por Benjamin de Aguiar.
(Jornal da Cidade) – Depois de os Ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) reconhecerem a união estável para homossexuais, em julgamento realizado no último dia 5, o senhor acredita que o preconceito irá diminuir a partir desta decisão? O que muda?
(Benjamin de Aguiar) – Sim, haverá uma diminuição de preconceito, porque os Poderes Constituídos da Nação estão tomando a rota do reconhecimento legal do que existe e sempre existiu, e do que os costumes e a sociedade rapidamente consagram como justo e natural, sobremaneira na última década. Mas, assim como os negros e as mulheres ainda sofrem formas dissimuladas de discriminação, essas vão existir, por muitos decênios ainda, contra homossexuais.
(JdC) – Como a doutrina espírita avalia a relação homoafetiva, enquanto entidade familiar?
(BdA) – Desligamo-nos de qualquer movimento religioso formal, em dezembro de 2008, mas posso dizer que Chico Xavier, a quem reverenciamos como um Grande Enviado à Terra, afirmou, categoricamente, em entrevista concedida à extinta TV Tupi, há exatos 40 anos, no longínquo 1971, em cadeia nacional de televisão, que as legislações do futuro preveriam e ordenariam a condição homossexual (profetizando, destarte, justamente o que agora começa a ocorrer de modo mais efetivo), sem que houvesse abalo, nem de um milímetro, ao monumento da família. O movimento espírita tem o dever, conforme postulado por Kardec, assim como toda pessoa e instituição sensatas, de acompanhar o progresso das ideias e dos valores da sociedade. Logo, é inevitável que um tema emblemático da defesa do princípio de igualdade entre todos os seres humanos, qual a causa homossexual (exatamente por ser a mais atacada), seja ventilado e transformado aos olhos da multidão e do Estado que a representa.
(JdC) – Antes mesmo do reconhecimento do STF, algumas ações de união estável já foram sentenciadas favoravelmente em Sergipe, por meio de contrato. O senhor mesmo, em 2009, chegou a celebrar e protagonizar o casamento gay aqui no estado. Foi apenas simbólico ou já foi reconhecido pela justiça? Quando? Como? Há quanto tempo conhecia o parceiro e como tomaram essa decisão? Caso ainda não haja formalizado sua união judicialmente, o senhor tem a pretensão de ter o direito reconhecido?
(BdA) – Fizemos a formalização religiosa pública da relação (que tem alta significação para qualquer tribunal da Terra), mas não judicial, em termos literais, o que pretendemos efetivar agora, após a decisão do STF, no aniversário de dois anos da celebração religiosa de nosso casamento. Aguardávamos posicionamentos mais claros em defesa da união civil de pessoas do mesmo sexo, por parte dos Órgãos Públicos, para tomarmos esta iniciativa. Comecei minha relação com Wagner quando ele tinha 19 anos de idade (hoje meu companheiro está próximo de fechar os 23 – e, por incrível que pareça, a despeito de eu ser 18 anos mais velho, devo reconhecer (um tanto acanhado – risos) que fui abordado sistematicamente por ele, acabando, com o tempo, por ceder-lhe às investidas (que horror! – risos).
(JdC) – Se tiver alguma consideração a fazer sobre o tema, por favor, aproveite o espaço.
(BdA) – O mais conservador (e conhecido) relatório científico sobre a homossexualidade, o famigerado “Relatório Kinsey”, do ianque Alfred Kinsey (1894-1956), publicado em 1948, dava nota de que 10% das populações humanas são constituídos de gays, e de que 40% estavam em faixas graduais de bissexualidade, entre a homossexualidade plena e a heterossexualidade completa – esta última, portanto, representando apenas 50% dos contingentes demográficos humanos. O que pasma é que as pesquisas do famoso cientista norte-americano foram baseadas em questionários feitos, olho no olho, com os entrevistados, em sua maior parte. Quantos, apesar do sigilo prometido pelos sérios pesquisadores (Kinsey e sua equipe), teriam sido sinceros nas respostas a perguntas desta natureza, na primeira metade do século passado? Isso nos revela como os homossexuais ainda vivem escondidos, por conta do preconceito medonho que os taxa de desonestos, degenerados e “vergonha” para suas famílias. Todos perdem com isso, pois que proliferam os casamentos de fachada entre pessoas de sexo oposto, com vidas familiares problematizadas, e não apenas conjugais, porquanto, ainda que indiretamente, os filhos de um casal assim formado, sofrem as consequências da inautenticidade da relação dos pais. Felizmente, a Suprema Corte de nossa nação acelerou os ventos da História, nesse particular, iniciados com a descriminalização da homossexualidade pelo Código Napoleônico; avançando, cem anos depois, com Freud, que imprimiu uma visão “enfermiça” (e não criminosa ou imoral) ao tema; e alcançando hoje, nos meios científicos, completa resolução, desde 1973, quando a seriíssima Associação Psiquiátrica Norte-Americana retirou o “homossexualismo” do rol das doenças mentais e passou a considerá-la uma forma de sexualidade humana natural, embora menos comum, o que foi corroborado pela celebradíssima Organização Mundial de Saúde, em 1990. Por sinal, falando em leis da natureza – que são as Leis de Deus –, um biólogo britânico fez um levantamento curioso: a homossexualidade é encontrada em expressiva parcela dos mamíferos superiores, incluindo o ser humano, e a validade dessa assertiva se estende a nada menos que 1500 espécies animais(!).
O Brasil, com os novos lances do STF, reconhecendo o direito à união civil entre pessoas do mesmo sexo, tem demonstrado uma impressionante maturidade institucional. Nos anos 1970, o foco da mídia e a atenção popular estavam todos centrados nos atos do Poder Executivo – vivíamos, ainda, a ditadura militar. Na década 1980-1990, percebemos um gradativo acréscimo da ocupação do espaço na mídia por parte do Poder Legislativo, no mesmo passo que ocorria um esmaecer das notícias relacionadas ao Executivo. Agora, neste raiar do terceiro milênio, o Brasil, quinta potência econômica do mundo e referencial de todas as nações em desenvolvimento na Terra, tem os olhos pousados na Casa Máter da Justiça, que, assim, trata tecnicamente, sem as paixões e preconceitos de grupos e pessoas que não acompanham os ventos da história (e que serão por eles enterrados, como a própria História registra), os temas de interesse geral, para o progresso e bem-estar de todo o povo brasileiro. Nunca nossas instituições foram tão fortes. Os grandes analistas de tendências e as mentes mais ilustres do país (com eco em especialistas do Exterior) têm manifestado sua opinião na imprensa, sucessivamente, nesse sentido.
Reitero: não foi a causa homossexual que ganhou, mas sim os direitos civis de todas as pessoas, pelo reforço do princípio de igualdade entre todos os cidadãos, perante a lei. Se os direitos de um grupo não são respeitados, os direitos de todos permanecem ameaçados… é um princípio lógico e óbvio de Direito, Justiça e bom senso.
(*) Pequenos trechos do conteúdo acima foram publicados na primeira página do Caderno B da edição de 11 de maio de 2011 do dito diário sergipano. (Nota da Equipe Salto Quântico)
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