Benjamin Teixeira de Aguiar
em diálogo com o Espírito Eugênia-Aspásia.
(Benjamin Teixeira de Aguiar) – Estimada mestra Eugênia, poderia tecer algum comentário a respeito das últimas ocorrências de manifestações populares, Brasil afora? É de domínio comum que as reivindicações populares são um direito democrático constituído em toda sociedade dita civilizada, nos dias de hoje, desde que a ordem e a paz públicas não sejam perturbadas, mormente fazendo alusão aqui ao proibitivo uso de violência contra pessoas ou o patrimônio comum ou privado. Noticia-se que entre 200 a 250 mil manifestantes tomaram as ruas de grandes capitais brasileiras, ontem, segunda-feira 17 de junho, sobremaneira à noite. 100 mil apenas no Rio de Janeiro. 65 mil em São Paulo. Houve eclosões de violência e vandalismo.
Mais de 40 cidades do mundo, no exterior, também registraram manifestações de rua, com brasileiros (não residentes em território nacional) apoiando as reclamações de seus compatriotas, em nosso solo. Grandes e respeitáveis órgãos da imprensa internacional estamparam o país nas primeiras páginas, em manchetes alarmantes.
O movimento vem num crescendo desde a semana passada. Autoridades se contradizem, sem atinar os motivos da onda de sublevações, iniciada com um protesto aparentemente desprovido de força, contra o aumento no preço do transporte público, em alguns pontos do país. As razões estampadas em cartazes, muitos improvisados na via pública, incluem de tudo – desde a corrupção generalizada até os custos com a Copa das Confederações e a Copa do Mundo do próximo ano, que deveriam, pela proposta de alguns, transformar-se em maior investimento nos setores de educação e saúde para todos. Fica evidenciada, porém, a insatisfação popular com a representatividade política nos cenários municipal, estadual e federal, com o foco de maior desgosto voltado para o Poder Legislativo.
Um dia histórico, com a rampa do Congresso Nacional tomada por manifestantes, em Brasília, e a Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro servindo de palco a cenas impressionantes de baderna e caos que lembravam, em seus paroxismos, de algum modo, uma praça de guerra. Nem jornalistas conseguiam aproximar-se do local. Mais de setenta policiais foram acuados dentro da Casa Legislativa da antiga capital do país, vinte deles feridos, e populares exaltados, aos gritos de guerra, lançavam paus, pedras e mesmo coquetéis molotov contra expectantes (em sua esmagadora maioria) homens fardados.
Imagens atípicas no país. Embora a maior parte do movimento seja pacífica, políticos, jornalistas e analistas de todas as vertentes quedam-se perplexos, demonstrando estupor e incompreensão, em torno do que se passa em nossa pátria. Surpresa e confusões gerais. O protesto toma um nítido caráter apartidário e parece agregar gente de todos os segmentos da sociedade brasileira.
Arriscamos delinear este quadro geral, para propiciar aos que nos leem no presente uma visão mais ampla do a que aludimos, como também para recordar tais acontecimentos àqueles que no futuro venham compulsar estas páginas. Depois desta contextualização de nossa pergunta, solicitamos-Lhe, querida Mestra, que, se julgar apropriado e justo, nos ajude a juntar as peças desse gigante quebra-cabeças, oferecendo-nos algum esclarecimento em torno do panorama enevoado em que estamos inseridos no Brasil, atualmente.
(Espírito Eugênia-Aspásia) – Questões complexas demandam abordagem interdisciplinar; e, se são também profundas, remetem às estruturas constitutivas da psique humana. A iniciativa multidimensional de interpretação do que se passa é o que se arriscará logo fazer, nos esforços conjuntos de acadêmicos e peritos, sobremaneira com perspectivas ao gosto da cultura hodierna do domínio físico de existência: de tom econômico, político e social. Tais pontos de vista não estarão equivocados: apenas permanecerão incompletos, se não considerarem o tecido profundo da alma popular e, basicamente, da alma humana, porquanto multidões são formadas de pessoas, com seus sentimentos e idiossincrasias, suas aspirações e desejos frustrados, sejam de caráter social, econômico, cultural, psicológico, espiritual etc.
Não se pode ignorar a força do inconsciente coletivo. As coletividades conformam estruturas psíquicas que, em alguns momentos, podem manifestar-se de modo pujante, irrompendo, por vezes com violência, de acordo com o grau de repressões sofridas no correr do tempo. É o caso do povo brasileiro, de perfil pacato e pouco belicoso, que, por isso mesmo, permitiu que tensões fossem acumuladas longamente, propiciando, por conseguinte, a conjuntura do “explodir a panela de pressão” da calma e ordem habituais. E os jovens, por serem menos atreitos a condicionamentos culturais e hipnoses sociais, menos comprometidos com carreiras profissionais, prole, reputação pessoal, além de portarem o natural calor juvenil dos hormônios e do idealismo peculiar à sua faixa etária, fazem-se excelentes condutores da insatisfação geral, canais vivos da potência psíquica represada, de dezenas de milhões de pessoas que, no momento, se sentem vítimas de injustiças seculares, no tecido da organização sociopolítico-econômica brasileira.
