por Benjamin Teixeira.
Terminei de receber o último capítulo do romance incluso no livro “Maria Cristo”, que será publicado no próximo dia 24 de julho, e fui para a varanda do apartamento de 8º andar, da torre de pedra onde moro. Ah… a civilização! Sem contar o milagre de engenhaira civil que estes espigões de concreto constituem, olhei para um quadro a óleo
de Madona em corpo inteiro, na minha sala de jantar, que dá para ver d’onde estava, uma das mulheres mais lindas que viveu na capital sergipana, imortalizada no último corpo que usou, por memorável artista da Terra, em sua beleza juvenil de 40 anos atrás, e exclamei para ela:
– Olhe só, amiga! A nossa avançada e maravilhosa civilização!
As pessoas tendem a reclamar de tudo. Estamos viciados em protestos e reivindicações. Muito justos, por sinal, em alguns aspectos práticos, já que fomentam a máquina do progresso, favorecendo melhorias crescentes em todos os sentidos, do tecnológico ao social. Reclamamos da economia, da violência urbana, do problema das drogas, etc., etc., etc. A questão é que nos esquecemos de focar o que já conquistamos; e, assim, perdemos de usufruir a felicidade que já podemos aproveitar, dependendo a qualidade e intensidade deste usufruto muito mais de nosso estado de espírito do que propriamente de mais e maiores benesses, como se costuma supor.
Voltando ao momento na varanda. Fiquei pasmo em ver, mais uma vez, o que me delicio em observar: construções de alvenaria, força elétrica distribuída por toda parte, para confortos diversos no seio dos lares; tubulações de água, de esgoto; fiação telefônica, ruas pavimentadas e limpas; veículos metálicos, deslizando sobre pneus de borracha;
agulhas gigantes de rocha e aço apontando para o céu, cheias de gente e de trabalho; antenas gigantescas vibrando, em ondas eletromagnéticas, massas incríveis de informação, em inúmeros canais de TV e estações de rádio; instituições de ensino, e ainda a realidade virtual, com suas bibliotecas eletrônicas, nem por isto menos reais, como esta, o site do Projeto Salto Quântico, que podemos considerar uma pequena biblioteca virtual de espiritualidade e fé, esclarecimento e sabedoria, à disposição do prezado internauta, gratuitamente…
Vi a calma das pessoas, frenando seus carros ao semáforo, na grande rótula de entroncamento de vias expressas dos quatro pontos cardeais da úrbis sergipana, gente conduzindo bicicletas, quase sem se ouvirem buzinadas, apesar do enorme tráfego, o terminal de transporte coletivo e o mais moderno teatro do Norte-Nordeste brasileiro,
altaneiro e silencioso, em meio ao movimento fervilhante em torno, o Teatro Tobias Barreto, também visível de meu apartamento, só que da janela da área de serviço. Um templo da cultura e um centro de transporte e distribuição de gente, pelas artérias públicas da pequena metrópole de 800 mil habitantes, uma Zurique do Cariri, fazendo alusão à alegoria de uns vinte anos atrás, em que o nosso Estado era chamado de “A Suíça do Nordeste”. De fato: tolerância, pacifismo e prosperidade, respeitadas as devidas proporções deste último item para os padrões brasileiros, caracterizam nossa capital,
mais do que o Estado propriamente. A cidade onde foi realizado o primeiro Miss Brasil Gay, há 32 anos, e onde as festas populares, sejam pré-carnavalescas ou juninas, chamam atenção pelos baixíssimos índices de violência, repleta de instituições de ensino superior, num pipocar impressionante de cultura e competição pelo vanguardismo em mídia
(há três canais de televisão na cidade com produção exclusivamente local, além de três outros com programação expressivamente da terra – creio que nenhuma outra cidade fora do eixo Rio-São Paulo apresenta isto no país), sem dúvida, pode ser, embora com algum atrevimento, comparada à outra cidade de 800 mil habitantes, aquela, germano-fônica, do centro da Europa.
Talvez você não more em cidade tão tranqüila e magnífica, em diversos sentidos, com gente dinâmica e amistosa, mas carrancuda (risos), à moda típica sergipana, com seu orgulho local de produtividade e prosperidade (3 das 10 maiores redes de super-mercados do país surgiram aqui, apesar de compormos apenas 1% da população brasileira). Mas, com certeza, você pode dizer conosco, se não morar no Rio de Janeiro ou em São Paulo capitais: as pessoas não andam mais se estapeando e se enfrentando fisicamente nas ruas; ninguém anda armado; não estamos a toda hora na iminência de sermos mortos ou atacados em nossa incolumidade física; vivemos um estado de direito, com instituições civilizadas para intermediação e resolução dos interesses e conflitos entre indivíduos e instituições, por mais que precário e deficitário seja este sistema, ainda. Mas ninguém mais anda furando o olho do vizinho ou degolando o filho do rival profissional, por questiúnculas do cotidiano, como acontecia em socidades primitivas.
Cabe-nos, assim, se quisermos desenvolver a capacidade de ser felizes, focarmos a mente nestas particularidades felizes de nossas conquistas já feitas, porque, se há muito a fazer, estamos, graças a Deus, muito longe da taba ou da selvageria de tempos primevos.Não convivemos com anjos e gênios, porque, de nossa parte, estamos ainda longe disto. Mas se, de século a século, de encarnação a encarnação, temos tido a honra de participar da construção deste edifício de cultura, urbanidade e fraternidade, em que não há escravidão étnica, mulheres têm direito a voz e vez no seio das sociedades e dos
mercados de trabalho, e todos podem exprimir livremente suas opiniões, mesmo as mais chocantes e contrárias ao “status quo” do “establishment”, sem, por isto, aparecerem mortos no dia seguinte, sem dúvida lograremos, nos próximos séculos, dar saltos tão espetaculares de progresso não só tecnológico, mas também humano, que sequer podemos agora conceber os resultados, em termos de paz, prosperidade e bem-estar disseminados por todos os segmentos e elementos da sociedade.
Assim, em vez de muito reclamar e protestar, cabe-nos trabalhar e construir, no campo da paz, do esclarecimento, do conforto e do bem gerais, contribuindo para a edificação desta era nova que virá, a fim de que mereçamos voltar a nascer nesta Terra que estará redimida, em vez de sermos degredados para mundos primitivos, como muitos, lamentavelmente, dos que preferem fazer parte do barulho e do problema, em vez de parte da ação e da solução, terão que amargar como sina, nas próximas reencarnações.
[[?]](Texto recebido em 27 de junho de 2005.)