cap 10 – Vida Social.(*)

Benjamin Teixeira
pelo espírito
Eugênia.

Antecedentes Históricos:

1) Aristóteles: “O homem é um ser gregário.”

Característica indissociável da espécie humana, o grande gênio pré-científico de Aristóteles apreendeu exatamente o cerne da condição humana: a sociabilidade. Toda vez que a aptidão ao convívio social fenece, a saúde mental declina concomitantemente. “Sociopata”, não por acaso, é o termo moderno a indicar psicopata. Psicóticos, misantropos, ermitões fanáticos – toda ordem de distúrbio mental e/ou moral grave repercute na vida em sociedade severamente.

2) “Homo lupus homini”: “o homem é o lobo do homem”. O velho brocardo latino nos estimula a profundas reflexões.

Poucas espécies animais são canibais, e, amiúde, tornam-se assim provisoriamente, por condições adversas do ambiente. O homem, porém, não precisa de hostilidade das circunstâncias para se canibalizar, embora a antropofagia, modernamente, tome feições bem mais sutis, não menos danosas entrementes. A locupletação com o erário público, levada a efeito por personalidades de vulto político, que deveriam trabalhar em prol do bem comum; a destruição psicológica de filhos, articulada pela tirania e egoísmo de pais neuróticos; a selvageria dissimulada da guerra de competição no mercado de trabalho e mesmo no âmbito estudantil… O homem, sem dúvida, dispensa predadores. Nenhuma criatura é mais brilhante na arte da destruição e da auto-destruição que o ser humano. Nem mesmo o medonho universo virótico.

3) Jesus: “Aquele que ama dá a vida por seus amigos”.

Dar-se é a suprema expressão da generosidade. Amiúde, porém, entende-se o conceito de amigo como companheiro circunstancial de fase de vida. O arquétipo do fraterno, porém, como revela a psicologia profunda, é das mais poderosas manifestações da alma. Nas tricas da conveniência social, é fácil encontrarmos quem dê, na expectativa calculada de receber o mesmo ou algo melhor. Dar, e dar de si mesmo, sem intenção oculta de retribuição, indica uma personalidade humana nos níveis mais elevados de sofisticação e espiritualidade, a caminho da angelitude, o nível evolutivo seguinte ao humano.

Generalidades:

1) Etiqueta – introdução à civilidade.

Compreendidas, por alguns, como signo de futilidade, senão da hipocrisia do verniz social, a mascarar intenções ocultas, é porém nas boas maneiras que se educam os instintos mais bestiais, para que sejam lentamente burilados até se transubstanciarem, após séculos de lapidação, nas expressões sublimes do espírito. A vida em sociedade, com suas exigências de modos, propõe civilizar o primitivo, para que ele se torne menos rude, selvático e assassino. A vergonha, que leva à culpa; e esta, à consciência, tornam homens-bestas em seres responsáveis pelos próprios atos, numa escala que começa pelo externo interessado, para o interno, completamente desinteressado, um espectro que vai da convenção e da hipocrisia, para o sentimento profundo e a transformação da alma.

2) Etimologicamente, ser “cortês”, indica hábitos da “corte”.

A riqueza acumulada pelas casas reais da Idade Média e Moderna, nos primórdios do Estado Moderno Nacional, com alguns lampejos precursores na Roma Antiga e na Grécia dos grandes filósofos , propiciou que alguns tivessem tempo para pensar mais profundamente, sentirem-se com mais acuidade, e sentirem a necessidade de afastar-se das expressões mais cruas do instinto e da barbárie. Ser educado, portanto, era alguém que trazia, de dentro de si para fora, o seu eu-melhor, mais humano, menos animalizado. Disto vem a origem da palavra neolatina, no verbete latino “educcere” que, em Português, tem seu paralelo no vocábulo “eduzir”, que significa: “extrair de dentro”. A “cortesia”, assim, favoreceria o afloramento dos traços mais nobres e elevados da criatura humana, do plano de fundo das potencialidades, para a manifestação concreta da prática.

3) “A disciplina antecede a espontaneidade” – Emmanuel/Chico Xavier.

Alguém diria que essa prática – de burilar e tornar melhor o ser humano, pela disciplina da conduta – seria indevida, já que favoreceria, segundo tal visão, a camuflagem das reais intenções e motos ocultos, com sacrifício da espontaneidade. Entretanto, não há desenvolvimento sem esforço, não há ascese sem subida. Portanto, embora as intenções devam ser fiscalizadas pelo próprio indivíduo e sua atalaia contínua da consciência, não se pode negar que a ordem no mundo externo propicia a organização do mundo íntimo; o controle do comportamento leva a uma melhor administração da casa mental, se é que já não podemos dizer ser um direto corolário seu.