(BTA) – Por isso, então, o movimento ainda pode crescer?
(EEA) – Dependendo do quanto se haja extravasado ou não desse potencial suprimido e de quantos dos seus propósitos (inconscientes – permita-nos afirmar) sejam atingidos. Levantes populares e revoltas, em diversos pontos do globo atualmente, como em outras épocas, dão nota do que estamos falando. E a História revela esse caldeirão profundo da etiologia de eventos sociais, de modo mais destacado, no princípio das revoluções – como particularmente ficou configurado na famigerada Revolução Francesa.
Por outro lado, ainda existe um elemento catalisador e integrador da mente coletiva, que muito lhe facilita a precipitação para o cenário externo dos acontecimentos históricos: a internet, sobretudo no que tange às redes sociais, que proporcionam o livre fluxo de informações, como nunca ocorreu na presença do ser humano sobre o planeta. A internet favorece, com seu alcance exponencial, que as mentes individuais se conectem umas às outras, numa espécie de massa psíquica, que funciona como um espectro colossal e indefinível que se pode entender, grosseiramente, como uma “Mente Maior” ou “Alma Nacional”.
Essa realidade subjacente, com características particulares – o fenômeno psíquico sui generis das “estruturas pseudomentais”, que não são consciências humanas, espíritos eternos ou indivíduos espirituais –, confere tons pitorescos ao que se dá por detrás dos eventos mais óbvios, externos, relacionados ao movimento político de ruas no Brasil de hoje: não há propriamente coordenação definida, a liderança é difusa, pois que, em última instância, não parte de indivíduos isolados, mas deste “ente místico”, se assim podemos dizer. Algo muito próximo das ocorrências estudadas pela psicologia de massas, que, não por acaso, observa, com especial cuidado, o processo do degringolar do comportamento de conglomerados humanos para irrupções de violência, amiúde perpetrada por cidadãos que, fora de tais circunstâncias de “mergulho na multidão”, não seriam capazes de descambar para os atos de barbárie a que são “propelidos” – conforme as resistências definidas pelo grau de maturidade intelecto-moral e autodomínio de cada indivíduo.
O processo de influências mediúnicas deletérias pode ser considerado como fator etiogênico, igualmente, na medida em que psiquismos mais sensíveis, com disposições criminógenas, nessas situações especiais do “estar na multidão”, podem sintonizar com agentes tenebrosos da dimensão extrafísica de existência, que lhes exaltam as inclinações menos sãs. Além disso, existem as personalidades que, sem precisar de induções espirituais, agem por si mesmas, movidas por tendências primitivas e perversas que lhes são inerentes, propensões estas que se mantêm relativamente ocultas, no dia a dia, por força das relações em sociedade e seus efeitos civilizatórios.
(BTA) – Você diria, então, que este movimento tem ou terá desdobramentos construtivos?
(EEA) – Sem dúvida alguma! Não só porque denota o amadurecimento da consciência político-social do povo brasileiro, mas também porque acabará provocando uma aceleração em certos vetores evolutivos, que se mostram mais refratários do que seria de se esperar, em terras brasileiras. A forma de se fazer política, no país, por exemplo, está sendo severamente contestada e deverá sofrer um impasse em algumas vertentes de seu “modus operandi”. As hipocrisias de homens e mulheres na vida pública alcançaram um nível de saturação inaceitável para milhões de jovens cabeças pensantes (muitas não tão jovens assim, no corpo físico – risos), que querem um Brasil melhor, mais justo, mais lúcido, mais feliz.
Os jovens (em sua maioria) manifestantes estão de parabéns. Que cada vez mais utilizem as ferramentas da comunicação em rede, para fomentar o bem comum, além de expressar opiniões, sentimentos e valores de segmentos da sociedade, quanto da comunidade pátria como um todo, obviamente sem nunca descurar do empenho possível no sentido de alijar de seus trâmites democráticos as eclosões de violência e desrespeito a direitos civis constituídos. Afinal de contas, tal atitude atesta um total contrassenso: é pela melhoria do atendimento a direitos e necessidades básicos de todos que essas manifestações populares têm razão de ser e podem, assim, trazer benefícios para seus participantes, como para a comunidade inteira.
(BTA) – Agradecido, Eugênia. Algo mais deseja falar neste momento?
(EEA) – Não, por ora é tudo que podemos dizer.
(Diálogo mediúnico entabulado em 18 de junho de 2013.)