Benjamin Teixeira
pelo espírito Eugênia.
Eugênia, teria alguma coisa a nos dizer sobre o culto moderno a astros e estrelas do cinema, da televisão e da música pop?
Politeísmo disfarçado, com as vestes dos novos valores e modelos da cultura. A multidão, ainda imatura para uma compreensão transcendente de Deus, e inepta para uma vivência genuinamente espiritual, projeta sua necessidade psicológica de adorar na direção de figuras humanas, lamentavelmente nem sempre dignas de tal reverência, e que lhes representam aspectos do Divino que desejam incorporar à própria personalidade, como auto-suficiência, força, segurança, etc. Não é por outra razão que se chamam essas figuras de “ídolos”, palavra d’onde promana o verbete “idolatrar”. Amiúde, alguns deles chegam a ser chamados de “deuses”, como sói acontecer na música erudita, com as “divas” operísticas.
Então, podemos dizer que esse fenômeno é negativo?
De modo algum. Apenas representa uma fase de desenvolvimento psicológico e espiritual que naturalmente será superada, no momento em que a criatura assimilar todos os conteúdos de aprendizado concernentes a esse período. Mesmo porque, muita gente que se mostra avessa a manifestações de “fãs”, aliás, d’onde promana o vocábulo “fanatismo”, são, freqüentemente, eles mesmos, idólatras, mas normalmente do próprio ego ou de ideologias de qualidade duvidosa. A capacidade de colocar alguém como foco da própria admiração (“to fan”, em inglês, significa admirar) é sinal de evolução dos sentimentos, o que torna o indivíduo mais apto a grandes vôos evolutivos no futuro, o que não se dá com aquele que está com fixações narcísicas, já que a egolatria cristaliza a consciência nas mais lamentáveis e viciosas ilusões, a comprometerem o progresso e a felicidade da criatura.
Na Índia, certos homens e mulheres são cultuados como “encarnações divinas”, os, como chamam eles: “avatares”.
E, em certa medida, estão certos. Mesmo porque todos somos, de maneira variada, e conforme o grau evolutivo de cada um, manifestações do divino no mundo. O próprio Jesus afirmou, em João e Mateus: “Em verdade vos digo, vós também sois deuses e deusas”. Cultuar criaturas sumamente evoluídas pode constituir, para certos estágios de desenvolvimento da psique, um atalho metodológico para se assimilar o próprio “Eu Divino”, porque se tem uma representação física da própria centelha sagrada, que é ativada por meio dessa projeção simbólica, ainda que muito longe esteja a criatura de compreender conscientemente tal processo subliminar, nos arcanos de sua consciência. No momento em que o indivíduo, porém, deixa de ouvir sua voz interior e de seguir o próprio caminho, neutralizando-se em função de alguém, dá-se o que se chama de idolatria, o processo doentio de destruição da própria identidade, em prol de divinizar-se alguém. Não é outra coisa que acontece quando, na cultura materialista e superficial dos dias que correm, pessoas se apaixonam e dizem que tudo farão pelo “amor de suas vidas”. Estão racionalizando uma atitude criminosa (porque suicida) em relação a si mesmas, eliminando as mais preciosas oportunidades de crescimento e realização, defenestrando energias preciosas, em atividades e esforços contraproducentes, como perpetuar relacionamentos destrutivos. Deve-se fazer tudo em nome de um ideal, da vocação, da voz da consciência, jamais por uma pessoa ou grupo de pessoas, ainda que elas sejam os próprios filhos. Se, todavia, tudo fazemos por um conjunto de pessoas ou mesmo por uma pessoa em particular (embora isso, normalmente, seja suspeito), porque esse é o nosso ideal, a situação é diversa. Mas entre um e outro quadro psicológico há uma sutil diferença que separa o deslizar-se num teleférico a despencar em queda livre. Há pessoas que são idólatras da família, dos filhos ou de relacionamentos afetivos, e parecem dignas quando ficam arrasadas com a morte ou a perda de alguém, por mais do que o tempo necessário ao luto psicológico saudável. Essas criaturas, na verdade, estão doentes e agem de modo vicioso e mesquinho. Precisam se libertar de suas fixações. Ninguém é propriedade de ninguém, nem jamais podemos constituir as bases da segurança e significado de nossa existência sobre outras pessoas.
