Benjamin Teixeira
pelo espírito
Eugênia.

Procure encontrar as formas certas de servir, sem avançar sobre as atividades dos outros, sem bloquear o ensejo de crescimento de seus irmãos em humanidade, sem magoar a quem não se sente apto a fazer muito, cuidando de ajudar, principalmente, por meio de ensinar o semelhante a assistir ao próximo, ou o necessitado a auxiliar a si mesmo.

Existe muita “caridade” sufocante e expressivo percentual de amor doentio que passam à conta de grande virtude. O insigne Confúcio, patriarca fundamental da cultura chinesa, cunhou a célebre e sábia máxima, que nos cabe aqui citar: “Não dê peixe: ensine a pescar.” Embora se deva considerar a boa intenção de quem presta socorro, mister também ajuizar quanto à qualidade do serviço e, sobremaneira, às conseqüências que repercutem naqueles que são beneficiários. Desde a mãe que amolenta o caráter de filhos, mimando-os, até o religioso que vicia a plebe em suplicar ao Alto, sem incentivá-la a laborar por se fazer digna de merecer receber o que pede, é típico da condição humana o inclinar-se a acobertar das intempéries da vida os entes amados, como se dificuldades e necessidade de esforço pessoal não fossem das maiores dádivas que se podem ofertar a alguém, em prol de seu crescimento.

Além do caso clássico, que dispensa comentários, de quem se utiliza da atividade filantrópica para se promover, muita gente prenhe de idealismo e espírito solidário acaba por travar o senso de iniciativa e o moral dos que recebem o benefício prestado, ao lhes prodigalizar facilidades indébitas. Com isso, cabe-nos avaliar, rigorosamente: o bem que fazemos, a quem o dispensamos e se realmente é necessário o que oferecemos, bem como o modo com que ofertamos a doação. Que sejamos, assim, promotores do progresso e não da dependência institucionalizada.

Claro que situações haverá em que, a título de emergência, a assistência pura e simples deverá ser levada a cabo, a fim de que premências inadiáveis sejam atendidas a contento. Dessarte, não se pode negligenciar o alimento ao faminto que passa ante nossas vistas, por se reconhecer que complexas razões sociológicas, econômicas e culturais engendraram um contexto propiciador do surgimento do fenômeno multi-etiológico da penúria. Urge matarmos a fome do semelhante que fenece à míngua de uma côdea de pão, enquanto tratamos de mobilizar esforços no sentido de educar, profissionalizar ou ensejar ocupação remunerada e digna aos que não subsistem por conta própria. Jamais devemos nos permitir o descaso criminoso ante a necessidade de socorro urgente a nossos irmãos em humanidade. Muita teoria é inchaço da mente, na paralisia da prática, enquanto o essencial é procrastinado, em nome de idéias que não enchem a barriga de ninguém.

Atente sempre, porém, prezado amigo, por outro lado, para que não gere o vício da mendicância de todas as ordens, inclusive no imo de si mesmo, projetando a mesma relação de dependência e parasitismo para Deus e Seus Emissários, aguardando que tudo façam por você, olvidando que o livre-arbítrio e a iniciativa pessoal, como desdobramentos da vontade e da razão, são atributos inalienáveis da condição humana, por delegação divina, e que, igualmente, por desígnio do Alto, a inviolabilidade desses apanágios da espécie humana é lei inderrogável do Criador, implicando dizer que o primeiro corolário da vivência do amor – o amor por si mesmo – tem início saudável na conduta do indivíduo que se exige disciplina e empenho permanentes, como filosofia de vida e método de arquitetação de seu próprio destino e felicidade.


(Texto recebido em 8 de julho de 2000. Revisão de Delano Mothé.)