Se você nunca andasse de automóvel, as chances de sofrer um acidente automobilístico seriam mínimas, para não dizer completamente nulas. No momento em que se expõe, fazendo uso de veículos de toda sorte, de fato, a probabilidade de sofrer um acidente e de que seja fatal aumentam. Isso, porém, significa que deva abandonar o uso de automotores?
Sim, por um tempo você tinha possibilidades mínimas de que isso ou aquilo acontecesse em sua existência e, em dadas circunstâncias, a curva das probabilidades inclina-se suavemente em direção a uma ocorrência nefasta. Isso não implica que o pior esteja para acontecer.
O medo normalmente é irracional. Especula-se muito, dramatiza-se, exagera-se de todos os modos, porque aspectos emocionais estão em jogo, elementos simbólicos subjazem à situações que inspiram terror. Uma pessoa teme voar, uma outra adoecer, aqueloutra morrer precocemente, algumas ainda têm receios prosaicos como não serem tratadas com o devido respeito e amor, por essa ou aquela pessoa em particular ou por todo mundo, de um modo geral. As diferenças na experiência do medo têm a ver, de fato, com o histórico biográfico de cada um, suas tendências, suas pendências de outras existências, seu modo particular de ser e sentir o mundo. A projeção de conteúdos íntimos compõe os medos, tanto é que as pessoas não costumam sentir medo justamente quando mais correm riscos. Dificilmente há uma correspondência entre realidade e a fantasia do medo. Um gay promíscuo e sem precauções no ato sexual pode não dar importância ao risco imenso de contrair Aids – quase certo -, ao passo que treme nas bases ao pensar na possibilidade de não ser visto como alguém que anda na moda. Um machão típico do Nordeste brasileiro pode viver tranqüilo quanto à esposa que trata mal e os filhos que despreza – construindo, para si, o inferno dentro de casa, o campo sagrado da felicidade -, enquanto só tem olhos, preocupação e ansiedade para o que concerne à vida profissional, à qual já dedica mais tempo e espaço mental do que deveria.
Claro que não podemos exortar ninguém a ignorar os medos – eles, amiúde, constituem alertas importantes para mudança de rota e de auto-correção em áreas nevrálgicas. Todavia, que se passe toda sorte de fobia pelo crivo da lógica – de uma lógica abrangente, não-utilitarista, não-imediatista – e notar-se-á vários pontos de delírio.
Não gaste sua energia mental com idéias sem nexo. Mantenha o foco no que é sensato, prático e justo. Seja prudente, aja com retidão, seja parcimonioso, moderado, mas não se renda às insinuações estrambóticas e delirantes do medo. É um total desperdício de vida, de oportunidades, de felicidade e, principalmente, de paz.
(Texto recebido em 19 de maio de 2001.)