4) Terapia Ocupacional – para instituições presidiárias e psiquiátricas ou senis.

De tal modo o ser humano carece de integração ao tecido social, que a ativação de sua veia solidária, participativa e interativa com os mais desfavorecidos estratos sociais fomenta a regeneração dos caracteres mais empedernidos e enfermiços. Ser útil, sentir-se a serviço de alguém ou de alguma causa além do si-mesmo, incentiva as forças regenerativas da consciência, observando-se tais efeitos, visivelmente, até mesmo em criminosos, dementes ou anciães provectos. Imagine-se o que se pode deduzir poder se dar com elementos não-patologizados da sociedade.

Níveis da Vida Social:

1) Primeira família – pais e irmãos.

Célula fundamental da sociedade e módulo capital de constituição da personalidade e do caráter, é a família a fôrma basilar através da qual os temperamentos, as tendências e as idiossincrasias se formam, incluindo todos os padrões de relacionamento interpessoal, nesta fase definidos, e vida afora reproduzidos, inconscientemente, cerne psico-fenomenológico este estudado por grande parte das escolas de psicologia e principalmente de psicanálise, ao tentarem curar as falhas estruturais e os vícios funcionais destes modelos seminais de relação humana, automaticamente repetidos, sucessivas vezes, na vida adulta dos indivíduos, vida sobre vida, amiúde.

2) Colegas da escola.

Crueldade, egoísmo, traição, solidão, descaso, injustiça, seja nas relações entre colegas, como destes com seus professores e demais superiores nas instituições de ensino representam as primeiras rupturas com o sentido de idealidade que a vida doméstica cultiva na psique infantil, agora introduzida, rudemente, nos processos de confronto com a diversidade de outras personalidades, com a dureza da vida em sociedade. Nos educandários, há sempre espaço para, com relativa segurança, treinar-se o indivíduo para a crueza da vida adulta, na Terra. E é o que se dá nesse nível de experiência e aprendizado: as primeiras grandes decepções, conflitos humanos e crises de identidade aí se dão, já que os mitos domésticos não são sustentáveis no universo “selvagem” da escola. E como podem ser cruéis certas crianças… e determinados infelizes professores…

3) Amigos da adolescência.

As relações-espelho da adolescência podem chegar a culminâncias excelsas de incondicionalidade e sacrifício pessoal, e alcançar, igualmente, as profundezas mais abissais da deslealdade e da bestialidade, ao afastar o indivíduo das diretrizes do lar e do ninho seguro de valores familiares, em casos graves envolvendo a alma juvenil nos tentáculos do vício e do crime. Serão eles, porém, os amigos da adolescência, os grandes realizadores dos primeiros ensaios de independência da psicosfera familiar, ensejando os primeiros lances mais ousados, os primeiros passos efetivos no processo de individuação, do vir-a-ser-o-si-mesmo. Incluímos, nesta categoria, os “namorados”, bem como “ficantes” e “rolos”, como na atualidade costumam-se designar as ligações casuais de natureza afetivo-romântica entre adolescentes. Os “boy-friends” e “girl-friends”, quando não apenas “friends”, nesta fase de vida, são grandes balizadores da construção da identidade, oportunizando construções singulares de personalidade, comportamento e projetos de vida.

4) Colegas de trabalho.

No campo minado e movediço das relações profissionais, onde mais crua e diretamente se manifesta o lado animal-competitivo do ser humano, deve ser moderado pela vida em sociedade, e é por isso que se criam a ética de trabalho, as leis trabalhistas, os acordos entre parceiros de trabalho, as corporações, associações e sindicatos diversos, a fim de tornar o mais civilizada, humana e decente que seja possível as relações normalmente pautadas na luta pela sobrevivência do âmbito profissional.

5) Segunda família: cônjuge e filhos, convencionalmente considerados ou não.

Quer haja uma constituição formal de família, quer tal impulso d’alma se manifeste de forma livre e, nestes casos, freqüentemente, de modo metafórico, a 2a família é estruturada, deliberada ou involuntariamente, por toda criatura, a certa altura de seu desenvolvimento psicológico. É assim que cônjuges ou parceiros da alma são definidos, consciente ou inconscientemente, e filhos, biológicos, adotados ou simbólicos, vão surgindo na senda existencial da criatura humana, ampliando-lhe o espectro dos sentimentos e propiciando-lhe maior crescimento e amadurecimento psicológico, pela doação maior de si, pela escolha mais pessoal (e menos conjuntural) de companhias e tipos de relação, e, por fim, pelo enriquecimento emocional e moral imenso implicado na experiência.

