Benjamin Teixeira
por espíritos incógnitos.
Vocês podem dizer alguma coisa sobre mediunidade?
Mediunidade é função do espírito, entre outras, como a afetividade, a moralidade, a inteligência e a memória. Todos os seres humanos, portanto, são com ela dotados, em maior ou menor medida, muito embora, de fato, na Terra, sua presença seja ainda suave.
Exatamente. À época de Kardec, dizia-se que os médiuns estavam por toda parte. O próprio codificador chegou a afirmar isso categoricamente. Não é isso que percebemos hoje em dia, entretanto.
Por aqueles dias, foi necessário que uma grande plêiade de excepcionais médiuns estivesse reencarnada, com o fito de provocar o estudo da realidade imortal. Kardec, em particular, estava cercado por ilustres médiuns, alguns deles temperados por séculos de atividade séria, como pitonisas, oráculos e sibilas de antigos templos gregos e de outras culturas da Antiguidade. Cessada a necessidade mais dramática para tanto, o percentual de médiuns extraordinários voltou a seu número reduzido de sempre.
Mas e quanto ao fato de Kardec ter dito que a mediunidade seria uma aptidão do corpo?
Uma tendência do espírito que, para se manifestar no plano físico, exige a presença de estrutura neurofisiológica adequada, definida geneticamente.
Como poderíamos classificar a mediunidade?
De inúmeras formas. Isso não importa. Mas podemos propor algumas: médiuns conscientes e médiuns inconscientes; médiuns de efeitos físicos e médiuns de efeitos intelectuais; médiuns psicógrafos e médiuns de contatos mediúnicos não registrados; médiuns técnicos e médiuns espontâneos.
Quanto a essa última forma de distinguir os médiuns, poderiam dizer alguma coisa?
Sim. Há uma aluvião de médiuns que até desconhecem as suas faculdades, travando contato com entidades domiciliadas em nossa dimensão, consciente ou inconscientemente, por meio de suas capacidades psíquicas desenvolvidas. Chamaríamos a essas pessoas de médiuns espontâneos. Em toda parte, encontrá-los-emos. São pessoas de todos os credos, nacionalidades e níveis culturais.
Temos, por outro lado, os médiuns técnicos. Pessoas não só dotadas dos atributos psíquicos dos médiuns espontâneos, mas que resolveram assumir como compromisso de vida o exercício, a prática e o serviço mediúnico. As religiões xamânicas, os cultos afro-brasileiros e o Espiritismo seriam campos de atividade desses médiuns, mas muitos outros agiram de modo não vinculado, como o médium americano Edgar Cayce ou a austríaca Eva Pierrakos.
O que dizer àqueles que ambicionam desenvolver a mediunidade?
Que procurem primeiramente desenvolver a inteligência, os sentimentos e, principalmente, os princípios morais, já que a mediunidade virá como uma flor, a naturalmente desabrochar após um longo processo de crescimento interior. Quando a mediunidade desponta antes do tempo devido, cria sérias perturbações ao processo de individuação da personalidade, que se confunde, no entrechoque de influências mentais e energéticas variadas e normalmente díspares entre si. Não por acaso, a maioria das pessoas de evolução mediana, na Terra, não é dotada de mediunidade ostensiva, nem é também à toa que pessoas que abrem as janelas psíquicas sem essa acentuada acuidade intelectual e moral sejam pessoas comumente desajustadas.
Poderiam nos falar sobre o perder a consciência durante o transe? Isso seria um fenômeno desejável?
