por Benjamin Teixeira.

Faltavam pouco mais de quinze minutos para a reunião mediúnica acabar. Eugênia, a bondosa e sábia mentora espiritual, resolveu, então, dar umas rápidas pinceladas sobre reencarnação, mostrando como, no carreiro dos séculos, os espíritos davam continuidade a suas tarefas inacabadas, ou compensavam-nas, fazendo o exatamente oposto, na área de suas realizações pretéritas. Postada, de pé, ao meu lado direito, falou, já apresentando uma informação impactante:

Madre Tereza de Calcutá foi um grande teólogo da Idade Média – disse, de inopino.

– O quê?

O que você ouviu. Foi o grande Tomás de Aquino que, cansado de excessos de teorizações, desejoso de passar à prática do em torno de quanto elucubrou, pediu uma encarnação exclusivamente para isso, num corpo com limitações cerebrais nas circunvoluções relacionadas às abstrações conceituais, para que assim se concentrasse na missão sob a égide da qual reencarnara.

Estava envolto num misto de admiração e reflexão, quando Eugênia voltou à baila:

A Princesa Diane foi a Rainha Elizabeth I (uma das maiores responsáveis pelo absolutismo na coroa britânica). Impôs-se à Inglaterra, há quatro séculos, e voltou para cativar o povo Inglês, pelo coração, atingindo um novo nível, mais alto, de liderança. Na encarnação pregressa, por assim dizer: tomou o trono, por meio de estratagemas políticos; na atual, renunciou a ele, por amor. Naquela, foi chamada a Rainha Virgem, nesta, a Princesa do Povo.

Estava perplexo, deliciando-me com as sutilezas sábias da Divina Providência, manifestando-se pelo imperativo da reencarnação, a benefício da evolução das criaturas, quando ouvi Eugênia dizer:

Jung foi um grande filósofo da Grécia Antiga.

– Como é? – aquilo me tocara em particular: sou um admirador das idéias do grande gênio suíço – E quem teria sido ele, Eugênia?

Nesse momento, a mentora ficou mais nítida à minha psicovidência, e mostrou um largo sorriso, entre enigmático e professoral, como se conduzisse um adolescente excitado, numa área nova de saber. E, fazendo uso da maiêutica socrática, que sugere ensinar por meio de perguntas, provocando a emersão do conhecimento do íntimo do próprio discípulo, redargüiu Eugênia:

Quem foi o filósofo da Antiga Grécia que muito se preocupou com o Mundo das Idéias e da Alma e de sua reprodução no mundo físico?

– Platão!… – disse, com a alegria de quem matava uma charada instigante. Aquilo me soava impressionante. Realmente, havia uma curiosa coerência entre as linhas de pensamento de Platão e Jung. Os arquétipos de Jung pareciam uma nítida complexificação da teoria platônica da decadência das idéias ao mundo material.

Bem, encerramos, por hoje.

Nesse ponto, porém, foi minha vez de surpreender Eugênia.

– Ah, peraí, Eugênia… Você vai me revelar a identidade famosa do passado de Jung e não vai me dizer nada sobre Freud, com quem teve uma tão intensa quanto turbulenta relação intelectual?…

Eugênia sorriu, novamente, com piedade maternal, e condescendeu.

Quem você acha que pode ter sido?

Pela forma como Eugênia me lançou de volta a pergunta, sabia que se tratava de uma dedução óbvia, no sentido de que a relação profunda entre os dois também já se havia expressado, há dois mil e quinhentos anos. Sócrates, todavia, o célebre mentor de Platão, de quem registrou as idéias, considerado um gênio entre os gênios da Grécia Antiga, eu tinha plena consciência de não ser, pela profundidade moral e pelo gigantismo de idéias que, em reencarnando hoje, teria assombrado, realmente, a todos. Mas havia o seu discípulo, Aristóteles, com quem igualmente, teve íntima relação.

– Aristóteles?

Sim.

Eu ainda estava com o sorriso interior de surpresa, quando, imediatamente após a alegria, rebati.

– Êi, Eugênia, mas há algo de errado aqui! Freud, conforme Howard Gardner, o maior especialista em inteligência humana, que fez interessante estudo sobre gênios, que inclui Freud, postula, brilhantemente e baseado em fatos inequívocos de sua biografia, que o fundador da Psicanálise tinha sérias limitações no raciocínio lógico-analítico, tendo sido essa uma das razões por que teria criado a Psicanálise, um domínio novo de pensamento, que se adequava perfeitamente às suas habilidades lingüísticas de pensamento. E Aristóteles, como se sabe, foi o primeiro grande sistematizador científico de que se tem notícia, um lógico por excelência, portanto.

Ambos foram sistematizadores. Aristóteles, do mundo natural. Freud, do mundo psíquico. Ambos foram desbravadores de terrenos de estudo ínvios, onde quase ninguém havia antes aventurado. Ambos foram considerados gênios por sua contribuição basilar para posteriores estudiosos. Na verdade, tratava-se do mesmo espírito, em condições diferentes, épocas, necessidades cármicas-evolutivas diversas. Quanto ao raciocínio lógico-analítico, é importante salientar que tanto não era tão importante, à Ciência de antanho, a lógica precisa que hoje se faz imprescindível à pesquisa científica. Por fim, o espírito de Aristóteles-Freud, desejoso de se aprofundar no mundo subjetivo da mente, do interior, após ter navegado no mundo objetivo, das coisas, do exterior, pediu uma constituição cerebral que lhe tolhesse o vôo fácil em áreas que lhe afastariam de seu propósito existencial, dessa forma garantido o complemento de sua missão pregressa, tornando a ser um grande pioneiro, como já fora outrora, um novo construtor de domínios novos de pensamento.

Estava estupefacto e encantado. Os pouco mais de dez minutos haviam se escoado completamente. (E que dez minutos!) Pedi a um companheiro do grupo que fizesse a prece de encerramento, e, acendidas as luzes, compartilhei, com os amigos ali reunidos, a experiência vivida com Eugênia. E me pergunto ainda: Quantos mistérios ainda se ocultarão, sob o véu de nossa ignorância, nessa e em tantas outras áreas do saber humano?…

(Redigido em 5 de junho de 2001.)