Benjamin Teixeira
pelo espírito
Eugênia.

Gostarias que teus amigos te compreendessem de pronto e completamente (*1). Este é o afã de toda criatura humana. Diante da discrepância de caracteres e de níveis evolutivos (que não é pequena na Terra), natural que os conflitos se façam frequentes nos relacionamentos interpessoais. Tal contingência, dessarte, não deve surpreendê-lo, por tratar-se de evento rotineiro, no planeta.

Não esperes, por outro lado, que a compreensão parta de fora, primeiramente. Quem é premiado com o tesouro dos amigos verdadeiros – atenta-te e notarás: é aquele que primeiramente perdoa, compreende, dá de si, serve, auxilia continuamente, sem contar com retribuição dos beneficiados, e tudo isso ofertando de si sem fazer conta, já que faz pelo prazer de ser útil e ajudar. Por isso mesmo é abençoado com grande cópia de almas agradecidas, que o cercam. Os relacionamentos regidos por excepcional afinidade e harmonia, são resultado de séculos de esforço constante, de ajustes, de doações contínuas de parte a parte (mas claramente mais de alguém), de renúncias ignoradas de um coração dadivoso, generoso, que nunca espera receber para dar, que vive em função do ideal do amor e não do da justiça. E como não é razoável esperar que este alguém seja outra pessoa que não tu mesmo, faze, de ti, o que estiver a teu alcance, e, cedo ou tarde, se não por aqueles que mais receberam de teu investimento afetivo, mas de outros, que virão em nome da Justiça Divina, receberás a retribuição das Forças da Vida, pelas moedas de amor que depositaste, nos cofres do universo, e que nunca se perdem.

Sê hoje agradecido, pelos afetos que já desfrutas, ainda que imperfeitos. Se não começares a enxergar o bem em quem te partilha o cotidiano hoje, não haverás de merecer nada melhor, além, quando esgotarem-se as experiências e aprendizados que te jungem aos que por ora caminham contigo. Inclusive porque, se analisares com cuidado, tens o que mereces e de que precisas, em termos de estímulos afetivos, tanto negativos quanto positivos, segundo a exata medida de tuas necessidades evolutivas, assim sendo emulado a seguires como deves, e não como te sugerem os sonhos de teu ideal egoico.

Atenta-te para outro curioso fenômeno: se te manténs correto no exercício dos afetos legítimos, os circuitos de fluxo e refluxo das amizades trazem-te cada vez amizades, amores e irmãos do espírito de melhor qualidade, progressivamente. Portanto, não te angusties ao deixares ir, por te sentires no dever de liberar pessoas que não querem estar contigo. Um dia voltarão, mudados, ou nem sequer poderão estar contigo, mas com outro conceito de ti. O que importa é que não se forcem relações insustentáveis e que se mantenha uma distância civilizada daqueles com quem se travaria uma intimidade doentia. Isso não seria signo de maturidade, mas de morbidez emocional (*2).

E, como último tópico deste nosso muito perfunctório e despretensioso ensaio, recorda-te de que, amiúde, Deus nos “rouba” afetos no mundo externo, para que os busquemos na seara íntima, na voz da própria consciência, no aconchego psíquico dos mentores espirituais, nas vibrações transcendentes da prece. Assim, somos compelidos a procurar o Sagrado e a vivê-l’O, paradoxalmente quando mais nos sentimos desfavorecidos da sorte. E, com essa Companhia, o Afeto Fundamental, que mais pode alguém querer da Vida?

(Texto recebido em 8 de junho de 2004.)


(*1) Muito raramente, Eugênia faz uso da segunda pessoa em seus textos, o que é típico do espírito Eustáquio, um de seus amigos colaboradores da escrita, no Projeto Salto Quântico. Mas não lhe é, propriamente, estranha essa forma de falar e escrever, já que a mentora espiritual usa o Português há pelo menos três séculos, de modo elegante e polido, muito embora, ironicamente, nunca haja encarnado em país luso-fônico. Muito embora prefira ela o modo informal da terceira pessoa, que constitui a feição habitual do Português moderno, no tratamento com o leitor, volta e meia, talvez para dar um caráter mais sério a uma certa exortação, põe ela o discurso em moldes clássicos, assim cooptando vibrações de circunspecção e recolhimento do leitor. Ainda assim, trata-se isso de especulação de minha parte. Nem sempre os orientadores espirituais deixam claras suas intenções.

(*2) Eugênia faz alusão à codependência emocional, exaustivamente estudada nos Estados Unidos, sobremaneira na década de 80 do século passado, e todas as suas implicações de manipulação de culpa, de medo e de toda sorte de dor moral e psíquica, que em nada tem a ver com um genuíno processo de despertar espiritual, nem mesmo de saúde e integração psicológicas. Relacionamentos estabelecidos sobre suas bases devem ser dramaticamente modificados ou sumariamente rompidos, pelo bem e mesmo pela saúde mental dos envolvidos. É o que dizem, com respaldo irretorquível, os especialistas do assunto. Lamentavelmente, porém, o codependente, que normalmente é formado num lar com a presença de um alcoólatra (atualmente esse leque etiológico está estendido para praticamente todos os tipos humanos), é um hábil racionalizador de suas questões existenciais, no entrelaçamento com os com quem convive, sentindo-se espiritual e amoroso, quando está muito mais preocupado em manter o controle da relação e da situação, assustado como é, em função dos profundos traumas de que foi vítima no passado, quase nunca percebendo sua doença emocional, que lhe é invisível. Os codependentes são dotados de um incrível talento: são brilhantes camaleões psicológicos, e, num espetacular mimetismo emocional e comportamental, tomam a cor mental das pessoas e, mormente, das relações neuróticas em que se enlaçam, representando papéis macabros de recíproca cobrança e tortura, numa sinistra ciranda afetiva, que consome não só o codependente, como seu parceiro de delírio, seja outro codependente ou um viciado de alguma natureza, ainda que apenas um viciado emocional: um viciado em drama, um ciumento ou um narcisista alucinado. Os codependentes são, geralmente, pessoas de boa-índole, mas muito sofridas e inconscientes de quem são e do que querem realmente da vida, de si mesmos e dos outros, com muita percepção dos problemas dos outros, dos desejos dos outros, da loucura dos outros, e com quase nenhuma visão clara de si próprios.

(Notas do Médium)