Muito forte, Eugênia.
Verdadeiro.
Poderia dizer que o processo de idolatria está na base daquilo que Karl Marx denominou de “o ópio do povo”, fazendo referência à religião?
Perfeitamente. Qualquer criatura pode ser foco da idolatria alheia, e tão mais será passível disso, quanto mais, de fato, tiver status para tanto. Assim, nenhum Ser é mais digno de idolatria, aos olhos de quem quer que seja, que o próprio Deus. Mas Deus não quer idolatria. Quer consciência. Eis porque os crentes idólatras, mais cedo ou mais tarde, decepcionam-se e fogem espavoridos dos círculos religiosos, blasfemando contra o Criador, porque Ele não se submeteu a seus caprichos. A Divina Providência não se abala com essa ordem de eventos, e, amiúde, providencia-os. Deus quer almas conscientes, livres, construtoras de seu próprio destino, e não gente dementada e passiva, em meio a objurgatórias inflamadas e genuflexões patéticas. Imaginar que o Ser Supremo do Universo teria comprazer com esse tipo de adoração atávica seria demonstrar muita ingenuidade. Se um pai ou uma mãe conscientes não se incomodam em contrariar as vontades de um filho voluntarioso, em função de educá-lo para sua felicidade, como se esperar que Deus agisse de modo diferente?
Em que ponto podemos, de modo mais prático, caracterizar o surgimento da idolatria? Parece que, às vezes, a reverência e o devotamento se confundem, em muitas aspectos, com a idolatria, não é mesmo? Muita gente devota, por exemplo, é tida à conta de fanática, apenas porque põe Deus em primeiro lugar em suas vidas.
Sim, bem colocado. Percebe-se o surgimento da idolatria, quando a preguiça e a manipulação começam a se insinuar nos processos mentais e na conduta do indivíduo. Se alguém deixa de cumprir suas responsabilidades, desempenhar seu papel no mundo, fazer sua parte no drama de sua vida, para “escorar-se” em alguém ou alguma coisa considerada superior, temos bem caracterizada a idolatria. Existem outros aspectos, como até começamos a aludir, quando falamos de não se dar o devido valor à voz interior, à voz do bom senso, da razão, para se eclipsar a lucidez em processos hipnóticos de, como se diz no vernáculo: “lavagem cerebral”, ou como poderíamos dizer, em termos mais modernos: para renunciar ao raciocínio correto, pragmático e lúcido, por um sistema doutrinário de repetição de conceitos prontos, estanques e considerados imutáveis. Mas o aspecto mais destrutivo da idolatria, indubitavelmente, é o da renúncia a ser e fazer o que se deve, por desviar o foco da consciência para algo externo.
E o que dizer dos que consideram, de uma forma geral, os religiosos de fanáticos?
Primeiramente, são tolos e desinformados. Segundo, são eles mesmos idólatras, mas de ídolos inferiores, talvez invisíveis a eles mesmos, tais como sexo, dinheiro, poder, status ou do próprio ego, hiperinflado e doente. São dignos de piedade, porque, cedo ou tarde, quanto mais tarde pior, sofrerão amargas conseqüências, por sua falha de foco e de avaliação e definição das prioridades de vida. Esquecem-se do que disse Jesus, como uma das verdades fundamentais de seu legado de ensinamentos: “Buscai, primeiramente, o Reino dos Céus e Sua Justiça, e o demais se vos acrescentará.”.
Muito agradecido, Eugênia.
Não há de quê.
Mais algo a dizer sobre isso?
Não.
(Diálogo travado em 9 de maio de 2004.)