6) Amigos de ideal (político, social ou religioso)

Após um certo clímax de maturidade psicológica, o indivíduo não mais se afina por determinações impostas pelas circunstâncias, seja no nascimento em certo conglomerado consangüíneo, seja na contingência de pertencer a um dado agrupamento de atividade profissional. Assim, por motivações ideológicas, espirituais, intelectuais e morais, almas se buscam em colégios de afinidade superior, assim constituindo comunidades de grande valor não só para os indivíduos que lhe compõem, como para toda a sociedade que lhe sofre a irradiação de influência, pela alta qualidade de substância e efeitos de suas atividades.

Tipos de Vida Social:

1) Pessoal.

O indivíduo não deve renunciar a ter amigos, a aninhar-se, volta e meia, no aconchego do lar, nem de, periodicamente, entretecer relações de intimidade com parceiros selecionados. Sem esse conjunto de ligações interpessoais, num padrão mínimo satisfatório de harmonia, o indivíduo será incompleto… e doente, em algum nível de sua psique.

2) Profissional.

A realização profissional é desdobramento direto da dignidade pessoal, que assim não só impede de o indivíduo constituir carga para os outros, como ainda contribui para a movimentação da máquina social, como um todo, nas suas teias não só de significado, mas também em função de valores monetários e materiais, ainda indispensáveis à manutenção da ordem e da segurança das sociedades terrícolas.

3) Cidadania – deveres cívicos.

Quem não vive ideais democráticos, quem não se sente engajado em tarefas cívicas imprescindíveis, como o exercício do voto e da participação nas decisões comunitárias, sociais e políticas, está abdicando de uma parte substancial de seu poder e, por conseqüência, de sua responsabilidade como ser consciente.

4) Espiritualidade – deveres morais de solidariedade.

Indispensável dizer que não pode haver espiritualidade sem solidariedade e vice-versa, estando atreladas ou não a funções ou moldes religiosos convencionais. A ortodoxia religiosa, por sinal, costuma embotar a espiritualidade genuína. Ser bom e caridoso é dever moral da alma, que, após certo nível de desenvolvimento, sente-se compelida, irrefreavelmente, a dar seu contributo direto de serviço e amor ao próximo, sem esperar retribuições.

5) Ecológico: vida social amplo sentido.

Superando o paradigma da separatividade, que conduziu o ser humano à quase auto-extinção e ainda ameaça toda a biosfera no orbe, sabe-se hoje – e tal consciência coletivamente se expande – que o ser humano faz parte de uma grande rede biológica auto-mantenedora, cujo equilíbrio não pode ser rompido, sem prejuízo para toda a teia e seus elos fragilíssimos. Assim, quanto mais consciencioso e espiritual um indivíduo, mais naturalmente lúcido na perspectiva ecológica ele será. Não há transcendência sem imanência. Não há glória espiritual, sem equilíbrio natural.

Conclusão:

Todas as relações, tipos sociais e níveis de aprofundamento dos mesmos foram apresentados em suas funções e características fundamentais, para que seja incentivada uma sua vivência plena e segura. Quanto mais completamente um indivíduo conseguir cobrir esta gama de facetas interpessoais de sua própria alma, mais estará próximo da plenitude, da felicidade e da paz.

(Texto redigido e recebido (itálicos), em 9 de setembro de 2004.)


(*) Este estudo sinóptico constitui o décimo módulo de um curso de 18, que está sendo levado a efeito, todas as quintas-feiras, às 20 h, na sede do Projeto Salto Quântico. Na verdade, é a base para os debates e reflexões que lá fazemos, semanalmente. O tema geral do curso é: “Felicidade e Espiritualidade, na Era das Modernidades”. Hoje, estaremos seguindo este programa, abordando o sub-tema “Vida Social”. A confecção destas apostilhas está sendo composta em parceria de mim com a orientadora espiritual Eugênia. Os tópicos escrevi-os eu mesmo. Os comentários, em itálico, ela redigiu, ofertando-nos sua lavra didática excepcional de sempre. Se você é residente em Aracaju, ainda pode participar do curso. Os módulos são independentes, de modo que, ao entrar agora não sentirá nenhum efeito da falta aos módulos anteriores. E, para completar, ao fim do curso, todos receberão cópias das apostilhas correspondentes a cada um dos módulos que tenham faltado. Para se inscrever, informe-se pelo telefone: 232 2626 ou faça uso do ícone “fale conosco”, deste site.

Benjamin Teixeira.
Aracaju, 9 de setembro de 2004.