabia eu, porém, que estava desencadeando poderoso processo de transformação psicológica, pelo “simples” fato de estar me desnudando tão dramática e duramente ante mim mesmo e meus colegas. Em verdade, posso dizer: nada simples. Talvez fosse nisso que residisse minha precocidade: uma forte percepção sobre mim mesmo, sem máscaras – ou com poucas máscaras, já que, em tese, é impossível nos revelarmos completamente a nós próprios, por nossas próprias limitações intelecto-morais. Aquela uma hora reservada para escrever sobre mim não foi suficiente. Parei onde estava, ao toque da sirene do colégio, e acabei por concluir meu trabalho, de várias páginas de condenação impiedosa contra mim mesmo, no dia 10 de outubro, quando nos seria permitido expor, perante os companheiros de classe, o resultado da redação.
Enxerguei em mim, praticamente, todos os defeitos que um ser humano pode portar… e, ousadamente, li o material para todos os colegas. Ainda me recordo de alguns rostos atônitos, enquanto eu, de minha parte, em vez de me sentir paralisado de medo, excitava-me com uma intraduzível sensação de libertação pessoal. Andréa Campos, meu amor infantojuvenil no correr de mais de cinco anos, estava lá, na plateia, e ouviu, boquiaberta (literalmente), a minha declaração, na frente de todos, de meu amor idolátrico por seu rosto escultural e sua elegância e carisma ímpares, para minha cabecinha de menino, desde os idos de 1977, quando a conheci, no último ano pré-primário. Dá para imaginar um adolescente fazendo isso? Eu realmente deveria ter vários “parafusos” a menos no cérebro – claro que hoje não mais! (risos) Havia alguns relatos positivos, pouquíssimos porém. Não conseguia identificar culpados: assumia toda a responsabilidade pelo que acontecera e acontecia em minha vida – hoje também me congratulo por ter feito isso, na altura de meus 14 anos incompletos, quando normalmente os jovens se acham perfeitos e vítimas da maldade e da injustiça de todos e de tudo.
Lembro-me também de Lilibete (a professora, como a chamávamos carinhosamente) interromper-me várias vezes com um timbre de admoestação terna: “Não, você não tem todos esses defeitos! Não, isso não é verdade…” Minhas mãos ficavam trêmulas, com isso, pela mais leve possibilidade de ela me determinar parar a confissão pública: era o desespero do paciente em meio a uma erupção vulcânica de uma profunda catarse. Como diria um Apóstolo, todavia: “Não há pecado que um irmão meu cometa que eu não possa cometer.” Não andava fazendo maldades, nem mesmo traquinagens (deveria ter feito algumas – risos), mas sentia a potencialidade para praticá-las, e isso me bastava para me rotular como agente, mesmo sem ser.
Exatamente 3 meses depois (o três é símbolo arquetípico da perfeição), somando-se um dia, em 11 de janeiro de 1985, tive então minha bombástica e mais impressionante – até hoje – experiência mística. Vi-me 200 anos à frente no tempo, e alguém me falava a respeito de mim, daquela perspectiva. Wow! – diriam os americanos! Aquilo foi realmente uma vertigem psíquica! Ver-se da ótica de um outro tempo é realmente assombroso, e mesmo hoje tenho dificuldade de compreender todas as nuances que me foram apresentadas às 21h25 daquele dia, na maravilhosa Recife, capital de Pernambuco. Corri para pegar caneta e papel e registrar a ocorrência que pressenti, de imediato, ser de profunda importância, e ainda guardo o documento precioso comigo, com minha caligrafia de garoto e a assinatura com data e horário ao final da folha de papel ofício, seguida de inúmeras outras laudas, cheias de comentários retroativos ao que tinha acabado de grafar à mão.
Foi um encontro com o Self, meu primeiro encontro com aquilo que Jung denominava de “arquétipo da totalidade”. Mais curioso ainda é haver confirmado a sequência metodológica do despertar psicoespiritual, conforme o grande mestre suíço: primeiro, o encontro com a Sombra (o texto terrível sobre mim mesmo); depois, a descoberta do Self, naquela rápida composição, de uma única página, sobre minha potencialidade positiva para o futuro. Todos os comentários feitos em seguida à primeira página eram de estupor e incredulidade – minha veia céptica simplesmente se recusava a admitir o que me fora revelado, “monstruoso” como era. Os anos se passaram e tenho visto, item a item (não todos ainda), concretizarem-se as profecias deste artigo dirigido a mim mesmo, que nunca mostrei (nem nunca mostrarei) a qualquer viv’alma na Terra.
As pessoas são muito defensivas em relação a si mesmas e ao mundo. E, com isso, se desconectam de suas almas. Preferem transferir culpa por seus problemas e carências para terceiros ou para situações externas. E, a par de renunciarem à responsabilidade por suas vidas, abdicam do poder sobre seu próprio destino. Não confrontar o demônio que há em nós próprios é negar-nos a conhecer, igualmente, o anjo que habita, um pouco mais fundo, nos tecidos de nossa psique. Exorto os prezados leitores a buscarem o autoconhecimento, faceando-se valorosamente. Mais vale nos conhecermos como somos, descobrindo o poder de fazer e ser tudo que podemos, do que vivermos iludidos, na falsa aparência de vítimas, em verdade inermes, covardes e presunçosos.