Grandes médiuns assim o foram, por conta do exercício prolongado, por diversas reencarnações, constituindo magnífico terreno de estudo parapsicológico e neuro-científico. Mas cabe reconhecermos, assim como Kardec também pensava, que o que interessa é a qualidade da sintonia e não a extensão da sensibilidade psíquica ou do espectro fenomenológico de um dado “sujet”. Como, entrementes, o fenômeno tende a deslumbrar e absorver a mente não só do médium, como dos circunstantes e estudiosos de sua mediunidade, o quesito sintonia é posto em plano secundário, sendo assim levados a admitir, ironicamente, que antes esteja-se em contato com um médium consciente, que dirija lucidamente seus processos de intercâmbio psíquico, que de um que perca espetacularmente a consciência e não tenha nenhum poder de controle sobre as próprias funções. O propósito da educação mediúnica, portanto, paradoxalmente, deverá ser conduzir à consciência os médiuns inconscientes e semi-conscientes e não o contrário, como se supunha no passado e ainda hoje, em determinados cultos mediunísticos primitivos.
Mas isso não pode conduzir muita gente a confundir imaginação com intuição e outras experiências psíquicas?
Sim, e quem confunde deve deixar claro quando e como confunde. Somente pela prática demorada, o médium tem condições de discernir com clareza o que é pensamento seu do que provém de fora. O erro está em pessoas imaginosas se passarem por médiuns, e médiuns calarem-se por não quererem misturar suas idéias à inspiração que recebem. Ou seja: uns agem irresponsavelmente, e outros de modo negligente. Procure-se um meio termo. Deve-se sempre partir do princípio que a mente mediúnica inelutavelmente interfere e distorce, aqui ou ali, na comunicação que se dá por seu intermédio, mas nem por isso deixa de estar transmitindo uma mensagem amiúde extraordinariamente importante para os destinatários, como um bom tradutor, que invariavelmente transpassa um pouco de seu tom mental, no seu esforço de verter de um idioma para outro, sem, todavia, deixar de cumprir o serviço da comunicação do texto. Por outro lado, pessoas exageradamente imaginativas tendem a se iludir com as próprias imagens interiores ou conscientemente manipular as pessoas com elas, no que já existe grave falha de caráter. Cabe aqui deixar claro que o médium treinado sempre sabe quando está sendo vítima de um processo auto-delusório, sob influência das próprias imagens mentais, ou quando recebe um influxo mental externo, assim como uma pessoa comum distingue com clareza um quadro imaginado de um registro de memória. Avalie-se o caráter do médium, sua personalidade, seus vícios e virtudes, observe-se longamente os fenômenos que se dão por seu intermédio, e poder-se-á chegar a uma conclusão segura sobre o grau de confiabilidade que ele merece gozar.
Mais algo gostariam de acrescentar sobre o assunto?
Sim, que o objetivo do Espiritismo e de toda corrente séria religio-filosófica é favorecer o crescimento do indivíduo, no sentido da espiritualização, da auto-consciência, da transcendência, e não no sentido de converter a pessoa em um fenômeno de apreciação pública ou privada, em um objeto de curiosidade para si e para os outros. O erro de foco no essencial, nesse particular, tem sido apontado desde temos imemoriais, como está exarado nas anotações dos discípulos de Buda, que alertou, por diversas vezes, quanto ao inconveniente da preocupação excessiva com questões “metafísicas”, assim como o Hinduísmo clássico, que avisa se mantenha distância dos rishis, paranormais capazes de realizar prodígios, mas incapazes de purificar, esclarecer e conduzir à felicidade as almas humanas. Ainda hoje, as pessoas seguem iludidas quanto ao fundamental. Médiuns continuam causando assombro, e o bom senso, a razão, a lógica e, sobretudo, os propósitos mais nobres e elevados do espírito são regateados para um segundo plano, para prejuízo geral, muitas vezes de trágicas conseqüências, como vemos nos resultados do fanatismo religioso. Que cada um se atente para isso e se concentre em suas orações, nos estados meditativos e reflexivos – esses sim, indispensáveis – e se volte para a prática do bem que já tem em mente, concretizando o ideal a pouco e pouco, rumo à realização pessoal plena, jamais descurando, para que isso seja possível, da necessidade de estudar e se auto-aprimorar indefinidamente, a fim de que não haja a perda trágica do senso crítico e, principalmente, auto-crítico.
(Diálogo travado em 17 de julho de 2002.)