Continuo conhecendo, indefinidamente, camadas mais fundas de minha inconsciência, com auxílio, inclusive, das entidades sofredoras da outra dimensão de vida, que, por efeito de sintonia obsessiva, apontam para as falhas em minha personalidade que pedem corrigenda. Por outro lado, graças a Deus, pela abertura aos perturbadores do Além, pude também divisar as inteligências sábias e bondosas do outro domínio de consciência, com quem hoje privo de contato diário e que igualmente muito me ajudam no processo de ascese, transmutação íntima e crescimento constante em maturidade psicológica, conhecimento e, principalmente, sentimento – dadas as enormes limitações que porto em todas essas áreas.
1984… parece que foi um dia desses… Em novembro daquele ano, sentado numa lanchonete, comentei para dois amigos (um casal) sentados diante de mim, numa pequena folga que me deram para falar (nunca fui muito querido por quem tinha minha idade, quando criança e adolescente): “Já estamos em novembro de 1984! Num instante, não é mesmo?” Não vou esquecer a forma como eles se entreolharam e riram entre si, em tom desdenhoso, para simplesmente voltarem ao seu assunto de antes, ignorando a minha presença. “Que bobagem ele está dizendo, p’ra variar”, talvez fosse seu pensamento. Por dentro, porém, disse para mim: um dia eles talvez se lembrem que disse isso e vão compreender que tinha razão. A moça “inteligente” já morreu há vários anos, antes mesmo de completar 30, com todos os seus sonhos frustrados, e o rapaz… bem… não tenho tido notícias dele… embora saiba que está vivo no corpo. Normalmente, os “espertos” do mundo não são tão espertos assim…
Não sei por quanto tempo eu mesmo estarei encarnado. Terei a sorte de desfrutar mais 20 anos de vida no plano físico? Ou quiçá serei premiado com uma existência longa sobre a Terra e, então, terei mais 40… 50… 60 anos de trabalho e experiência pela frente? Espero em Deus aconteça isso, para tão cedo não me submeter novamente a esse horrível desconforto de estar encarnado. O nosso futuro, realmente, está entregue nas mãos de Deus, como se fala no aforismo popular.
Alguém, de décadas futuras ou mesmo daqueles 200 anos à frente, um dia talvez venha a ler essas linhas e dê aquela risadinha íntima de quem já conhece o nosso futuro, passado para essa pessoa. Seja como for, para meus amigos do presente ou para aqueles a quem, desde ’82, em minhas gravações em fita k-7 (hoje digitalizadas) de documentação caseira, chamava de “amigos do futuro”, o que importa é que tudo está nas mãos de Deus. E, assim como me sentia empático com o futuro, numa deliciosa sensação mística de conexão intemporal com quem me ouvia à frente, já que todos em minha volta, nas festas familiares de final de ano, viam-me como “louco” (sim… aquela imbecilidade bem óbvia de sempre), ria-me por dentro… e rio-me hoje aqui.
Lá ria no antegozo de gravar os rostos que me zombavam mas que me procurariam, eles mesmos, no futuro distante, para ter acesso àquelas gravações, como tem acontecido. E hoje me rio, porque os “amigos do futuro” me redimirão – tenho consciência disso – de todos os aparentes disparates “revolucionários” que defendo, há mais de 10 anos, pelo nosso programa de TV (hoje transmitido, desde 2001, em cadeia nacional de televisão, conforme também me foi predito), como a defesa à homossexualidade, ao divórcio, às mulheres e a todas as demais “minorias” nem tão minoritárias, no ideal de promover a felicidade consorciada à espiritualidade.
E os “amigos do futuro” – posso quase ouvir agora – riem-se gostosamente, lendo-me isso e dizendo consigo algo como: “Revolucionário? Só por defender sexo, felicidade e espiritualidade unidos, sem grilos?” Pois é!… Vocês conseguem acreditar nisso, “amigos do futuro”? Entretanto, há outras coisas que sei, mas que lamentavelmente não posso trazer a público (o de hoje), e que meus “amigos do futuro” compreenderiam… Quanto a esses assuntos, no entanto, vou ter que esperar para dizer por lá, ou “por aí”, na próxima reencarnação, e rir junto com vocês… a não ser que… bem… doido-acelerado como sou, muito provavelmente estarei de novo escandaloso por aí também, tendo que aguardar mais 200 anos para ser compreendido no que estiver dando à louca de falar, frente aos padrões daí.
Pernóstico dizer isso? Adoraria que fosse! Mas é, tão somente, trágico. A solidão marca os monstros que se descobrem monstros antes dos outros, e que, justamente por não serem anjos, rastejam pelo chão, junto a outros répteis como eles, fitando, entrementes, a grandeza do Céu que não podem possuir, mas com toda a consciência da própria decadência, desgraça e infelicidade…
(Texto redigido em primeiro de outubro de 2004.)
Atenção:
Nesta semana, a palestra de Benjamin Teixeira das 19 h do domingo ainda será realizada no Centro de Convenções do Hotel Parque dos Coqueiros. No próximo domingo, dia 10, é que estará ela sendo realizada, excepcionalmente, no centro espírita “Filantrópico Adolfo Bezerra de Menezes”, na Rua Nossa Senhora das Dores, perto do Colégio Salesiano. Até lá, mais detalhes serão aqui apresentados.
Equipe Salto Quântico.